Texto 10 – As rupturas do PCB nos anos 60: PC do B, ALN, PCBR, MR-8

Por João Santiago, da coordenação da CST Pará

A história do PCB a partir do XX Congresso do PCUS da ex-URSS, em fevereiro de 1956, onde Kruschev denunciou para todo o mundo os crimes de Stálin, foi uma história de rachas e divisões. Essa foi a principal força centrífuga que ocasionou a primeira e mais importante divisão no partido com o surgimento do PC do B(1962).

Não menos importantes vieram as divisões impostas por outras conjunturas internacionais como a ruptura de Mão Tse-Tung com Moscou, onde este desaprovou a “desestalinização” da URSS, assim como a vitória da Revolução Cubana comandada pelos guerrilheiros de Sierra Maestra, igualmente as lutas de libertação nacional da Argélia e do Vietnã, aliado a uma conjuntura nacional que foi o golpe militar de 31 de março de 1964. Essa combinação de fatos deu origem ao surgimento de grupos guerrilheiros como a ALN, PCBR, MR-8, todos inspirados na teoria do foquismo cubano ou na guerra popular prolongada do maoísmo ou na guerrilha urbana.

PC do B, 1962: em defesa da política e estratégia stalinista

Como já assinalamos acima, o surgimento do PC do B está diretamente ligado com as polêmicas envolvendo as denúncias de Kruschev no XX Congresso do PCUS, os famosos “crimes de Stálin”. Não que Kruschev, como membro da burocracia stalinista que era, tenha dado um giro “à esquerda” na política do PCUS ao denunciar os “crimes” de Stálin, muito pelo contrário, o alinhamento com o imperialismo norte-americano, com a política da “coexistência pacífica” estava bem mais à direita, assim como a intervenção com tanques na Hungria, Polônia e Tchecoslováquia para esmagar as revoluções políticas. O alinhamento com o imperialismo foi o  que mais incomodou velhos quadros e militantes do PCB à época, nem tanto a repressão aos processos revolucionários no leste europeu.

O fato da direção central do PCB “esconder” a crise por 8 meses (fevereiro a outubro de 1956) foi um fator importante também para o surgimento de divergências no interior do partido. Enquanto o Comitê Central do PCB “escondia” a crise aberta no XX Congresso, a grande imprensa publicava as matérias que chegavam dos correspondentes internacionais; a Voz Operária, o jornal oficioso do partido, publicava entre março e julho deste ano, três matérias oriundas de outros partidos comunistas, como o italiano, o norte-americano, que atestavam a veracidade das denúncias e faziam críticas “ao culto da personalidade” de Stálin. Eugene Dennis, secretário-geral do PC norte-americano, inclusive chega a detalhar os “crimes de Stálin” (torturas, processos-farsa contra os velhos líderes bolcheviques) e chega até a propor “a popularização das decisões do XX Congresso para melhorar a imagem do socialismo no mundo”[1].

É a partir dessas polêmicas – e  contra a política “revisionista” que a direção central do PCB, com Prestes à frente, vai implementar nos Plenos de abril e março de 1957,  na Declaração de Março de 1958 e no V Congresso do partido em agosto de 1960 – que surgirá um núcleo dissidente no interior do partido, formado por Diógenes Arruda, Maurício Grabois, João Amazonas Pedro Pomar, Chade e Daniellie.

Um fato interessante e que vai determinar a nomenclatura do novo partido dissidente ocorre em agosto de 1961, quando o novo Comitê Central eleito no V Congresso modifica os estatutos partidários para facilitar o registro no TSE, passando o mesmo a se chamar Partido Comunista Brasileiro, mas mantendo a mesma sigla; também foram retirados do programa as referências ao marxismo-leninismo. A partir desse fato, o grupo oposicionista organiza um manifesto ao partido, que ficaria conhecido como  a “Carta dos cem”, onde declaram que o documento da direção central publicado no jornal Novos Rumos era “uma negação do partido revolucionário”. São acusados então de querer dividir o partido e são expulsos pelos dirigentes do PCB nesse mesmo mês[2].

Finalmente, em fevereiro de 1962, o grupo que foi expulso convoca uma Conferência Nacional Extraordinária, e segundo Jean Rodrigues Sales “elege um Comitê Central, aprova novos estatutos, declara a reorganização partidária e reivindica ser o verdadeiro partido comunista em atuação no país adotando como diferencial a sigla PC do B”[3].

As definições ideológicas: maoísmo e guerra popular prolongada

Tendo sido despachado pelo PCUS, ao qual haviam pedido reconhecimento, os dirigentes do PC do B estabelecem relações com o Partido Comunista Chinês (PCC) e com sua linha maoísta. Até meados dos anos 70 pelo menos, os dirigentes afirmavam publicamente que o PC do B seguia as orientações políticas dos chineses. E uma das questões que seria fundamental para o alinhamento com o PCC, segundo Jean R. Sales, era justamente a diferença do maoísmo em relação ao foquismo. Se havia alguns ´pontos em comum entre os dois modelos, como o privilégio dado aos camponeses e à guerrilha rural, a ênfase nos povos do Terceiro Mundo e o conteúdo militarista de suas estratégias revolucionárias, o que foi decisivo para a vinculação do PC do B com o maoísmo no primeiro momento foi justamente o fato  de subordinar o fator militar ao fator político, ou seja, o partido deveria preceder a guerrilha, o que é o oposto do foquismo. Outro aspecto dessa aproximação é que os chineses não romperam com a estratégia da revolução por etapas. A opção pelo maoísmo, em síntese, se deram por questões teóricas (defesa da doutrina stalinista, teoria do bloco das quatro classes, revolução por etapas e a idéia da guerra popular prolongada) e por razões políticas práticas )recusa do PCUS em aceitar a filiação na III Internacional e a necessidade da luta armada, contrapondo-se a atração do ideário foquista)[4].

No que tange ao programa, o PC do B segue à risca a estratégia da revolução por etapas do maoísmo e propunha em primeiro lugar a implantação de um governo popular revolucionário e de um regime anti-imperialista, antilatifundiário e antimonopolista, nos moldes da Internacional Comunista stalinista, o caráter da revolução se daria nos marcos democrático-burgueses, com a burguesia avançada dirigindo este processo, rompendo com o imperialismo e fazendo uma reforma agrária radical, anti-feudal. Com o capitalismo desenvolvido se pensaria numa “segunda etapa socialista”. Essas ideias foram sintetizadas no Manifesto-Programa, lançado antes do golpe militar de 1964, mas no documento intitulado “o golpe de 64 e seus ensinamentos”, a proposta de uma frente única revolucionária se amplia para a conservadora União Democrática Nacional (UDN), o que já é o extremo da proposta anterior.

Com o golpe de 64 e sua radicalização com o Ato Institucional nº 5 (AI-5) de 1969, o PC do B muda radicalmente de tática e passa a defender a luta armada como o caminho para a derrubada da ditadura militar no Brasil. É no documento “Guerra popular – caminho da luta armada no Brasil” que pela primeira vez o PC do B defende de forma aberta a luta armada. Nesse documento há uma clara condenação dos métodos guerrilheiros foquistas isolados das massas, sem a presença de um partido político que oriente as ações das massas e da estratégia militar”. A teoria do “foco” conduz à renúncia do trabalho entre as massas e não confia na capacidade destas de assimilar as ideias revolucionárias e de lançar-se à luta. Por isso, a guerrilha baseada no “foco” é alheia às massas e dedica-se quase exclusivamente às ações armadas”.

Iniciada em abril de 1972,a Guerrilha do Araguaia, como ficou conhecida, foi praticamente dizimida em 1973 pelo Exército comandado pelo Major Curió e todos os militantes e as militantes mortos(as) na operação Marajoara;  os últimos militantes-guerrilheiros foram caçados pelo Exército durante todo  ano de 1974. Cerca de 68 foram massacrados.  Vários balanços políticos foram feitos pelo Comitê Central do PC do B após a dizimação da guerrilha, uns exaltando a bravura dos militantes, como o de Ângelo Arroio e outros destacando o erro estratégico, político e militar, como fez Pedro Pomar. O fato é que no documento “Guerra Popular – caminho da luta armada no Brasil”, quando elencados os nove aspectos (favoráveis e contra o caminho da luta armada), a própria direção do PC do B armava os militantes de que a vitória seria possível, que a guerra popular prolongada traria o apoio do campo e das cidades para o movimento, que as forças armadas seriam enfraquecidas por esse movimento que ganharia as massas. “A luta armada em que se empenhará o povo brasileiro terá um profundo conteúdo popular, englobando as mais amplas massas da população. O fato de ser o Brasil um país dependente e de a terra estar monopolizada por uma pequena minoria de latifundiários imprime à revolução um caráter nacional e democrático, o que permite a mobilização de imensas forças sociais para derrubar o atual regime reacionário”[5].

ALN, PCBR, MR-8: a teoria foquista de Che Guevara e do castrismo

Se o surgimento do PC do B se deve à defesa do stalinismo e ao alinhamento com o maoísmo e a tática da guerra popular prolongada, o aparecimento da Aliança Libertadora Nacional (ALN), do Partido Comunista Brasileiro Revolucionário (PCBR) e do Movimento Revolucionário 8 de Outubro (MR-8), está diretamente ligado às polêmicas dentro do PCB envolvendo a revolução cubana, o método da guerrilha cubana e o foco guerrilheiro.

Em 1967, por conta do Informe do Balanço do CC ao VI Congresso, expressa-se toda a divergência entre a maioria da direção do partido e os grupos dissidentes que defendem que o partido adote as teses da guerrilha e da luta armada para o Brasil. Segundo Carlos Alberto Barão(2003), a direção majoritária do PCB defende a solidariedade à revolução cubana mas está contra as teses para a expansão da revolução cubana na América Latina através da luta armada e feita por pequenos focos, bem como o caráter socialista da luta armada[6]. Formou-se então, a Corrente Revolucionária, dissidência no interior do PCB que defendia a luta armada para combater a ditadura contra a orientação da maioria, que defendia uma luta de massas pacífica. Da Corrente Revolucionária surgiram dois grupos: a ALN, dirigida por Carlos Marighella e Joaquim Câmara Ferreira, que defendiam a guerrilha como nova organização de vanguarda e o PCBR, dirigido por Mário Alves, Jacob Gorender e Apolônio de Carvalho, que continuavam defendendo a necessidade do partido marxista-leninista.

As origens do MR-8, tem um capítulo à parte, pois surgiu antes da ALN e do PCBR, entre os anos de 1965 e 1966, a partir da ruptura das bases universitárias com o PCB em todos os cantos do Brasil, com as chamadas Dissidências Estudantis (DIs). As mais importantes surgiram no Rio de Janeiro, com a DI-RJ e a DI-Guanabara. A DI-RJ tinha base entre os estudantes e trabalhadores de Niterói; rompeu com o PCB em 1966 aderindo às teses da Revolução Cubana. Este grupo chegou a participar de ações armadas urbanas e se preparava para lançar um “foco” rural no sudoeste do Paraná, mas nunca prosperou, pois foi descoberto pela polícia e totalmente desestruturado. Em meados de 1969, a organização já havia sido desestruturada pela repressão no campo e na cidade. A publicação, com a qual o nome ficou conhecido se chamava 8 de Outubro, em homenagem a Che Guevara, que foi capturado na Bolívia nesta mesma data de 1967. Segundo Marcelo Ridenti (2007), a Dissidência da Guanabara decidiu assumir o nome MR-8 para desmoralizar a repressão, em setembro de 1969.

De acordo ainda com Ridenti, a DI-GB já existia dentro do PCB desde 1964, na cidade do Rio de Janeiro e no fim de 1966 foi consumada a cisão com o partido, realizando sua conferência no início de 1967. No transcorrer do ano de 1968 houve um crescimento muito grande da DI-GB, estando à frente das entidades estudantis cariocas e dos movimentos de ruas que abalaram a ditadura, liderados por Vladimir Palmeira e outros companheiros[7].

Com o refluxo do movimento estudantil em 1969 e o aumento da repressão a DI-GB passou a tomar parte nas ações armadas no RJ, ficando conhecida pelo sequestro do embaixador norte-americano, que foi trocado por prisioneiros das organizações. Essa ação atraiu muitos quadros para a organização, inclusive o capitão Lamarca, que trocou a VPR pelo MR-8 na época.

De todos estes grupos, o principal representante da linha castro-guevarista no Brasil foi, sem dúvida, a ALN. O livro de Carlos Marighella, Minimanual do guerrilheiro urbano foi o livro de orientação da luta armada mais conhecido no mundo. Sua inspiração direta foram as obras de Che Guevara “Guerra de Guerrilhas” (1960) e E  “Guerra de Guerrilhas: um método” (1963). Na primeira obra Che tentava sistematizar alguns ensinamentos da revolução cubana e suas três conclusões centrais: 1.as forças populares podem ganhar uma guerra contra o exército; 2.nem sempre tem que se esperar que se dêem todas as condições para a revolução, pois o foco insurrecional pode cria-las e, 3. na América Latina, o terreno da luta armada deve ser fundamentalmente o campo. Já na segunda obra defende mais categoricamente a teoria do foco, que resumindo seria: “primeiro organiza-se um grupo armado, de forma conspirativa, isolado da ação do povo e reduzido a um pequeno número de iniciados”; depois esse grupo realiza um ataque bem-sucedido que faz com que sua fama cresça, atraindo alguns camponeses sem terra e jovens de outras classes para suas fileiras; o grupo realiza novos ataques e continua incorporando novas pessoas; nas áreas libertadas constrói instalações, onde passa a elaborar meios para sua ação e avançar sobre o território controlado pelo governo; de sucesso em sucesso, a guerrilha passa a se organizar em “exército popular”, capaz de derrotar as forças da opressão; seria a etapa inicial da revolução[8].

Conclusão

Vimos que mesmo rompendo com a política pacifista do PCB, que condenou o uso da luta armada no Brasil, tanto as organizações que defendiam a tática da “guerra popular prolongada”, como o PC do B, quanto as que sustentavam a teoria do foco guerrilheiro inspiradas no castro-guevarismo e na revolução cubana, como a ALN, PCBR e MR-8, defendiam a concepção etapista da revolução brasileira, onde caberia alianças com organizações burguesas.

Também vimos que nenhuma das organizações conseguiu cumprir na prática as táticas presentes nos livros e manuais da guerrilha cubana ou da guerra popular de Mao-Tse-Tung. A ALN, PCBR e MR-8 acabaram ficando somente na guerrilha urbana e nos sequestros e nunca conseguiram instaurar nenhum foco no campo, na zona rural; o PC do B, acabou na prática, instaurando na “Guerrilha do Araguaia”, a tática de um “foco” guerrilheiro, sem nunca chegar a uma guerra popular prolongada para destruir a ditadura militar.

O saldo das ações guerrilheiras isoladas das massas foi o assassinato e massacre de jovens militantes pelo Exército e forças armadas, como vimos no Araguaia e nas grandes cidades como RJ, SP e outras capitais. O erro fatal dessas organizações foi transportar simplesmente o método de fazer guerrilhas sem avaliar profundamente as condições objetivas. No caso da China de Mao-Tse-Tung houve uma combinação de ascenso camponês e popular contra a invasão japonesa, que empurrou e animou a luta contra a burguesia chinesa encabeçada por Chiang-Kai-Chek, que depois da guerra contra a invasão japonesa tentou dizimar o movimento revolucionário; na “Grande Marcha”, o exército vermelho de Mao-Tse-Tung, praticamente havia sido exterminado nos combates, pela fome, chegando ao final apenas dez mil combatentes, dos cem mil. No caso de Cuba, Fidel Castro e Che Guevara admitiram que quando desceram a Sierra Maestra não passavam de um punhado de vinte combatentes; foi graças à insurreição operária e popular nas cidades que eles puderam entrar em Havana com moral e como a única força política reconhecida ao regime do ditador Batista.

Na América Latina, inclusive, o impacto da revolução cubana foi tão forte que levou muitas organizações por fora do stalinismo, como foi o caso de corrente trotsquistas ligadas ao Secretariado Unificado (SU), dirigidas por Ernest Mandel a capitularem ao método do foco guerrilheiro[9], levando toda uma geração à morte e à desmoralização, ao se alistarem nos diversos grupos guerrilheiros que se formaram nos diversos países da América Latina, como Peru, Colômbia, dentre outros.

 

NOTAS:

[1] . Raimundo Santos. Crise e Pensamento Moderno no PCB dos anos 50. In: João Quartim de Moraes e Daniel Aarão Reis (Orgs.). História do Marxismo no Brasil, Vol I, O impacto das Revoluções, 2ª edição revista, Campinas: SP, Editora da Unicamp, 2003, pp 234.

[2] . Jean Rodrigues Sales. Partido Comunista do Brasil: definições ideológicas e trajetória política. In: História do Marxismo no Brasil, Vol 6, Partidos e Movimentos após os anos 1960, 1ª edição, Campinas: SP, Editora da Unicamp, 2007, p. 67.

[3] . Idem ibidem, p. 69

[4] . Idem ibidem, p. 75.

[5] . Idem ibidem. Parte II, O Caminho da Luta Armada, item 1.

[6] . Carlos Aberto Barão. A Influência da Revolução Cubana Sobre a esquerda brasileira nos anos 60, pp 290-291. In: MORAES, João Quartim de e REIS FILHO, Daniel Aarão. História do Marxismo no Brasil, vol. 1, O impacto das revoluções, 2ª ed. Revista, Campinas: SP, 2003,

[7] . Marcelo Ridenti. Esquerdas Armadas Urbanas: 1964-1974. Pp.112-116. In: RIDENTI, Marcelo, REIS, Daniel Aarão. História do Marxismo No Brasil, vol.6, Partidos e Movimentos Após os Anos de 1960. Campinas: SP, Editora da Unicamp, 2007.

[8] . Carlos Aberto Barão, obra citada, pp.  273-275.

[9] . Nahuel Moreno, Eugenio Greco e Alberto Franceschi, Tesis sobre el Guerrillerismo, 1973. In: https://www.marxists.org/espanol/moreno/guerriller; acesso em 18/02/23.

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