A SITUAÇÃO NO PERU: ENTREVISTA COM MIGUEL SORANS
A entrevista que a seguir reproduzimos é uma contribuição da Unidade Internacional de Trabalhadoras e Trabalhadores-Quarta Internacional para a análise da atual luta do povo peruano, como parte da nossa solidariedade internacional com essa luta. Neste sentido, dialogamos com Miguel Sorans, dirigente da Esquerda Socialista e da UIT-QI, sobre a situação no Peru e suas perspectivas.
Miguel Sorans foi entrevistado por Rosario Tamini, da juventude da Esquerda Socialista, integrante da FIT-U e seção da UIT-QI na Argentina.
RT – Miguel, como você encara a situação da luta no Peru?
MS – Em primeiro lugar, cabe dizer que a rebelião popular-camponesa peruana é um alto momento das lutas que estão acontecendo no mundo, comparável à luta das mulheres e dos povos do Irã.
Desde dezembro, não cessa a mobilização revolucionária que exige o fim do governo criminoso de Dina Boluarte e do corrupto Parlamento da direita. O país está paralisado de fato, principalmente no sul, por marchas regionais e inúmeras greves, além do bloqueio de estradas e aeroportos, sem que, no entanto, tenha sido declarada formalmente uma greve geral.
Tudo isto ocorre apesar da brutal repressão policial, que já deixou mais de 60 mortos e centenas de feridos. Na quinta-feira 19 de janeiro realizou-se, combinada com uma greve geral convocada pelas centrais sindicais, a grande Marcha de los Cuatro Suyos (as quatro grandes divisões territoriais do Império Inca, NT), que levou a Lima gente de todas as regiões do país, numa repetição da marcha que levou à queda da ditadura de Fujimori no ano 2000.
A Marcha foi multitudinária, apesar da repressão e do incêndio mal esclarecido de um prédio histórico que teve grande repercussão na mídia, sendo certo, no entanto, que não foi obra dos manifestantes.
A feroz repressão não conseguiu deter a luta. Continuam a chegar a Lima delegações do interior do país, ao mesmo tempo em que prosseguem as ações em cidades como Cuzco, Arequipa, Ayacucho e Puno. A rebelião não está disposta a ceder enquanto permanecer Dina Boluarte e até que seja revogado o estado de emergência, castigados os assassinos e convocada uma Assembléia constituinte.
A rebelião se explica por um desastre social e político que já leva muitos anos. O Peru é um país de 33 milhões de habitantes onde 70 por cento da população ativa vive do trabalho precário ou informal e 20 por cento da população está abaixo da linha de pobreza.
Um país onde os cinco últimos presidentes foram destituídos por corrupção e por governarem para os ricos, as multinacionais, as mineradoras e o agronegócio.
A rebelião também se explica pelo fracasso do governo de Pedro Castillo, que chegou ao poder em 2021 pelo voto maciço da população explorada do sul do país, apresentando-se como de esquerda e prometendo nacionalizar o gás e convocar uma constituinte. Como todos os falsos governos de esquerda latino-americanos, não cumpriu nada do que prometeu. Ao contrário, continuou confiando nos pactos com a oligarquia peruana e as multinacionais, que agravaram a miséria e a desigualdade social.
Desgastado diante dos setores populares, Castillo tentou a dissolução do Congresso mas saiu-se mal, sendo detido e obrigado a deixar o cargo para a vice-presidente Dina Boluarte, outra falsa esquerdista e aliada da direita.
Porém, apesar da insatisfação com Castillo, as massas populares não querem o governo intempestivo de Boluarte, unida com a direita e o parlamento corrupto, com apoio da polícia e das FFAA. Por tudo isto é que se desencadeou a rebelião no Peru. O povo trabalhador e os camponeses tomaram as ruas porque estão cansados da pobreza do capitalismo e querem mudanças de fundo.
RT – O que tem feito a UIT-QI e quais as suas propostas para o Peru?
MS – O Partido das Trabalhadores e Trabalhadores-Uníos (PT-Uníos), nosso partido no Peru, tem participado das mobilizações desde o momento inicial, notadamente em Lima, Cuzco, Ayacucho e Puno, com nosso dirigente histórico Enrique Fernández Chacón. Em Cuzco, integramos a coordenação regional do movimento e em Lima atuamos com a companheira Angélica Liliana Mayhuasca, dirigente sindical dos trabalhadores da saúde no hospital de San Juan de Lurigancho.
Somos parte dessa mobilização, cuja palavra de ordem central é Fora Dina Boluarte! O PT-Uníos entende que a vitória é possível e que além de derrubar o governo é preciso acabar com o parlamento corrupto da direita. Queremos que saiam todos e se convoquem eleições para uma Assembléia Constituinte livre e soberana, cuja pauta seja uma nova constituição a serviço dos trabalhadores e camponeses.
Afirmamos que devem governar os que nunca governaram. Um governo das organizações em luta, como os comitês de greve, as frentes de defesa, coordenações regionais, sindicatos combativos e qualquer outro organismo que venha a ser criado.
Esta palavra de ordem é chave, porque a queda de Boluarte será uma primeira vitória. Mas não haverá uma solução de fundo para a classe trabalhadora, os camponeses e a juventude se não se acaba com o sistema capitalista imposto pelo imperialismo, as multinacionais e a oligarquia peruana. Para isto, é necessário um governo da classe trabalhadora e dos camponeses.
Precisamos de um plano econômico operário e popular que imponha medidas de fundo, tais como a nacionalização do gás, da mineração e o fim dos pagamentos da dívida externa. Só assim haverá recursos para salário, trabalho, educação moradia e saúde para o povo peruano.
RT – Diante do governo criminoso de Boluarte no Peru e os acontecimentos recentes provocados no Brasil pelos bolsonaristas pode-se dizer que há um avanço da ultradireita na América Latina? Qual a sua opinião?
MS – É um fato que, com o desastre do capitalismo e o fracasso dos governos liberais ou de centro-esquerda, crescem correntes de ultradireita que se aproveitam da situação e confundem os setores populares encolerizados. São os Bolsonaro, os Trump, Milei na Argentina, Vox na Espanha, Le Pen na França ou Georgia Meloni na Itália. Mas, por outro lado, o que sobretudo vemos crescer na América Latina e no mundo são as rebeliões populares contra os governos patronais que praticam o ajuste econômico e reprimem os povos a serviço das multinacionais e do FMI. No ano passado, houve a grande rebelião popular no Sri Lanka. No Irã, as mulheres e o povo ocupam as ruas contra a ditadura teocrática. Na França, uma greve geral com 1.200.000 pessoas nas ruas contesta o projeto de reforma previdenciária de Macron. Em Portugal os professores estão em greve desde dezembro, na Inglaterra também está havendo uma onda de greves. Na América Latina, houve uma greve no Panamá, uma rebelião popular no Haiti, as greves bem sucedidas das fábricas de pneus e dos professores e médicos na Argentina. Também na Venezuela têm lugar as importantes greves dos trabalhadores docentes e funcionários públicos. No Peru assumiu um governo repressor, mas existe uma extraordinária rebelião popular e camponesa que não reconhece o governo, exige a sua saída e não recua diante da repressão.
No Brasil, o bolsonarismo partiu para uma falida exigência de intervenção militar contra o governo de Lula. Mas fracassou essa tentativa, motivada pela derrota nas eleições depois de 4 anos de governo do neofascista Bolsonaro. Tratou-se, portanto, de uma ação reacionária no marco de uma derrota política e eleitoral.
Não podemos minimizar esses setores neofascistas, que cresceram e ameaçam os direitos democráticos, as mulheres e a classe trabalhadora. A única alternativa para derrotar definitivamente esses projetos ultrarreacionários é continuar impulsionando a mobilização da classe trabalhadora e dos povos, como ocorre no Peru, na França e no Irã. E construir uma alternativa política independente operária e socialista, no Peru como no Brasil, Irã ou Argentina. É o que estamos fazendo com a Esquerda Socialista e o FITU.
RT – Para terminar, quais são as perspectivas e tarefas colocadas pela luta do povo peruano?
MS – Tudo indica que o governo de Boluarte não conseguiu dobrar o movimento. Ao contrário, a repressão levou à radicalização do movimento popular a camponês.
No PT-Uníos e na UIT-QI achamos que a mobilização em Lima y no resto do país tem que continuar avançando e que é necessário preparar uma verdadeira greve geral.
O ponto fraco da mobilização é ainda, sem dúvida, a falta de uma direção de luta clara e unificada em todo o país. Por isto, o PT-Uníos insiste na necessidade de uma Coordenação nacional que ainda está por surgir. Positivamente, crescem e se consolidam Coordenações regionais, como em Cuzco, além dos comitês de greve e frentes de defesa do movimento. Mas é importante convocar a um evento nacional das organizações regionais em luta para debater um plano de luta unificado e constituir um organismo nacional de coordenação.
Muito importante também é reforçar a solidariedade internacional com ações diante das embaixadas ou consulados e a realização de atos públicos de apoio ao povo peruano com os residentes peruanos de cada país, exigindo a ruptura de relações e o não reconhecimento do governo assassino de Dina Boluarte.
Na Argentina, a Esquerda Socialista e o FITU estão impulsionando essas ações unitárias, como foi o ato realizado em Buenos Aires diante da reunião da CELAC, a Comunidade dos Estados Latino-americanos e Caribenhos.
Na UIT-QI, continuamos chamando a esquerda, as organizações de direitos humanos, as organizações sindicais, estudantis, ambientais e de mulheres a realizarem ações unificadas na América Latina e em todo o mundo.
Nesta via de solidariedade internacionalista ajudaremos o povo trabalhador e os camponeses peruanos a triunfar em sua heroica luta.
Peru: Todo apoio e solidariedade às mobilizações das e dos trabalhadores e camponeses!