Sobre o processo eleitoral de 2020 e a política dos revolucionários
Caio Dorsa – Cipista do Metrô de SP
Diego Vitello – Coordenação Nacional da CST e diretor do Sindicato dos Metroviários de SP
Durante o processo eleitoral o MRT publicou dois textos de debates com as posições de nossa organização. Gostaríamos de respondê-los de forma fraterna. Achamos que é possível extrair de seus dois textos alguns debates importantes que se fazem necessários para a atuação do conjunto dos revolucionários.
Um abstencionismo eleitoral injustificável
Partimos da definição de que estamos em um regime democrático-burguês, onde, a não ser em casos excepcionais, é uma tarefa fundamental da esquerda revolucionária apresentar suas propostas para a classe trabalhadora aproveitando a brecha eleitoral. Em nossa opinião, o objetivo dos dois textos do MRT é justificar, ou até mesmo teorizar, a política abstencionista nas disputas de prefeituras, especialmente na polarizada disputa de São Paulo entre o PSOL e os tucanos. Como se viu os companheiros não se vincularam a nenhuma candidatura majoritária no primeiro turno e, no segundo, não chamaram voto, nem mesmo crítico, em Boulos. Aliás, sequer chamaram voto nulo abertamente. Foi um voto nulo envergonhado. Quando viram que os setores mais avançados da classe trabalhadora estavam em meio a uma batalha eleitoral contra os tucanos, preferiram se calar quanto ao voto nulo. Mesmo assim, quando perguntados o que iriam digitar na urna no dia 29/11 parte de seus militantes simplesmente não respondiam. Faziam o mesmo que as dezenas de textos publicados no esquerda diário durante as eleições, não chamavam voto em ninguém para a prefeitura e não diziam o que fariam na urna.
Para a tradição marxista o voto é tático, ou seja, não está no campo dos princípios, como por exemplo a independência de classe. Da mesma forma que durante os governos do PT tanto nós como o MRT chamávamos voto nulo nos segundos turnos como uma tática para denunciar seus governos de conciliação de classe, em 2018, chamamos, assim como os companheiros do MRT, voto crítico no Haddad como uma tática para combater a extrema direita, sem nenhuma ilusão no programa do PT. Os companheiros parecem não entender isso quando tentam vincular um chamado de voto e campanha para Boulos a uma suposta “adaptação à frente ampla”, concluindo com a fórmula abstrata que a única posição possível de independência de classe é não ter posição nenhuma.
Inclusive, pela lógica que utilizam, os companheiros vão além ao tentar estender essa tática abstencionista para todo um período. Como sabemos, para o MRT, vivemos em um novo regime político pós 2016. Frequentemente chamado pela fórmula abstrata de “Regime do Golpe Institucional”, também chamado por um tempo de “bonapartismo judicial” e agora de “bonapartismo institucional”. Os companheiros não definem muito bem o que é exatamente esse novo regime e no que se diferencia substancialmente de uma democracia burguesa, regime no qual governou durante 14 anos a frente popular, apenas utilizam o conceito para explicar todos os fenômenos da realidade: da vitória de Bolsonaro em 2018 ao fortalecimento do “centrão” em 2020. Lembremos que muitos setores da esquerda, sobretudo nas universidades, impressionados com o impeachment de Dilma, agitavam que talvez não teríamos nem mais eleições em 2016 ou 2018. Esse discurso na época era alimentado pela direção do PT. Esse debate que sempre esteve fora da realidade não existe mais, mas tem fortes resquícios nas teses do MRT. Agora, usam esse mesmo conceito abstrato para dizer que a esquerda não pode se propor a governar uma cidade em meio ao “regime do golpe institucional” ou do bolsonarismo, justificando assim sua posição abstencionista para a prefeitura. Curiosamente, no entanto, o “novo regime” permite ainda a existência de “tribunos do povo”, o que fez com que a única tática eleitoral concreta do MRT fosse chamar voto para a sua bancada de vereadores. Se abstém para a prefeitura justificando que isso seria se “adaptar ao regime”, porém para vereadores “a vida segue normal”.
Para além de definições abstratas, o concreto é que o regime político em que vivemos permitiu a realização das eleições municipais, e dessas eleições surgiu um fenômeno que foi a candidatura de Boulos. E aqui se encontra um erro que frequentemente o sectarismo comete: confundir fenômenos políticos com sua direção. Nós concordamos e compartilhamos das críticas que os companheiros fazem à direção da campanha de Boulos, das limitações do programa, da frente ampla com partidos de conciliação de classes e burgueses que a direção majoritária do PSOL defende, de ceder às pressões da burguesia da cidade para moderar o discurso etc. Tudo isso escrevemos em nosso jornal Combate Socialista e no site, além de dar a batalha junto com o Bloco de Esquerda no PSOL contra esse curso oportunista que busca repetir a experiencia fracassada do PT. Porém, sabemos diferenciar essa direção do que representou o fenômeno Boulos e o PSOL de São Paulo nessa eleição: uma expressão das lutas que se desenvolveram de forma incipiente contra o governo da extrema direita e que tiveram como epicentro São Paulo (breque dos app, torcidas antifascistas, movimento negro…), na qual fez com que um amplo setor da vanguarda e mesmo do movimento de massas buscasse uma saída num líder de ocupações e num partido de esquerda que não esteve no governo nos últimos anos. Como muitas vezes acontece, o fenômeno é mais a esquerda que sua direção. Diferente do MRT, nós não ignoramos a realidade como ela se apresenta se refugiando no abstracionismo e buscamos nos vincular a esse movimento, tendo lado na polarização que existiu na cidade, compartilhando a vontade de centenas de milhares de jovens e trabalhadores em derrotar os tucanos nas eleições, fazendo campanha junto com eles, sem deixar de fazer as criticas necessárias, mas como parte deste movimento.
Sobre nossa luta contra a política da frente ampla
Começamos esclarecendo os companheiros do MRT que há muito temos lutado contra a política da direção do PSOL de alianças com partidos burgueses ou que encabeçaram os governos de conciliação de classes. Temos centenas ou até milhares de páginas escritas sobre isso desde 2005 quando esse debate começa a ser feito no PSOL. Portanto é completamente insustentável o MRT alegar que “Que nossas críticas tenham influenciado a CST é um sinal positivo” quando se refere a nossa política de crítica à frente ampla. Segundo essa ideia distante da realidade, influenciados pelo esquerda diário e pela política do MRT, teríamos lutado contra a Frente Ampla.
Esclarecemos aos companheiros que pelo visto pouco conhecem de nossa história, que durante os anos 90, antes mesmo do MRT ou da LER-QI existir como organização política no Brasil, e quando a internet ainda dava seus primeiros passos, a CST já batalhava no PT elaborando sobre a política de alianças com partidos burgueses.
O que mais chama atenção é que essa afirmação é feita em um texto justamente respondendo um texto nosso de crítica a frente ampla no segundo turno em São Paulo. Além disso, fingem ignorar as nossas posições sobre a Frente ampla em Belém e Florianópolis no primeiro turno.
Chegamm a afirmar que foi errado que a CST propôs na quinta-feira (dia 26/11) que a principal tarefa até o dia 29/11 era fazer campanha e virar votos para a candidatura de Boulos e não “organizar os trabalhadores”. Sim, faltavam três dias para as eleições, qual era exatamente o plano de lutas que os companheiros estavam propondo para esses três dias? Na verdade a luta de classes, a disputa pela consciência da classe trabalhadora estava em uma forte batalha eleitoral contra o PSDB, da qual o MRT e seu site se abstiveram. Utilizar essa frase fora de contexto e esconder que em todos os nossos editoriais, inclusive o eleitoral, chamamos a que as centrais sindicais, a UNE e os partidos de oposição rompam com o imobilismo e construam uma jornada nacional de lutas contra a retirada de direitos e o governo Bolsonaro beira à desonestidade.
Essa prática dos companheiros não ajuda na construção de um polo de independência de classe no país. Nós reivindicamos a experiencia e o exemplo da Frente de Esquerda na Argentina. Este instrumento não é patrimônio exclusivo do PTS ou do nosso partido Izquierda Socialista, mas sim da unidade dos revolucionários. Infelizmente a política concreta do MRT é oposta ao exemplo da FIT-U, aqui o que prima é o divisionismo, o abstencionismo eleitoral e a autoproclamação. Isso é expresso na incapacidade dos companheiros em fazerem unidade em chapas de sindicato para combater a burocracia sindical ou até em eleições de CIPA. Saem sozinhos sempre em qualquer uma dessas eleições, alegando sempre diferenças gigantescas com outras organizações, que “impedem” unidade. Como sabemos, essa é a base da autoproclamação. Boicotam, por exemplo, a CSP-CONLUTAS, um polo importantíssimo do sindicalismo combativo no Brasil e na América Latina. Não é surpresa, por tanto, que nas eleições não possuam política para além de si mesmos e caiam no abstencionismo total . Chamamos os companheiros a reverem essa postura e ajudar na tarefa imprescindível de reorganizar a esquerda revolucionária e internacionalista no país que dê respostas concretas a realidade. De nossa parte, seguimos dispostos a construir a unidade dos revolucionários no Brasil, batalhando por um polo dos que reivindicam a experiência da FIT-U que atue em comum nos processos de luta da nossa classe e realize ações como aquelas ocorridas em SP e no RJ no MASP e na embaixada dos EUA.