Lei “ônibus”: outro ataque brutal contra o povo trabalhador
Por Juan Carlos Giordano, deputado argentino eleito da Izquierda Socialista/ FIT Unidad
Milei enviou ao Congresso a “Lei de Bases e Pontos de Partida para a Liberdade dos Argentinos”. Tal lei declara “emergência pública em questões econômicas, financeiras, fiscais, previdenciárias, de segurança, de defesa, tarifárias, energéticas, de saúde, administrativas e sociais até 31 de dezembro de 2025”. E delega poderes legislativos ao Executivo por, pelo menos, dois anos. Ou seja, permite ao Executivo governar por decreto. Um novo ataque ditatorial para viabilizar as privatizações, contra as aposentadorias e o meio-ambiente e usando mão pesada sobre quem luta.
Essa lei “ônibus” viola os direitos fundamentais do povo trabalhador, privatiza as empresas estatais, elimina os organismos estatais com as consequentes demissões de pessoal; ataca os aposentados, o direito fundamental ao ensino público gratuito em todos os níveis e a autonomia universitária; dá liberdade para continuar com a pilhagem poluente, permitindo a derrubada de florestas e a mineração na zona periglacial; e, fundamentalmente, elimina as restrições para continuar com o endividamento externo. Um claro ataque ao povo trabalhador e às conquistas sociais e democráticas alcançadas em décadas de luta, que se soma ao ajuste em curso, à inflação e ao novo salto que se avizinha com o aumento do transporte público e das tarifas dos serviços básicos de eletricidade, gás e água.
Em 664 artigos, o projeto reacionário e arbitrário diz erroneamente que visa “garantir o direito à vida, à liberdade e à propriedade dos argentinos e melhorar os benefícios da liberdade para todos os habitantes do solo argentino”. Mas o único direito à liberdade e à propriedade que ele garante é o dos grandes empresários, bancos e multinacionais, que ficam com tudo!
Quando Milei fala em acabar com as “regulamentações que restringem a liberdade dos argentinos”, é em benefício da classe capitalista, removendo os obstáculos mínimos para que possam avançar em seus saques.
Por exemplo, o mega-projeto suspende a mobilidade das aposentadorias, cabendo agora ao Executivo fixar os reajustes, que serão decrescentes. Além disso, não diz como serão reajustados os benefícios sociais, que auxiliam mais de 17 milhões de pessoas (AUH, Abono Família, etc.), deixando-o a critério do ultra-direitista Milei.
A lei prevê a privatização de 41 empresas públicas, incluindo YPF, Aerolíneas, Banco Nación, Aysa, Casa de Moneda, Correo Argentino, Arsat, Enarsa, Fabricaciones Militares, Ferrocarriles Argentinos, Télam e outras. Prevê também a maquiagem fiscal e uma moratória, com reduções e eliminação de multas para empresas com dívidas tributárias, um claro benefício aos grandes empresários e sonegadores. E, com a questão da Dívida Externa, Milei pretende evitar o escrutínio do Congresso ao assumir novas dívidas. Para isso, tem como ministro Luis Caputo, que nos endividou quando era funcionário de Macri com títulos de 100 anos e o empréstimo de 45 bilhões de dólares com o FMI.
Ao mesmo tempo, a lei libera a importação e exportação de hidrocarbonetos e gás; cria um regime especial para “grandes investimentos” (agronegócio, mineração, gás, petróleo e tecnologia) e estabelece tarifas e pedágios como único financiamento de obras públicas.
Por outro lado, a lei destrói ainda mais o meio ambiente, porque ataca diretamente a Lei de Proteção Florestal (todas as florestas argentinas podem ser desmatadas) e a Lei das Geleiras (permitindo a atividade de mineração em ambiente periglacial, atualmente proibida, a serviço da Barrick).
Com o mentiroso slogan de “garantir a livre circulação”, além de impor a autorização das autoridades para a realização de protestos, criminaliza as mobilizações com pena de prisão comum de 1 a 3 anos e meio, os piquetes com penas de 2 a 4 anos e com penas de 2 a 5 anos os dirigentes das organizações que participarem ou qualquer pessoa que simplesmente convoque um protesto. Uma reunião ou manifestação é considerada uma congregação “intencional e temporária de 3 ou mais pessoas num espaço público”. Dessa forma, quem receber a pena máxima deverá cumprir prisão efetiva. Uma verdadeira caça aos líderes e organizações que lutam contra a fome e a miséria.
Por outro lado, em apoio expresso ao aparelho repressivo, agrava as penas do crime de resistência à autoridade (quem quiser defender-se dos abusos policiais será declarado culpado, não podendo ser libertado da prisão) e amplia o escopo da legítima defesa.
Como não poderia faltar, tal projeto nefasto inclui um ataque ao direito ao aborto legal, conquistado pelo movimento feminista nas ruas. Sob uma concepção totalmente retrógrada (por isso denunciamos Milei como representante da reação patriarcal), busca modificar a Lei dos 1000 dias (lei sancionada no âmbito da conquista do IVE, como concessão às igrejas), estabelecendo que há “uma criança desde a concepção”, retomando um debate já superado pela ciência e pelo que aconteceu na Argentina com a #MaréVerde. Além disso, como parte de sua concepção reacionária, tenta eliminar as dissidências como pessoas grávidas, substituindo a terminologia de “mulheres e pessoas com outras identidades de gênero com capacidade de gestar” por “mães grávidas”.
A lei também adicionou um artigo para proteger o mega DNU da semana passada, ratificando-o, algo que significa que, se o Congresso aprovar a lei, a controvérsia judicial sobre ela será anulada. Ao mesmo tempo, a lei prevê uma ampla reforma do Estado com alterações em centenas de leis, incluindo reformas políticas (revogação das PASO, mudança na composição da Câmara dos Deputados). Em suma, é um ataque global, que o governo tenta justificar com a “herança recebida”, com a mentira de que “não há dinheiro” ou com a suposta “ferocidade do Estado”, quando quase tudo está privatizado. Ele diz que a aplicação de tais medidas porá fim à “frustração” provocada pelos governos anteriores. Mas as medidas adotadas são tão brutais, somadas à mega-desvalorização do peso e à disparada dos preços provocadas com a adoção do lema “liberdade de mercado”, que o que cresce é a incerteza, a preocupação e a vontade de enfrentá-las por parte do povo trabalhador. Por isso, ocorreram os panelaços que, somadas à marcha do sindicalismo combativo e da esquerda do dia 20 de dezembro, deram um passo adiante na luta contra o protocolo repressivo de Patricia Bullrich.
A CGT não teve outra alternativa senão convocar uma marcha para o dia 27 de dezembro, mas limitada, “simbólica” e dirigida aos Tribunais. Marcha em que os/as que lutam e a Frente de Izquierda exigiram que a CGT e a CTA marcassem uma data urgente para a greve nacional e lançassem um plano de luta para derrotar o decreto, a lei “ônibus” e o plano motosserra de Milei e do FMI, lutando por um aumento imediato e geral dos salários e das aposentadorias para recuperar as perdas da inflação. Apelamos à ampla unidade para alcançá-lo.