Pollo Sobrero: “Se Milei vencer por 300 mil votos, o que faremos?” | Um setor da esquerda está chamando o voto em Sergio Massa
Por Andres Miquel
Entrevista com Pollo Sobrero
Rubén “Pollo” Sobrero, da Izquierda Socialista [Esquerda Socialista], explica as razões para evitar o voto em branco numa eleição que, estima, será definida por uma margem estreita. “É um voto crítico”, diz ele.
“Chamo os companheiros que querem votar em branco à reflexão”, pede Rubén “Pollo” Sobrero. Ele, que foi candidato a governador da província de Buenos Aires pela Frente de Izquierda Unidad [Frente de Esquerda e dos Trabalhadores – Unidade] (FIT-U), chamou o voto em Sergio Massa no segundo turno. Assegura que votar nele não significa apoiá-lo e que “nunca se juntará” ao possível governo de unidade nacional, mas deixa claro que Javier Milei é um limite, porque pretende “um capitalismo que nos leve à barbárie”.
Segundo a análise do cenário do dia 19 de novembro feita pelo dirigente sindical, o confronto direto entre Milei e Massa se resolverá por uma pequena diferença de votos, de modo que a esquerda não deve se esquivar da disputa. Em nível nacional, a chapa encabeçada por Myriam Bregman e Nicolás Del Caño obteve quase 710 mil votos, dos quais 50% vieram da província de Buenos Aires. “Se Milei ganhar por 300 mil votos e votarmos em branco, o que faremos?”, alerta.
A posição foi tornada pública através de um comunicado assinado pela Izquierda Socialista, uma das quatro organizações – junto com o Partido de los Trabajadores Socialistas [Partidos dos Trabalhadores Socialistas], o Partido Obrero [Partido Operário] e o Movimiento Socialista de los Trabajadores [Movimento Socialista dos Trabalhadores] – que compõem a coligação FIT-U. Ao longo do documento, é repetido que não significa a mesma coisa expressar uma decisão estritamente eleitoral, como a adotada pela organização, e dar apoio político. Sustenta-se que se trata de um “voto crítico”, necessário nesta situação.
“Defendemos ‘Milei Não’. Nós, da Izquierda Socialista na FIT Unidad, também dizemos abertamente que vamos acompanhar os milhões que votaram em Massa apenas para tentar impedir a chegada de Milei ao governo”, diz o documento. “É um voto com o nariz tapado, que acompanha o movimento de milhares de pessoas, para tentar impedir que tenhamos um governo de extrema direita do facho Milei a partir de 10 de dezembro, como foi, por exemplo, o de Jair Bolsonaro no Brasil”, afirma.
– Por que os demais partidos que compõem a FIT não estão pedindo o voto em Massa?
– Com todo o respeito aos demais partidos, os três propõem o voto em branco, mas não vejo que isso esteja presente nas bases desses partidos. Respeitosamente, dizemos aos nossos companheiros que pretendem votar em branco que a percentagem de votos que obtivemos tornou-se decisiva. Até às 18h, votaremos em Massa. E, às 18h01, estaremos na oposição. É um voto crítico. Não vamos participar do governo nem da unidade nacional nem nada. Não há apoio. Então, qual é o problema de votar nele se você vai ser oposição de qualquer maneira?
– É importante que os dirigentes se pronunciem, mesmo que isso não implique transferência de votos?
-Sim. Porque nós, por exemplo, vencemos as eleições internas com quase 80%. A militância nos cobra, querendo saber qual é a nossa perspectiva. Conversamos muito e é isso, embora tenhamos certeza de que não somos donos de nenhum voto.
– Por que tal posição foi tornada pública nesse momento?
– Concordamos que, ganhe quem ganhe, um ajuste está por vir. Massa tem feito isso. Estamos escolhendo entre duas pessoas que não nos representam. Porém, uma delas propõe um indulto, algo muito grave. Nos últimos dias, houve uma reunião com Victoria Villarruel em Palomar e ela prometeu o indulto aos militares. Há um vídeo de Cecilia Pando explicando porque os militares devem receber o indulto: o próximo governo tem que fazer um ajuste brutal e enfrentar o povo nas ruas. Então, ela fala que o conjunto das Forças Armadas são necessárias e que, por isso, o indulto é importante.
– Que reunião?
– Foi em El Palomar e estavam presentes companheiros nossos. Eles sabem que os sindicatos podem não conter os trabalhadores, se as medidas que estão propondo forem aplicadas. Então, estão recrutando mão de obra. Na reunião, houve uma presença massiva de jovens soldados, que querem protagonismo; que estão ansiosos por marchar com a mão esquerda, como dizem. Se você tem Villarruel, que é fascista e vai usar as Forças Armadas para a repressão, já sabemos qual será o resultado.
– Qual será o resultado?
– A repressão física de toda a população que se oponha a qualquer reforma proposta por eles. Os direitos das mulheres vão retroceder e, quando elas protestarem, serão espancadas e colocadas na prisão. Certamente, muitos sindicalistas irão se acomodar, mas os trabalhadores não. Você sabe o que significa uma redução de 15% no PIB e quantos trabalhadores ficariam nas ruas? É um candidato que fala em venda de órgãos, em livre porte de armas. Não é como Menem, que afirmou que não poderia declarar suas medidas, porque não votaram nele. Os libertários querem privatizar as baleias, dizem que não há problema em poluir os rios. É uma loucura. É a política do salve-se quem puder. E pretendem aplicar um modelo como o dos Estados Unidos, em que se morre na porta do hospital porque não se pode pagar pelo acesso à saúde.
– Você está surpreso com o apoio à Milei?
– Devemos entender que Milei existe por causa dos péssimos governos dos últimos quarenta anos. Não há dúvida. Não são apenas os jovens e o mundo das redes que o apoiam. Milei tem ascendência em bairros populares. Uma amiga que não é exatamente uma gorila [reacionária] me disse: “Vou votar no Milei porque não apóio mais os peronistas, ainda existe estrada de terra e não há esgoto aqui em Merlo”. Essas situações produziram uma ruptura muito grande na sociedade. Então, alimentaram-na com uma política de ódio que hoje, inclusive, se vira até contra quem a gerou.
– Você acha que o acordo com Mauricio Macri será positivo para Milei?
– Há uma mistura entre eles. Milei não tem aparato para governar. Macri, por sua vez, teve claramente dois candidatos à presidência, e o seu favorito era Milei. Ele não apoiou de fato Patricia Bullrich durante a campanha. E por falar em Patricia, fiquei impressionado ao ver como alguém que ouviu de um rival a acusação de que plantou bombas e matou crianças não exigiu, no mínimo, um pedido público de desculpas. Vi Patrícia muito fraca. No final, algo que Milei disse é verdade: eles são Juntos pelo Cargo.
– O que implica esse apoio a Massa?
– Só isso. Ninguém vai ser membro do governo que tomar posse. Que fique claro: Massa não nos representa. Os ferroviários tiveram sérios problemas com o seu ministério, com 1800 punidos. Vamos enfrentar todas as políticas que prejudiquem o movimento operário. Não vamos aderir ao governo de unidade que ele defende ou algo parecido.
– Qual seria o significado de um governo Milei para os ferroviários?
-Já disse. Ele vai privatizar. Milei parte de uma premissa conceitual e ideológica que está errada: tudo que é privado é bom e tudo que é estatal é ruim. O pior acidente da história ferroviária argentina foi a tragédia de Once. Isso aconteceu sob gestão privada, mesmo diante do fato de termos apontado com antecedência os problemas. Por outro lado, no ano passado o transporte de cargas, que está todo nas mãos de empresas privadas, como a Belgrano Cargas e suas associações com Macri, teve 435 descarrilamentos em 365 dias do ano. Em dez anos de privatização houve mais acidentes do que em cem anos de ferrovias estatais.
– Funcionariam melhor nas mãos do Estado?
– As empresas não vão bem porque não são geridas pelos trabalhadores. A cada quatro anos chega um novo governo, com o seu pessoal. Ele enche as empresas com seus apoiadores de campanha e põe qualquer um nos cargos principais. Isso torna impossível um funcionamento correto.
– Podemos parar de subsidiar o transporte público ferroviário?
– Proponho fazer a discussão de forma séria. As empresas de carga têm que estar nas mãos do Estado ou não? Já tenho o estudo feito: se estatizarmos as linhas de carga, seriam obtidos os recursos para o transporte de passageiros. Vão aceitar isso? A discussão que tivemos com Massa foi sobre a contratação de terceirizados que, na época, levou à morte de Mariano Ferreyra.
Fonte: https://www.pagina12.com.ar/614180-pollo-sobrero-si-milei-gana-por-300-mil-votos-que-hacemos