TEXTO 2: Os debates na II Internacional – O socialista Millerand entra em um governo Burguês
Por João Santiago, Coordenador do Sintsep/PA
A II Internacional fora fundada em Paris, em julho de 1889. Depois, vieram os Congressos de Bruxelas (1891), Zurique (1893) e Londres (1896). Entre a maioria das organizações que participavam, havia certa unidade em torno do programa, da luta contra as guerras imperialistas e da luta contra política contra a burguesia.
Entretanto, em 24 de junho de 1899, o deputado socialista francês, Alexandre Millerand, foi nomeado Ministro do Comércio, da Indústria e dos Correios e Telégrafos no governo burguês de Waldeck-Rousseau. Junto com ele, foi nomeado Ministro da Guerra o general Galliffet, o “açougueiro” da Comuna de Paris (1871), como o chamou um dos dirigentes do Partido Socialista francês, Vaillant, contrário à participação no governo. Esse fato inédito, embora localizado em um país, marca o início da participação dos reformistas em governos burgueses.
5º Congresso da II Internacional: Kaustky defende a entrada de Millerand no governo
O 5º Congresso, realizado em Paris, em setembro de 1900, é chamado para debater esse tema. Segundo Edgar Carone, o Congresso se dividiu em duas alas: os radicais, contrários à participação no governo, tendo à frente Jules Guesde, do Partido Operário Francês, apoiado por Enrico Ferri; e os reformistas, encabeçados por Jean Jaures, da ala dos socialistas independentes, apoiado por Bauer e outros da Social-Democracia alemã. O argumento central da ala direita, representada por Jean Jaures, Millerand, Briand e Viviani, para justificar a entrada no governo burguês de Waldeck-Rousseau se resumia no seguinte: “é preciso salvar a República!”. A mesma III República que foi pavimentada com o sangue de 30 mil combatentes da Comuna de Paris, em maio de 1871, fuzilados pelo mesmo general Galliffet, que também compunha o governo.
Porém, a resolução propondo a entrada em governos burgueses sob certas circunstâncias, em casos “excepcionais”, foi redigida e defendida por Karl Kaustsky. Segundo Kautsky, “A entrada de um socialista isolado em um governo burguês não pode ser considerada como o começo normal da conquista do poder político, mas sim como um expediente forçado, transitório e excepcional. Se, num caso particular, a situação política necessita esta experiência perigosa, isto é uma questão de tática e não de princípio”. Os socialistas radicais (Enrico Ferri, Jules Guesde e Edouard Vaillant), que eram minoria no Congresso, argumentavam que “a moção Kautsky — a vencedora — afirma que tudo é proibido em princípio, mas que tudo é permitido na prática”. E enfatizavam a questão da luta de classes: “mesmo em países em que o socialismo cresce de forma inquietante para a burguesia, não há mudança na divisão fundamental, a da classe dominante e das dominadas”. No final, a proposta conciliatória de Kautsky foi aprovada por 29 votos contra 9 votos para a proposta de Guesde-Ferri.
Rosa Luxemburgo e a crítica aos ministerialistas
No seio da II Internacional, Rosa Luxemburgo polemizou com os reformistas franceses – assim como já vinha fazendo com o revisionismo de Bernstein no interior da Social-Democracia alemã. No texto “O Caso Drayfus e o caso Millerand – Resposta a uma consulta Internacional” (nov/1899), já manifestava uma posição inicial contrária ao caso francês, e nos artigos para o jornal Neue Zeit (Novo Tempo), da Social-Democracia alemã, intitulados “A crise socialista na França”, Rosa Luxemburgo expressou firmemente sua contrariedade à entrada de Millerand num governo da burguesia. O fato que divide a política socialista da política burguesa, segundo Rosa, é que os socialistas se opõem a toda a ordem existente e devem atuar, no parlamento e fora dele, na qualidade de oposição à ordem burguesa. Quando Millerand entrou no Ministério, a ala de Jaurés abandonou a oposição sistemática ao Partido da Ordem.
Isso se refletiu no próprio jornal da ala direita dos socialistas, “Petit Republique”, editado por Jean Jaurés, onde, desde que Milllerand assumiu o Ministério, deixou-se de fazer críticas ao governo Waldeck-Rousseau. Essa é, para Rosa Luxemburgo, a primeira consequência da participação de um socialista em um gabinete de coalizão com a burguesia: é o fim das mais importantes atividades socialistas, quais sejam, a ação política e conscientização das massas. E, mesmo que façam algumas críticas são obrigados a optar pelo “mal menor”, são obrigados a defender o governo com seus votos no parlamento. A segunda consequência é que o cargo de ministro de Millerand transforma a crítica de seus amigos socialistas na Câmara “em discursos para os dias de festa”, carentes de toda política prática contra o governo. Por fim, diz Rosa, a tática de pressionar os partidos burgueses para que avancem, se mostra, em última instância, um sonho sem conteúdo. Desse modo, a Social-Democracia dentro de um governo burguês é chamada a “limpar periodicamente a sujeira política acumulada pela grande burguesia para que a reação burguesa possa continuar uma existência normal em sua forma republicana”.
Esse episódio gerou uma desmoralização do movimento socialista na França por anos, a tal ponto que o próprio Jean Jaurés teve que pedir a expulsão de Millerand do Partido Socialista, três anos depois, por desfigurar completamente a imagem do partido no país. A burguesia havia alcançado o seu objetivo, que era a desmoralização política dos socialistas, ao colocá-los em um ministério. Essa história termina com Millerand ocupando cargos em todos os governos seguintes e sendo eleito presidente da França no período de setembro de 1920 a junho de 1924. Uma experiência trágica, que deve nos alertar para combater qualquer aliança com a burguesia e lutar contra os governos de frente popular, que servem aos nossos inimigos de classe.
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