Greve no Metrô de São Paulo marca primeiro grande enfrentamento ao governo Tarcísio
Nós dias 23 e 24 de março ocorreu uma fortíssima greve dos metroviários de São Paulo, apontando o caminho para o conjunto da classe trabalhadora em termos de enfrentamento ao projeto privatista e antioperário do governador bolsonarista Tarcísio.
A greve, apesar da votação dividida que marcou a sua deflagração, foi fortíssima, com altissíma adesão e conseguiu um enorme apoio na opinião pública.
Para além do abono: o contexto que explica a greve
A categoria metroviária vem sofrendo nos últimos anos uma constante piora das condições de trabalho. Há sete anos atrás, tínhamos mais de 10500 trabalhadores na empresa. Agora somos pouco mais de 7 mil. Isso tem gerado uma enorme sobrecarga de trabalho em todas as áreas. Somado a esse fato, a empresa, durante a pandemia, se aproveitou para congelar e tentar retirar uma série de direitos. Além dos steps (progresões salariais), a empresa ficou três anos sem pagar a PR (participação nos resultados). No final de janeiro, nossa categoria começou uma intensa mobilização exigindo o pagamento dos steps atrasados e um abono compensatório pelos três anos sem PR. As mobilizações foram diversas (manifestações, retirada de uniforme, uso de colete e de botons, cartas abertas à população, “café com vizinho”, etc.). Em meio à campanha feita pela categoria, a empresa, no intuito de evitar uma greve, cedeu o pagamento dos steps atrasados, um a ser pago em fevereiro e outro em julho. Há que ressaltar, que os steps atingem somente a parcela da categoria com menos tempo na empresa. Porém, o problema do abono seguiu. Após reiterados “nãos”, onde a empresa dizia que “não havia dinheiro”para pagar o abono, e após duas reuniões de intermediação no TRT, onde a empresa reafirmou sua política, a categoria metroviária decidiu pela greve.
As diferenças na diretoria do Sindicato e a deflagração da greve
Na diretoria do Sindicato haviam duas visões: a primeira, representada pela presidenta do SIndicato Camila Lisboa do coletivo Chega de Sufoco, que é composto pela corrente Resistência/PSOL e independentes, dizia que não era hora de greve, e como em pouco mais de um mês estaríamos em campanha salarial, não podíamos “gastar o cartucho”agora. E outra visão, da qual compartilhamos, que as negociações estavam esgotadas e que a melhor maneira de nos preparar para a campanha salarial era deflagrar uma greve para garantir agora o abono. Essa posição teve o apoio além de nós da CST, do PSTU, MRT, Unidos pra Lutar. A oposição PCdoB e PT defendeu contra a deflagração da greve também. A assembleia que decidiu pela greve foi apertada, 51% a 45%, com uma diferença de 137 votos a favor.
Um exemplo de disciplina sindical
Apesar da avaliação sobre o momento da greve ter dividido opiniões na categoria, prevaleceu mais uma vez uma cultura muito enraizada nos metroviários de São Paulo que é a da disciplina sindical. Se a assembleia decidiu pela greve, todos devem fazer a greve. Praticamente a totalidade da categoria fez a greve. Não houve quase nenhum “furo”. Essa cultura é o que explica as conquistas que tivemos ao longo dos anos.
O desafio da catraca livre: categoria metroviária ganha o debate na opinião pública
Desde o início da greve fizemos o desafio público ao governo Tarcísio e a diretoria do Metrô, se autorizassem e garantissem que ninguém seria punido, faríamos uma “greve de catraca livre”enquanto durassem as negociações. A juíza que acompanhava as negociações já havia aceitado e liberado a possibilidade da abertura das catracas. Só faltava o governo Tarcísio. No início da manhã do primeiro dia de greve, o centro na mídia era o desafio que os metroviários haviam feito ao governo. Nesse momento, o plano de contingência da empresa tinha furado e a chefia não conseguiu abrir nenhuma estação. Frente a pressão da opinião pública, o governo decidiu que aceitaria abrir as catracas. A categoria, em menos de três horas, estava toda nos postos de trabalho e vídeos começaram a circular a internet dos metroviários nos seus postos dizendo que estavam prontos para trabalhar. Porém, a autorização do governo não veio. Tarcísio, após anunciar no seu Instagram que o metrô iria abrir com as catracas livres, recuou e pediu a um outro juíz que cancelasse a liminar que garantiu a abertura de catracas. Rapidamente, em mais um exemplo de organização, após orientação do Sindicato, nossa categoria abandonou na hora os postos de trabalho. Para a opinião pública, Tarcísio ficou como mentiroso e a nossa categoria venceu o debate contra o governo.
O fechamento da greve
No início do segundo dia de greve, após ver a opinião pública ao lado dos metroviários, Tarcísio e a direção do Metrô fizeram uma proposta de abono após semanas dizendo que esse dinheiro não existia. Uma proposta baixa, R$2.000,00, porém uma proposta. O próprio Ministério Público do Trabalho havia sugerido o valor de R$7.500,00. Na manhã do dia 24 nossa categoria fez uma nova assembleia para avaliar a proposta do governo e a possibilidade de continuar a greve. Mais uma vez houve debate e divisões de opinião na diretoria do Sindicato. Dessa vez, uma expressiva maioria, Chega de Sufoco e PSTU, orientaram por aceitar a proposta do governo e encerrar a greve e a minoria do sindicato (CST, Unidos e MRT), propuseram continuar a greve, apresentar uma contraproposta ao governo e fazer uma nova assembleia no final da tarde. A votação foi a mais apertada de todas: 21 votos de diferença pelo encerramento da greve em um universo de mais de 3 mil votantes. Acreditamos que essa votação foi uma importante expressão do descontentamento da categoria e que era possível esticar a greve ao menos durante a sexta-feira para tentar arrancar uma proposta melhor.
Conclusão: valeu a pena lutar e saímos mais fortes para a campanha salarial
A primeira pergunta que devemos nos fazer é: valeu a pena ter feito a greve? Nós não temos dúvidas que sim, apesar do baixo resultado econômico. Porém, o mais expressivo dessa greve foram sem dúvidas os desdobramentos políticos. O tema da catraca livre ganhou a opinião pública e nos coloca mais fortes para fazer essa proposta nas nossas próximas greves. Tarcísio ficou como mentiroso aos olhos de grande parte dos passageiros do Metrô e isso é muito positivo. Outras categorias também veem na greve dos metroviários e metroviárias que é possível lutar. Em uma conjuntura onde a situação econômica vai de mal a pior, podemos dizer que só com luta e mobilização a classe trabalhadora pode ter avanços. Durante dois dias marcamos a conjuntura da cidade e do estado de SP, além de ter nossa greve repercutido em todo o país. Apesar de acharmos que era possível continuar a greve para tentar arrancar uma nova proposta do governo e que a maioria da direção do sindicato errou nesse sentido, acreditamos que a categoria de conjunto mostrou sua força e entramos melhor na campanha salarial que começa agora no final de abril.