Sobre o programa de governo de Leonardo Péricles (UP)
M.Tunes, Coordenação da CST
Após os prazos legais das convenções eleitorais, estamos diante de 3 candidaturas à esquerda da frente ampla Lula/Alckmin. A CST defendeu uma Frente de Esquerda e Socialista, mas essa proposta unitária não foi aceita. Como parte desse esforço por unificar a esquerda, entrevistamos camaradas como Sofia Manzano, Leonardo Péricles, Glauber Braga, Zé Maria, dentre outros. O campo das oposições do PSOL, integrado por MES, APS, COMUNA e Glauber terminou apoiando a frente ampla. PCB e UP optaram por fortalecer seus próprios projetos. Infelizmente, primou a dispersão nas eleições. A CST integra o Polo Socialista Revolucionário que lançou Vera Lucia a presidência.
Na edição passada, comentamos o programa do PCB (CS 157). Agora, vamos dialogar sobre o programa de governo da UP. O documento de 12 páginas “é derivado do debate em torno do programa nacional do Partido Unidade Popular”. A seguir, apresentamos nossa crítica aos erros e limitações dessa proposta. O texto inicia com as “Propostas Emergenciais de Governo”, tratando de temas como a dívida e plebiscito revogatório.
O que fazer com a dívida externa e interna?
Os camaradas propõem a “Suspensão imediata do pagamento de juros e amortização da dívida pública, seguido de processo público de auditoria”. A ideia é canalizar os recursos para “frentes de trabalho” e “auxílio emergencial”, medidas com as quais concordamos. Porém, temos que responder a uma pergunta: o que vem depois da auditoria? A suspensão do pagamento é temporária, dura o tempo “da auditoria”. Podemos provar que a maioria dos contratos são fraudulentos. Mas isso nos levaria a uma renegociação da dívida, aceitando uma parte “legal” que continuaria sendo paga. Um exemplo foi o governo burguês de Rafael Correa, no Equador, que realizou uma auditoria e renegociação, cancelando 70% dos contratos em 2009. Em pouco tempo, a dívida voltou a crescer e novamente é um problema central do país. Isso também ocorreu em outros países. A experiência comprova que essa proposta é insuficiente. Após um pequeno fôlego, as engrenagens do sistema capitalista-imperialista levam a uma nova explosão da dívida. Por outro lado, não podemos aceitar a lógica de uma parte “ilegal”, que deve ser cancelada, e outra parte “legal”, que deve ser paga. Isso significa seguir bancando a farra dos bancos, empresas nacionais e multinacionais. A dívida é em si ilegal, ilegítima e impagável. Devemos impor o não pagamento da dívida pública, medida central de um programa emergencial. Mas o programa de governo da UP não prevê isso. É preocupante que nas candidaturas estaduais, como no RJ, “as propostas da UP para mudar o Rio de Janeiro” contemplam apenas “Auditoria da dívida estadual”. Isso é um erro. Não podemos seguir pagando as dívidas estaduais.
Como revogar as contrarreformas?
Os camaradas defendem “Referendo revogatório” para rever as contrarreformas. Em nossa visão seria equivocado nos lançar na aprovação de um “referendo revogatório” para, em seguida, ter um plebiscito sobre “revogar” ou não as “contrarreformas”. Ou seja, sair da eleição para nos envolver nos trâmites do parlamento, visando um plebiscito. De votação em votação, perdemos o foco, que deveria ser a defesa do salário e contra os patrões, combinada a auto-organização operária e popular para enfrentar o covil de bandidos do Congresso Nacional. Desse modo, impor nas ruas as nossas propostas e a revogação de todas as medidas antipopulares. Em junho de 2013, a pressão das ruas impôs a redução das passagens em mais de 100 cidades de quase todos os estados, paralisou a tramitação do projeto do pastor Feliciano contra a população LGBTQIA+ e levou o parlamento a votar a lei do uso dos royalties do petróleo para financiar educação e saúde. Uma outra questão é que o programa da UP defende apenas a revogação das contrarreformas de Temer e Bolsonaro. Nada diz da revogação da Lei de Responsabilidade Fiscal dos tucanos, mantida por Lula e Dilma. Na proposta da UP, o setor da educação deveria ser apenas “retirado” dos limites da LRF.
As estatizações e expropriações de certos ramos capitalistas
A segunda etapa do programa da UP, denominada de “Propostas Estruturantes de governo rumo ao cumprimento dos pontos do programa”, prevê medidas como: o “controle social de todos os monopólios e consórcios capitalistas e dos meios de produção nos setores estratégicos da economia”, “planificação da economia para atender às necessidades da população”, “Política econômica (cambial, monetária e fiscal) a serviço da população”. Todas essas medidas apontam contra a política econômica capitalista. No entanto, é problemático que se dê ênfase à “população” em geral e não para as trabalhadoras e trabalhadores. Dentro da “população” estão várias classes, dentre elas setores da burguesia. Ao mesmo tempo, não se mencionam as estatizações ou expropriações de certos ramos da economia. Utilizam-se termos vagos, como “nacionalização do sistema bancário”, o que deixa margens para que capitalistas “nacionais” possam atuar. Esse debate é importante, pois no caso do ramo industrial a proposta é “Encampação pelo Estado de plantas industriais em processo de falência judicial ou fechamento”. Essa proposta não prevê o ataque aos grupos que não estão em falência, como a CSN. Além disso, a “encampação” significa tomar posse mediante indenização, algo errado. Sobre esses temas, o programa do Polo Socialista Revolucionário é explicito: defende a ruptura com o imperialismo, expropriação das multinacionais, dos monopólios nacionais, para assegurar salário e emprego, por um governo operário e socialista, sem patrões.
A importância do controle operário
A UP usa termos vagos, como “controle social”, o que não marca seu caráter classista. Nas duas vezes que mencionam a “estatização” – transporte e empresas privatizadas -, não incluem o controle por parte da classe trabalhadora. Estamos a favor da reestatização, mas ela deve ser sob o controle da classe trabalhadora. Por que isso é importante? Para atacar a propriedade capitalista e batalhar pela democracia operária. Isso nos diferencia de governo burgueses, que, movidos pela necessidade de salvar o sistema, realizem reestatizações. Desde 2009, vários governos burgueses realizaram reestatizações, devido à crise das empresas privatizadas. O controle operário é importante para qualquer plano econômico da classe trabalhadora, o que deve ser feito por meio de assembleias nos locais de trabalho e conferências nacionais.
É preciso explicar que a frente Ampla de Lula/Alckmin não é solução
Por fim, avaliamos que é equivocado não dizer nada sobre a frente ampla de Lula e do PT em um programa para as eleições 2022. A tarefa das candidaturas que estão por fora da frente ampla é combater o bolsonarismo, a velha direita e explicar a política de traição de classes lulista. Mas a delimitação com o Lulismo é negligenciada no programa de governo da UP. Os companheiros definem Temer e Bolsonaro como responsáveis pela “piora da vida da população”, o que é correto. Porém, tanto Dilma quanto Lula, que governaram por 13 anos, também possuem responsabilidade. Do mesmo modo, não se diz nada sobre os pelegos da direção majoritária da CUT, CTB, UNE e UBES, direções que deram trégua para Bolsonaro. Nas eleições, estamos disputando a classe trabalhadora e a juventude e temos de explicar o papel nefasto dessas direções majoritárias.
Esperamos seguir esse diálogo com os camaradas da UP, nossos aliados na Articulação Povo na Rua. Para isso, devemos realizar um debate honesto e democrático entre as organizações e partidos que não estão na frente ampla. Seguiremos na campanha de Vera Lúcia e com o programa do Polo Socialista Revolucionário.
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