NOVA CRISE POLÍTICA NO EQUADOR
Por Miguel Lamas, dirigente da UIT-QI
Sob a ameaça de impeachment, o presidente do Equador, Guillermo Lasso, dissolveu a Assembleia Nacional, na qual estava em minoria. Segundo a constituição equatoriana, a dissolução da Assembleia permite que Lasso continue governando por decreto durante seis meses e abre um processo eleitoral para a escolha de um novo presidente e uma nova Assembleia. Essas eleições nacionais se realizarão em fins de agosto próximo, com tomada de posse prevista para novembro deste ano.
Diferentemente das crises políticas ocorridas entre 2019 e 2022, que foram produto de grandes levantamentos populares, a crise atual resulta da oposição ao governo formada pelos seguidores de Correa e o movimento indigenista Pachakutek dentro da Assembleia Nacional, embora haja um grande descontentamento popular contra Lasso e apenas um ano após a rebelião popular contra o presidente.
Lasso pode apresentar-se às próximas eleições e pretende impor várias leis que estavam paralisadas na Assembleia Nacional, entre as quais a lei “antiterrorista”, que, a pretexto de combater o narcotráfico, é na realidade um dispositivo que dará mais atribuições ao exército e à polícia para reprimir futuros levantamentos populares.
Outras dessas leis são aquelas que, a pretexto de favorecer os investimentos, atacam os direitos trabalhistas, já tão reduzidos no Equador.
O governo de Lasso
O governo direitista ultraliberal e pró-imperialista do banqueiro Guillermo Lasso foi o vencedor das eleições presidenciais no Equador em 1921. Tendo obtido apenas 20 por cento dos votos no primeiro turno, contra os 32 por cento dos seguidores de Correa, alcançou vencer no segundo turno capitalizando a perda de prestígio do correísmo centro-esquerdista, prejudicado pela frustração popular acumulada no governo de Rafael Correa entre 2007 e 2017, que traiu as expectativas populares. Para chegar ao segundo turno, Lasso contou com a ajuda do Tribunal Eleitoral, que se negou a revisar o processo eleitoral nos vários lugares em que houve fraude a seu favor e com prejuízo para o candidato indigenista e ambientalista Yaku Pérez, também da oposição a Correa, que estava emparelhado com Lasso e poderia ter chegado ao segundo turno com chance de vitória.
No governo de Lasso, às ordens do FMI, aprofundou-se a crise econômica, com aumento dos preços dos produtos de primeira necessidade e o impacto causado em bosques e fontes de água pela atividade das multinacionais da mineração, saqueadoras e poluidoras do meio ambiente. A isto se acrescenta o abandono da saúde e da educação, pobreza e desemprego em aumento, precarização e informalidade do mercado de trabalho, salários de miséria em um país que deixou de ter moeda própria e onde os preços e salários são fixados em dólares. O quadro de aguda crise social se agrava com as máfias do narcotráfico e a violência que faz centenas de vítimas nas ruas e nas prisões.
Em junho do ano passado, um brutal aumento dos combustíveis desencadeou uma rebelião popular contra o governo, encabeçada pela organização indígena camponesa CONAIE (Confederação Nacional dos Indígenas do Equador), apoiada pela central operária FUT, os sindicatos docentes e o movimento Somos Água,a de Yaku Pérez. Nas ruas, os manifestantes pediam o afastamento de Lasso, mas a direção da CONAIE optou pela conciliação com o governo e, sem grande resultado para os grevistas, suspendeu a greve nacional que durou mais de 10 dias.
Hoje, o governo de Lasso está com apenas 15% de aprovação e seu partido foi derrotado em todas as eleições locais. A crise atual o torna ainda mais ilegítimo e abre mais uma oportunidade para a mobilização que leve à sua expulsão e abra caminho à satisfação das reivindicações populares. No entanto, não é esta a proposta das direções da CONAIE nem das direções sindicais. Tampouco é a das direções fiéis a Correa, embora considerando “inconstitucional” a dissolução da assembleia, porque de fato a acata e trata de aproveitar o processo eleitoral e o descrédito de Lasso para retornar ao poder sem propor mudanças de fundo.
O movimento Somos Água, de Yaku Pérez, que faz oposição a Lasso e é também contrário aos seguidores de Correa, anunciou a sua participação nas eleições de agosto.
As reivindicações de 2021 continuam válidas
As organizações que participaram da rebelião de 2021 exigiam a redução do preço dos combustíveis e alimentos, mas também o fim da pilhagem e da destruição da natureza pelas multinacionais da mineração, o fim das privatizações e moratória de um ano para a dívida das famílias; preços justos para os produtos agrícolas, mais empregos e direitos trabalhistas, aumento urgente das verbas para saúde e educação, livre acesso às universidades públicas, fim do pagamento da dívida externa. Também protestavam contra as leis repressivas. Todas essas reivindicações continuam sendo mantidas, como também a exigência do não pagamento da dívida externa e de expulsão das multinacionais, de nacionalização dos bancos, de ruptura com o FMI e de controle do comércio exterior para impedir a fuga de capitais.
A organização Somos Água tem esse nome porque sua reivindicação central é pela defesa dos rios e contra o seu envenenamento pela mineração, para que a água sirva ao cultivo dos camponeses.
Necessidade de uma alternativa de governo dos trabalhadores e indígenas
Desde 1997 o Equador vive em crise econômica e tem conhecido sucessivas rebeliões do povo indígena e dos trabalhadores, com a queda de governos em 1997, 2002 e 2005. Veio então o governo eleito de Rafael Correa, que durou mais de 10 anos e a princípio teve grande apoio popular, mas acabou traindo as esperanças populares, tal como fizeram outros governos de centro-esquerda. Em 2019, outro grande movimento de protesto obrigou o governo de Lenin Moreno, que antes havia sido o vice-presidente na gestão de Rafael Correa, a revogar o aumento dos combustíveis após 10 dias de ocupação de Quito pelo levantamento indígena. E em 2021 ocorreu a rebelião contra Lasso.
Para vencer e impor mudanças de fundo que solucionem o desastre econômico e melhorem a sorte do povo, é necessária desde logo uma alternativa eleitoral independente das organizações da classe trabalhadora, das organizações populares e indígenas, camponesas e estudantis, tanto da direita como do correísmo, o que se conseguiu parcialmente, em 2021, com a candidatura de Yaku Pérez. Mas, diante da prolongada crise, o que se necessita, mais do que eleições em agosto, é de unidade para lutar por soluções de fundo. Unidade das organizações operárias, populares, indígenas e estudantis para elaborar um programa comum de reivindicações e um plano econômico e de governo que permita a sua concretização. E, frente à dissolução da Assembleia Nacional, reconstruir organizações de poder que já são tradição no Equador, como o Parlamento dos Povos, formado por representantes das organizações indígenas, populares e operárias em momentos de crise política como em 2005 e 2019. Isto tem que ser construído desde a base, com a CONAIE, o FUT, a UNE, organizações estudantis e populares e também o movimento Somos Água, exigindo-se dos dirigentes que realizem essa unidade e convoquem o Parlamento dos Povos, para conquistar os poderes legislativo e executivo e conseguir as mudanças de fundo reclamadas nas lutas dos últimos 15 anos.