ARGENTINA | O kirchnerismo deu mais vantagens legais aos abutres do que Macri

Publicado em 15 de julho de 2020 no jornal El Socialista Nº 468

Por Guido Poletti


Diante de qualquer conflito legal, a maioria da dívida pública argentina deverá ser dirimida nos tribunais dos países imperialistas. Principalmente em Nova York, que como é sabido, acaba sempre decidindo em favor dos credores conhecidos como “polvos” (porque com seus tentáculos acaparam tudo).

Na atual renegociação da dívida, existem dois tipos de títulos. E a realidade indica que aqueles que são da época do peronismo kirchnerista (chamados Swap ou Permuta e foram emitidos em 2005 e 2010) têm condições mais favoráveis para os credores do que aqueles que foram negociados durante a presidência Macri. Vejamos de que se trata tudo isso.

Os títulos da época kirchnerista possuem uma cláusula que estabelece que, no caso de renegociação, para que esta seja aprovada é preciso a aceitação de 85% da dívida total e 66% de cada título a ser renegociado. Obviamente, como esses números são muito elevados, é fácil para um ou mais fundos abutres comprar uma parte desses títulos e impedir que essas porcentagens sejam atingidas. Isso os acredita imediatamente para “ir a julgamento” nos tribunais de Nova York e exigir o pagamento total da dívida, mais os juros punitivos.

Os títulos emitidos durante a presidência Macri estabelecem que, em caso de renegociação, será preciso que 66% do total e 50% de cada título combinem uma proposta para poder conseguir a aprovação. De fato, o país devedor (Argentina, neste caso) está em melhores condições perante os abutres nesses títulos do que nos anteriores. Mas, vamos deixar bem claro: em ambos casos a disputa deverá ser apurada nos tribunais ianques onde os baralhos legais estarão “marcados” a favor dos abutres. Os chamados “fundos abutres” compram títulos da dívida de um país em crise e logo negociam uma taxa de juros para poderem lucrar, o que exige uma disputa entre os investidores e os devedores. Então, digamos apenas que, se os títulos emitidos por Macri são ruins, os da era Kirchner são piores ainda.

Tudo isso já era evidente para os especialistas, mas agora se tornou público de modo massivo a partir de uma declaração assinada por Joseph Stiglitz junto com outros setenta economistas e intelectuais. O ganhador do Prêmio Nobel de Economia e amigo do atual ministro Martín Guzmán, defendendo a negociação atual acusa fundos como o BlackRock (a maior gestora global de ativos do mundo que administra mais de 6 trilhões de dólares e possui uma capitalização de mais de 86 bilhões) de pretender “substituir as CACs – Cláusulas de Ação Coletiva – por acordos mais antigos que poderiam levar novamente à depredação dos fundos abutres”. (Proyect Syndicate, 9/7).
Acontece que esses “acordos mais antigos” são aqueles que foram negociados por Néstor e Cristina Kirchner em 2005 e 2010.

É evidente, então, que não “tínhamos ficado desendividados”, nem “tínhamos vencido na queda de braços com os credores”, como dizia o velho discurso duplo dos Kirchner. Tanto que até as condições legais da referida dívida acabaram sendo mais favoráveis aos abutres do que as de Macri.

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