Auge e queda da Lista do Povo: um balanço necessário
por MST, seção da UIT-QI no Chile
A rebelião popular mostrou o descontentamento massivo existente no país. Isso é resultado do modelo econômico baseado em uma profunda desigualdade social, na corrupção das instituições estatais, nas privatizações dos direitos sociais e das riquezas naturais, no saque e no extrativismo. Trata-se de uma soma de fatores que fez tremer até o mais remoto lar da classe trabalhadora e que empurrou milhões para as ruas.
Um dos primeiros sintomas dessa indignação generalizada se deu na ruptura com os partidos tradicionais, desde a UDI (direita) até o PC. As mobilizações estudantis de 2006 e 2011 significaram a perda de peso dos velhos partidos nas principais direções estudantis. Um processo que tendeu a se generalizar em cada luta massiva dada pelo povo e pela classe trabalhadora. A rebelião popular de 2019 levou essa dinâmica a níveis críticos.
Diferentemente da luta contra a ditadura nos anos 80, a rebelião popular foi impulsionada por assembleias territoriais, pela Primeira Linha ou outras organizações onde os velhos partidos tinham pouco peso. A vitória do plebiscito em outubro de 2020 foi coroada com um fato incrível: os partidos tiveram que celebrar muito longe da Praça Dignidade, onde centenas de milhares se reuniram para comemorar aquilo que consideravam sua própria vitória.
Por isso, o triunfo de maio de 2021, dos independentes na eleição de deputados para a convenção constituinte, foi um fato histórico. Pela primeira vez, os partidos tradicionais foram derrotados por uma onda de votação que os colocava no verdadeiro lugar que eles ocuparam na rebelião popular, de segunda ou terceira importância… e sempre contra a luta que se dava nas ruas.
Entre todas as listas independentes, uma em especial surgiu como um fenômeno potente. A Lista do Povo (LdP) obteve 27 cadeiras, transformando-se em uma força nacional que obteve milhões de votos. Para muitos, a necessidade de contar com uma organização própria, por fora dos partidos, resultou em um fato alentador e outra vitória fruto das jornadas do final de 2019. Entendemos o entusiasmo que se deu nesses dias. No entanto, poucos meses depois, o entusiasmo se dissipou e deu lugar a uma nova decepção. Queiramos ou não, o surgimento, o auge e a abrupta (e escandalosa) queda da LdP merece a mais exaustiva análise… assim como as consequências para a luta.
Lista do Povo: o que não podemos voltar a repetir
O sentimento antipartidos teve grande adesão durante a rebelião popular. Razões para isso realmente existiam. Hoje, ninguém pode duvidar que a ex-Concertação (frente popular) governou a serviço do grande empresariado e de mãos dadas com a direita. Sua defesa da herança de Pinochet, de sua constituição e do modelo econômico neoliberal é absolutamente evidente. Nem precisamos falar das idas e vindas do Partido Comunista, que, com verborragia de esquerda, não fez nada mais do que submeter as organizações sociais e sindicais ao corrupto caminho institucional, chegando ao ponto de integrar o governo capitalista de Bachelet.
Essa decepção generalizada fortaleceu o sentimento de que o independente, o que estava por fora desses velhos partidos, era positivo por si só. Nas assembleias territoriais, dizer-se independente era um credencial irrefutável de honestidade. Assim, os programas e a política passavam ao segundo plano. Bastava não pertencer aos partidos. Essa conclusão correta, de enfrentar os velhos partidos, acabava apontando para um evidente caminho de derrota, porque, sem os velhos partidos, seria necessário construir algo novo para poder dar a luta. Não bastava simplesmente ser independente.
A Lista do Povo expressou em toda sua magnitude a derrota dessas conclusões. A correta orientação de unir em listas únicas todos que queriam enfrentar os partidos para não entregar-lhes a convenção constituinte, disfarçou a origem de sua decadência. O programa da LdP não tinha nada de novo, apenas a velha receita reformista de mudar algumas coisas superficiais sem questionar verdadeiramente o poder dos grandes grupos econômicos sobre o país. Com muita verborragia radical, temos que dizer.
Com um programa como esse, o único que conseguia era que honestos lutadores sociais girassem em sua radicalidade para posições de centro, para dar lugar a tímidos expoentes de mudanças menores que não suportavam a ideia de se opor ao empresariado. Os possíveis rachas, na primeira discussão na convenção, eram mais que evidentes… e assim se sucedeu.
Com um programa feito à medida da convenção constituinte, o caminho traçado para continuar ficava restrito a tarefas parlamentares, acordos entre quatro paredes e conversas de corredores com os velhos partidos que diziam querer enfrentar. Não houve um só chamado às organizações sociais e sindicais do país para coordenar um plano de luta nacional para exigir as mudanças nas ruas. Nem sequer uma convocatória para apoiar uma greve, uma luta, ou sequer mobilização para exigir a libertação das e dos presos políticos. Quase todos os deputados da LdP fizeram na convenção o único que esperavam fazer: tarefas parlamentares.
Para deter qualquer questionamento ao (cada vez mais evidente) fracasso político para o qual avançava, a cúpula da LdP impôs um férreo controle interno, liquidando a democracia de base. A organização só explodiu quando sua cúpula, composta por operadores políticos e pequenos tiranos, brigou entre si para decidir quem deveriam apoiar para candidato a presidente. Rompida a unidade entre os donos do boliche, o negócio se veio abaixo. Daí em diante, a história se torna absolutamente sórdida.
O eixo deve ser a unidade… mas para lutar
Nós não questionamos a orientação da LdP de unir os independentes, o que no geral nos pareceu correta. Não questionamos a participação nas eleições, que nos pareceu um tremendo acerto. O que acreditamos que deve ficar como uma lição na história das organizações de luta é que nada de bom vem quando tomamos atalhos nesse caminho.
O que se trata é de unir as lutadoras e lutadores sociais, estudantis e sindicais, mas para fortalecer cada uma dessas lutas. E esse fortalecimento só se dará, em última instância, sobre a base de um programa que busque terminar com a verdadeira raiz de todos os males: o capitalismo e o domínio dos empresários sobre a economia e a sociedade.
Essa unidade não pode ser imposta por pequenos tiranos encastelados em uma cúpula, mas deve surgir e defender ferreamente o controle da base sobre sua direção. Deve ser absolutamente democrática, mas para fortalecer sua ação diária nas lutas, com um só punho, centralizada e disciplinada.
Sobretudo, deve querer conscientemente armar a classe trabalhadora e o povo com uma organização política própria, independente do empresariado, a serviço de todas as lutas, que queira acabar com o capitalismo e conquistar um governo operário e popular a serviço de todos e todas. A prática parlamentar, sindical, popular, ou de qualquer índole, não pode deixar de ter uma estratégia nítida de defesa irrestrita dos explorados e oprimidos.