Henry Kissinger: diplomata brilhante ou criminoso de guerra?
Por Adolfo Santos, (Esquerda Socialista, seção argentina da UIT-QI)
Em 29 de novembro último, morreu Henry Alfred Kissinger.Nascido na Alemanha em 1923, emigrou em 1938 para os Estados Unidos e se tornou, nos anos 70, uma das figuras mais influentes da política externa do principal país imperialista. Foi o mentor de guerras no Sudeste asiático e de ditaduras, particularmente na América Latina. Entre 1969 e 1977,
Kissinger atuou como secretário de Estado sob Richard Nixon e Gerald Ford. Como conselheiro de segurança nacional, cumpriu um papel preponderante na guerra do Vietnã. Com sua atuação, contribuiu para prolongar inutilmente essa guerra em que morreram centenas de milhares de soldados norteamericanos e de combatentes e civis vietnamitas.
Baseado na premissa de que o fim justifica os meios, não hesitou em passar por cima dos direitos humanos, retardando as negociações de paz e estendendo a guerra ao Laos e ao Camboja, com ações bélicas que resultaram em centenas de milhares de mortos e levaram a um processo de guerra civil e catástrofes humanitárias na região. Calcula-se que, apenas em 1970, ocorreram 500 operações aéreas no Laos por ordem de Kissinger. Também apoiou, na Indonésia, a repressão do general Suharto contra a população civil, e, no Estado espanhol, o regime de Franco até 1975, ano da morte do ditador.
No caso da América Latina, as políticas promovidas por Kissinger foram igualmente catastróficas e de alto custo para as populações. “Não podemos deixar que o Chile saia pelo esgoto”, disse em 1970 ao ser eleito Salvador Allende, passando em seguida a tramar o sangrento golpe de estado que, em 1973, levou ao poder Pinochet e instalou um dos regimes mais violentos e repressivos do continente. Com a mesma impunidade favoreceu, em 1976, o golpe militar responsável de 30000 mortos e desaparecidos na Argentina. Não obstante, em 1982, como fiel agente do imperialismo, não teve a mínima hesitação em apoiar a Inglaterra contra a Argentina durante a guerra das Malvinas.
“Kissinger não se incomodava com as ditaduras; na verdade gostava delas, se estavam do lado dos Estados Unidos e contribuíam para manter o comunismo fora da América Latina”, esclareceu recentemente Mario del Pero, do Instituto de Ciências Políticas de Paris, que o biografou.
Nesse contexto das ditaduras e ditadores que, sob a proteção ianque, atuavam em nossa região nos anos 70, Kissinger foi o artífice do Plano Condor, um esquema clandestino internacional de terrorismo de estado montado pelas ditaduras do Cone Sul. Seu objetivo era reprimir, torturar, matar e fazer desaparecer militantes e dirigentes políticos, estudantis, camponeses, sindicais e das organizações de esquerda que representassem um obstáculo aos planos do imperialismo.
As duas faces de um personagem sinistro
Apesar desse extenso currículo de atrocidades, pelas quais foi várias vezes acusado de crimes de guerra, Kissinger tornou-se, nos anos 70, uma figura popular nos Estados Unidos e através do mundo, aparecendo nas capas das revistas como um super homem, honrado por chefes de governo como intelectual brilhante e eclipsando com sua fama o próprio presidente Nixon.
É que coexistiam na mesma pessoa o articulador de golpes e invasões e a imagem de grande negociador diplomático. Em plena vigência da guerra fria, foi o artífice da distensão com a União Soviética e da aproximação entre Washington e Pekin. Para além de suas inclinações bélicas, primava o olfato para os negócios que trouxessem vantagens para o imperialismo ianque. Essa política lhe valeu a amizade e o reconhecimento, tanto da ditadura chinesa encabeçada por Xi Jinping quanto de Vladimir Putin, e não por acaso, após sua morte, a imprensa russa e a chinesa foram unânimes em elogiá-lo. Para o líder chinês, “morreu um velho amigo; para Putin, tratou-se de “um sábio e visionário estadista, que desfrutou de merecida autoridade em todo o mundo”. Putin não deixa de ter suas razões: em 2022, Kissinger propôs que a Ucrânia aceitasse o statu quo de 2014, ou seja, que renunciasse à península da Crimeia e parte do Donbass, anexadas pela Rússia, o que, obviamente, os ucranianos recusaram.
A reputação de Kissinger persistiu mesmo após a estrepitosa queda de seu chefe, o presidente Nixon, como consequência do escândalo de Watergate. Kissinger atuou no governo Ford e, com suas palestras e publicações, continuou a influenciar políticos capitalistas de todo o mundo. Entretanto, o rastro deixado por seus crimes não se havia apagado e se tornou mais visível quando da indicação do seu nome para o Prêmio Nobel da Paz, que dividiria com o norte-vietnamita Le Duc Tho pelos acordos de paz do Vietnã. Mas a hipocrisia era tanta que Le Duc Tho recusou o prêmio e dois membros da Comissão se demitiram em protesto pela sua concessão ao artífice de uma guerra que não havia acabado.
A auréola de diplomata brilhante de Kissinger já vinha sendo questionada antes da sua morte. Ultimamente, dedicava grande parte do seu tempo a refutar as críticas que recebia por sua atuação política internacional. Em recente entrevista concedida à rede CBS, ao lhe perguntarem como se sentia diante da acusação de ser um criminoso de guerra, defendeu-se dizendo que tais acusações seriam “um reflexo da ignorância”.
Com toda a certeza, os povos explorados do mundo não pensam o mesmo. Esses povos, bombardeados, invadidos e subjugados por regimes ditatoriais sob a sua orientação, teriam preferido ver Henry Kissinger respondendo por seus crimes no banco dos acusados.
A classe trabalhadora de todo o mundo em nada tem a lamentar a morte desse fiel representante do imperialismo. Afinal, ele mesmo se definiu de corpo inteiro numa de suas frases mais célebres, quando disse: “O que é ilegal fazemos imediatamente; o que é inconstitucional leva um pouco mais tempo”.