O que é o Socialismo? – Parte 2
Por: Mercedes Petit, dirigente da UIT-QI. Traduzido por: Lucas Schlabendorff
Na edição digital do jornal El Socialista de 6 de maio, Izquierda Socialista (Argentina) publicou extratos da intervenção da nossa companheira Mercedes Petit (dirigente da UIT-QI) em uma live, definindo de maneira categórica a nossa concepção do socialismo. Traduzimos esse material para o português e publicamos aqui: https://www.cstuit.com/home/index.php/2020/05/11/o-que-e-o-socialismo/. Agora foi publicado um novo material com alguns debates que surgiram na mesma live a partir das perguntas dos participantes. A seguir publicamos a tradução dessa segunda parte do material. Boa leitura!
Pergunta: Como se evita que uma revolução se burocratize e retroceda, como aconteceu na URSS?
Mercedes Petit: Primeiro, temos que dizer que “o seguro morreu de velho”. Nós somos os campeões de defender a democracia operária. Estamos convencidos daquilo que vem desde os estatutos da Primeira Internacional: “A libertação dos trabalhadores deve ser obra dos próprios trabalhadores”.
Desgraçadamente, apenas o trotskismo, que sem dúvidas é uma força minoritária à nível mundial, foi consequente com a defesa da democracia operária. Trotsky, inclusive, perdeu a vida por lutar pela construção de uma internacional que fosse consequente com esses princípios de Marx e Lênin.
Os russos chamaram de sovietes, na nossa língua diríamos assembleia de delegados. Mobilização, democracia operária e uma direção que se coloque à frente dessas lutas. Uma direção que não busque privilégios e benefícios para os funcionários e setores privilegiados da classe trabalhadora, como ocorreu no primeiro estado operário com Stálin.
Dependerá da luta de classes que uma revolução triunfante não se burocratize e retroceda. Em toda luta ninguém pode assegurar o triunfo, mas temos que dar a batalha. É como quando disputamos um sindicato, em meio a um conflito, de uma greve, e aí conseguimos ganhar, então não vamos dizer “não vamos assumir para não correr o risco de nos burocratizarmos”. É necessário dar a batalha, tratar de ganhar e seguir avançando, construindo uma direção que defenda esses princípios.
Pergunta: Como nós socialistas enfrentamos o patriarcado?
MP: Como sempre, em primeiro lugar, mobilizando-nos de forma unitária, sem sectarismo. Todas nós mulheres somos oprimidas, inclusive as mulheres das classes altas. Temos um problema que nos atinge a todas, que é a opressão patriarcal, que beneficia os homens em detrimento das mulheres. E isso é agravado pelas condições de exploração do capitalismo.
Nessa luta nós socialistas firmamos o pé e dizemos em alto e bom som “essa luta só terá solução quando destruirmos o capitalismo”. Porque é o capitalismo que sustenta o patriarcado para fortalecer seus lucros. Então não é possível terminar com o patriarcado de forma isolada, por si só. Por isso dizemos “que o capitalismo e o patriarcado morram juntos”. Mas lutamos com toda a força ao lado daquelas mulheres que se mobilizam conosco mesmo sem acreditar nisso. Dentro do movimento de luta feminista respeitamos todas as posições e dizemos “nós somos a ala socialista e revolucionária do feminismo”.
Lutamos pela libertação das mulheres e dos homens explorados pelo capitalismo. E hoje em dia dizemos para os trabalhadores homens “rompam com os privilégios do patriarcado e solidarizem-se com nossa luta”. Não para encabeça-la, não para substituí-la. Eu, por exemplo, sou branca e posso ajudar e apoiar a luta dos negros e negras. Então, com as mulheres à frente da luta contra o patriarcado, todos nós socialistas, sem importar o gênero, apoiamos esse movimento a partir de uma perspectiva revolucionária.
Temos que saber, por outro lado, que o machismo e os vícios do patriarcado não vão ser abolidos por decreto no dia seguinte após tomarmos o poder e aplicarmos as medidas socialistas. Nós mulheres, além de apoiar o governo operário e socialista, nos mobilizando pela expropriação e planificação, vamos ter todo um período de luta por uma mudança cultural, social, e de todo tipo, que deverá ser abordada no futuro.
Mas o que podemos afirmar é que imediatamente o governo operário poderá colocar em vigor as medidas que sob o capitalismo não conseguimos conquistar: o direito ao aborto, o divórcio fácil e gratuito, a igualdade salarial, a punição para toda forma de violência de gênero contra as mulheres, punição para LGBTfobia, e começar a garantir licenças, creches… A partir dessas medidas, que deverão ser imediatas por parte do novo governo, se abrirá caminho para a revolução cultural que permitirá libertar as mulheres do patriarcado e toda a humanidade das mazelas da sociedade de classes e exploração.
Pergunta: Como se constrói a consciência de classe nesse mundo capitalista?
MP: Vão me dizer que sou repetitiva, mas se constrói lutando e batalhando para colocar de pé uma alternativa revolucionária, ou seja, o partido revolucionário que se proponha a levar a classe trabalhadora a governar, nesse país e no mundo. É a luta para avançar a consciência e deixar de acreditar na unidade entre trabalhadores e patrões, deixar de acreditar na mentira de que foi a propriedade estatal e a planificação que levou ao fracasso da URSS, deixar de acreditar que o capitalismo é todo poderoso.
É uma luta para mudar as crenças que cada um tem na sua cabeça. Mas como essa mudança se concretiza? Por exemplo, um católico se faz católico indo à igreja, pagando o dízimo em dia, etc. Um socialista revolucionário batalha por essas mudanças com as lutas e a construção do partido. Ganhando militantes para a perspectiva de que a classe trabalhadora pode governar e que para fazer isso precisa de uma direção operária e revolucionário à frente.
É muito difícil poder superar a imagem que milhões têm do socialismo por culpa do estalinismo e das distintas versões reformistas. Mas eu lhes digo que o desprestígio dos PC’s e sua derrota no um terço do mundo que chegaram a dominar, tem um fator positivo na luta dos trabalhadores por sua libertação. Foi muito importante a derrubada desse aparato contrarrevolucionário.
Para que se tenha uma ideia, quando eu comecei a militar quase não se ouvia falar o nome de Trotsky, e o estalinismo era poderosíssimo. A expressão “partido” estava ligada ao PC. Nós, os poucos trotskistas que existiam, nos dedicávamos a denunciar que houve os expurgos na URSS, que os trabalhadores da Hungria se rebelaram, que enviaram tanques russos para reprimir, e que Stálin mandou assassinar Trotsky. Os estalinistas diziam que “o trotskismo é uma força de direita, agente da CIA, etc”, e tinham o mal hábito de chamar seus cachorros de “Trotsky”.
Pergunta: Como vamos conseguir superar essa imagem do socialismo que milhões têm por culpa desses aparatos?
MP: Com uma revolução operária vitoriosa em algum país. Aos milhões não podemos fazer uma live, dar um curso, editar dez livros, etc. Os milhões que vivem e lutam vão ser convencidos pela via dos fatos, com uma revolução triunfante, quando verem uma direção consequente. Em grande parte, isso ocorreu na Rússia, que ficou isolada, mas conseguiu ganhar a guerra civil porque obteve o apoio dos trabalhadores dos países imperialistas que a invadiram. Não havia internet, tudo era diferente, mas a Revolução Russa impactou o mundo. Ali se conquistou a cabeça de milhões.
Não vamos superar essa imagem do socialismo que milhões têm no mundo com cursos de história (que igualmente são muito importantes e damos), mas sim através de duas tarefas: impulsionando as lutas até a vitória e no calor dessas lutas ir construindo as direções e os partidos revolucionários. Somente com um governo dos trabalhadores vamos ter acesso aos meios massivos, não para dar cursos de estalinismo, mas sim para dizer: “Trabalhadores do mundo, como governo socialista tomamos essas medidas e nos comprometemos a ajuda-los nisto, nisto e nisto”. Essa vai ser nossa grande alavanca para reverter o desastre feito pela burocracia soviética, a socialdemocracia e as direções reformistas mais recentes, como Chávez e Maduro. Na Venezuela o desprestígio do socialismo foi instaurado por esses governos. Um trabalhador vai nos dizer “como vou ser socialista se aqui o socialismo nos mata de fome?”. Não é fácil, não foi somente o estalinismo, esse desprestígio continuou.
Não é fácil, mas é o que temos que fazer. Por isso construímos a Izquierda Socialista (Argentina) e a UIT-QI, para construir essa consciência de classe que faz falta para acabar com a opressão e a exploração desse mundo capitalista.