A crise deve ser paga pelo governo, pelos empresários e pelas transnacionais, não pelos trabalhadores

Por Partido Socialismo e Liberdade (PSL)

Trinta e quatro anos depois do Caracazo, as causas sociais que o motivaram ainda estão em vigor. As expectativas que existiam no chavismo afundaram em meio à fome, à destruição dos serviços públicos e aos salários miseráveis. A verdade é que o capitalismo continua com seus males, independentemente de serem os governos “adecos” e “copeyanos” no “puntofijismo” [1], ou os do falso socialismo chavista.

Hoje, os/as professores/as apontam o caminho da luta para todos/as os/as trabalhadores/as do país. Estamos unidos pela luta por um salário igual à cesta básica, indexado mensalmente, pois, em uma economia inflacionária, os salários devem ser reajustados de acordo com o aumento dos preços.

O ajuste capitalista de Maduro

O governo Maduro aplica um brutal pacote de ajuste capitalista, que descarrega as consequências da crise nos ombros dos pobres, trabalhadores e trabalhadoras, sujeitando-os a salários de fome (já se passou um ano desde o último aumento salarial, o único em 22 meses), com os serviços públicos destruídos pela redução dos gastos sociais, principalmente a infraestrutura, educação e saúde. Tudo isso com a conivência da burocracia sindical da Cbst, ASI, CTV, CGT e Fórum Cívico e a complacência de Fedecâmaras [2].

Através da aprovação em 2018 do Memorando 2792, como parte do ajuste que na época era chamado de “Programa de Recuperação, Crescimento e Prosperidade Econômica”, o governo Maduro permitiu que empresas estatais e privadas obtivessem grandes economias. Tais empresas passaram a pagar o (baixo) salário-mínimo oficial, complementado por bônus mensais calculados em dólares, mas quitados em bolívares à taxa de câmbio oficial, e sem a incidência de férias, serviços e benefícios sociais.

O pagamento discricionário, informal e arbitrário de bônus calculados em dólares tem permitido maior precarização do trabalho, intensificação da exploração e aumento do controle sobre a força de trabalho. E, inclusive, uma violação dos direitos democráticos da classe trabalhadora venezuelana, com a criação, nas empresas estatais e privadas, de regimes de avaliação do trabalho, que contemplam critérios como produtividade, assiduidade, confidencialidade e obediência.

Tudo isso foi complementado desde o ano passado com a aprovação da Instrução do Onapre, através da qual foram eliminados ou reduzidos sensivelmente os incentivos, bônus e outros benefícios estabelecidos em contratos coletivos, achatando ainda mais o salário das trabalhadoras e dos trabalhadores do setor público. O objetivo do governo é reduzir a inflação através da drástica redução do consumo do povo trabalhador.

O duplo discurso do governo

Quando dizemos que o governo descarrega a crise no povo, estamos nos referindo a coisas concretas. Crianças de uma escola em Güigüe, no estado de Carabobo, assistem aulas sentadas no chão, porque não têm carteiras. Hospitais – como o universitário de Caracas, que tem enfermarias em que poderiam ser internadas de 20 a 30 pessoas – estão vazios porque os leitos não têm colchões e os banheiros estão destruídos e sem água. Há comunidades em todo o país em que o gás não chega, que passam semanas sem água, em que o lixo não é recolhido ou em que os eletrodomésticos são danificados pelos apagões.

Enquanto o povo trabalhador sofre as consequências da crise criada pelo governo e pelos empresários, e paga as consequências do ajuste governamental capitalista, as empresas privadas se beneficiam com a abertura do mercado interno; com o aumento desproporcional das tarifas dos serviços públicos; com o Memorando 2792, que acabou com os acordos coletivos e facilitou a adoção de bônus no lugar de salários; com a dolarização da economia, os benefícios tarifários e a eliminação do pagamento do IVA nas importações; assim como com leis entreguistas, como a do Anti-Bloqueio e a das Zonas Econômicas Especiais, que buscam atrair investimentos estrangeiros.

O governo se recusa a aumentar os salários e as pensões, usando como argumento as sanções aplicadas pelos imperialismos norte-americano e europeu – sanções que repudiamos e que exigimos que sejam revogadas. Porém, em 2018, quando já estavam sendo aplicadas sanções financeiras ao país, Maduro vangloriou-se, e apresentou-o como um grande feito, de ter pago entre 2013 e 2017 perto de 72 mil milhões de dólares da dívida externa. Ou seja, ao mesmo sistema financeiro internacional que aplicava as sanções.

O duplo discurso do governo fica exposto quando vemos como seus dirigentes se exibem em luxuosas e blindadas caminhonetes, destinam milhões de dólares para promover a Série do Caribe [3] no país e inauguram um ostentoso estádio de beisebol em Caracas. Isso além de gastar enormes recursos na contratação de artistas internacionais, bem como em propaganda espalhando a falsa ideia de que “a Venezuela foi consertada”.

A proposta da ASI

No âmbito do chamado “diálogo social tripartite”, promovido pela OIT, a Aliança Sindical Independente (ASI) propôs um “auxílio emergencial” como complemento ao salário mínimo, de 50 dólares mensais durante um ano, para trabalhadores ativos, aposentados e pensionistas. Alguns “especialistas” e economistas pró-empresários logo se somaram ao coro em favor dos $ 50. Isso dizendo que não é viável equiparar o salário à cesta básica, argumentando que não há produção ou que seria inflacionário.

Com esta proposta, a ASI aprofunda a tendência patrocinada pelo governo – com a aprovação do Memorando 2792, que pôs fim às negociações coletivas, aos salários e ao direito de greve – de transformar salários em bônus, principalmente no setor privado.

A ASI propõe que os recursos para cobrir esse auxílio emergencial venham dos impostos que as trabalhadoras e os trabalhadores já pagam, bem como dos recursos e receitas do Estado venezuelano.

Limitam-se à fórmula já proposta pela Fedecâmaras de pagar 50 dólares. E não dizem uma palavra sobre os patrões, que exploram os trabalhadores e as trabalhadoras, e se beneficiam dos privilégios que o governo lhes concede. Ou seja, uma central sindical, em vez de chamar os trabalhadores para lutar e se mobilizar pelo que já está estabelecido na Constituição – um salário igual à cesta básica –, ajuda o governo e os empresários a saírem do atoleiro, revelando o verdadeiro caráter pró-empresarial desses supostos representantes dos trabalhadores.

A crise deve ser paga por quem tem mais

Nós, através da nossa corrente sindical C-cura e de nossos principais dirigentes operários, Orlando Chirino e José Bodas, temos dito que a equação deve ser invertida. As trabalhadoras, os trabalhadores e o povo não devem pagar as consequências da crise. Quem tem que pagar pela crise é quem tem mais.

Aqui tudo é dolarizado, menos salários e pensões. Qualquer procedimento é calculado em dólares. O preço da comida está nas alturas, enquanto o salário-mínimo hoje é de menos de $ 6. Quem pode viver com essa miséria!?

Mas a tragédia social que vivemos hoje não se limita aos salários das trabalhadoras e dos trabalhadores. Todo o povo das comunidades urbanas e rurais, os jovens, as mulheres e as crianças sofrem com a crise e o pacote de ajuste. A educação, a saúde e os serviços estão deteriorados, além de seus preços aumentarem constantemente, e o transporte é péssimo.

A luta por um salário igual à cesta básica está intimamente ligada à luta pela imposição de um Plano Operário e Popular Emergencial, uma alternativa ao pacote aplicado pelo governo. Um plano global que dê resposta a todos os graves problemas que enfrentamos. Que seja financiado com recursos que saiam do bolso de quem mais tem: empresários, banqueiros e transnacionais.

As medidas que propomos para este plano são:

Salários

Salários e pensões iguais à cesta básica, indexados mensalmente. Que os bônus sejam salário! Eliminação do IVA e do IGTF! Não à lei de emergência salarial! Não ao aumento das tarifas dos serviços públicos e dos pedágios! Não à cobrança em dólares do serviço de coleta de resíduos sólidos de Fospuca! Exigimos a revogação do Memorando 2792 e da Instrução do Onapre.

Emprego

Plano nacional de infra-estrutura e obras públicas, que gere genuínos empregos.

Fundo Social e Econômico de Emergência: de onde virão os recursos para o plano?

Ao contrário da ASI, que alivia o fardo dos empresários e propõe apenas um bônus de $ 50 por ano, defendemos um imposto progressivo para grandes empresas, banqueiros e transnacionais. Que os empresários e novos-ricos do governo paguem pela crise!

Não ao pagamento da dívida externa. Suspensão dos gastos militares e com as polícias. Confisco dos bens dos corruptos.

Repatriação do dinheiro confiscado no sistema financeiro internacional. Pelo fim das sanções imperialistas!

Petróleo 100% estatal, sem transnacionais ou empresas mistas.

Liberdades democráticas

Chega de criminalização do protesto. Protestar não é crime, é um direito. Liberdade para os/as trabalhadores/as presos/as. Condenamos a restrição das liberdades democráticas e dos direitos políticos. Respeito à autonomia e liberdade sindical. Pelo direito de greve.

Notas:

[1] Referência ao Pacto de Punto Fijo, um acordo político firmado em 31 de outubro de 1958 entre os três principais partidos políticos burguêses da Venezuela à época: a Ação Democrática (AD), o Comitê de Organização Política Eleitoral Independente (COPEI) e a União Republicana Democrática (URD). O propósito do acordo era assegurar a estabilidade política do país após a derrocada do governo ditatorial do general Marcos Pérez Jiménez. As palavras “adecos” e “copeyanos” são referências respectivamente aos partidos AD e COPEI, que participaram do Pacto e governaram o país durante a sua vigência.

[2] Federação de Câmaras e Associações de Comércio e Produção da Venezuela, principal entidade representativa dos empresários do país.

[3] Competição anual profissional de clubes de beisebol, organizada pela Confederação de Beisebol Profissional do Caribe (CBPC).

 


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