Levante antirracista nos EUA: Justiça para George Floyd!

Por: Unidade Internacional de Trabalhadoras e Trabalhadores – Quarta Internacional (UIT-QI) 30 de Maio de 2020. Traduzido por: Lucas Schlabendorff

 

    No dia 25 de maio, George Floyd, um trabalhador afroestadunidense de 46 anos, foi asfixiado por um policial racista em uma rua pública de Minneapolis, enquanto outros efetivos policiais mantinham distante um grupo de pessoas que tentavam parar a agressão. Vários vídeos da detenção evidenciaram que George Floyd não estava armado e nem resistiu à detenção racista e arbitrária. Depois de ter sido algemado, os lacaios racistas o lançaram ao chão e o policial Derek Chauvin o asfixiou durante dez minutos, pressionando o pescoço de Floyd contra o asfalto com seu joelho, inclusive depois que Floyd já estava inconsciente. O assassinato foi filmado por pessoas que passavam pelo local e encheu de indignação milhões ao redor do mundo. O grito de “não posso respirar” foi retomado pelos milhares de manifestantes nos dias seguintes.

    Grandes manifestações estouraram por todo o país com a consigna de “Se não há justiça, não haverá paz” (No Justice, no Peace), recordando os levantes antirracistas de Ferguson e Baltimore em 2014 e 2015. Desafiando os repressores e a pandemia, as multidões tomaram as ruas de Minneapolis, primeiramente, e logo se estendeu para muitas das principais cidades do país. A casa do assassino Chauvin foi cercada por manifestantes até que a Guarda Nacional os atacou. A delegacia de polícia onde aparentemente trabalhavam os assassinos de Floyd foi incendiada na quinta-feira. Também houveram grandes saques.

    Para além do possível papel de provocadores policiais em algumas ações, o ataque aos símbolos da repressão gerou um grande impacto e a mobilização se estendeu para o resto do país. Em Louisville, onde a jovem Breonna Taylor foi assassinada recentemente por policiais racistas, tem havido grandes protestos e se reportam sete feridos por bala na repressão. Tem havido um padrão de ataques à imprensa por parte da polícia, com detenções, como a do jornalista negro Omar Jiménez da CNN em Minneapolis, assim como tiros contra cinegrafistas e outras agressões em várias cidades.

    Na sexta-feira (29), se concentraram centenas de manifestantes em frente à Casa Branca, onde se encontrava Trump, desafiando o toque de recolher. Cartazes com consignas como “Olho por olho” refletem o espírito radicalizado da juventude lutadora em Nova Iorque, Los Angeles, Chicago, Phoenix, Oakland, Houston, Atlanta, Detroit, Las Vegas, San José e Memphis. Na pequena cidade de Petal, no Mississipi, o prefeito fez apologia do assassinato de Floyd e centenas de pessoas se mobilizaram por sua renúncia. Existe resistência operária à repressão: em Minneapolis, motoristas de ônibus destinados a transportar as forças de repressão se negaram a dirigir, e o mesmo ocorreu no Brooklyn. É importante exigir aos sindicatos que sejam tomadas medidas à nível nacional em solidariedade com a luta antirracista. Se os burocratas se negarem, é preciso passar por cima deles.

O direitista Trump incita a violência contra os manifestantes

    A primeira reação de Trump foi cautelosa, solidarizando-se com a família de Floyd e assegurando que uma investigação federal proporcionaria justiça. Mas perante o crescimento da luta popular, suas convicções fascistas falaram mais alto. Na madrugada do dia 29 de maio tuitou chamando os manifestantes de “bandidos” (thugs), ameaçou a militarização para impor a “ordem” e inclusive citou uma frase do chefe policial racista, Walter Headley de Miami, que em 1976 disse que “quando se iniciam os saques, se iniciam os tiroteios”, uma evidente incitação do uso da violência militar e paramilitar contra os protestos.

    O presidente não somente dá luz verde para os métodos brutais dos corpos repressivos, também sinaliza para os grupos paramilitares neonazistas e supremacistas brancos. Um agressor desconhecido já feriu de bala um manifestante em Minnesota e foi registrado ao menos um ataque em Denver. É notório o contraste entre o tratamento dado pelo aparato repressivo contra as manifestações antirracistas, que são atacadas violentamente, e a proteção concedida para as mobilizações armadas dos grupos racistas de extrema direita, que tomaram prédios governamentais protestando contra as medidas de isolamento social no contexto da pandemia.

    A mensagem de incitação aos tiroteios por parte de Trump foi criticada por alguns democratas e a rede social Twitter reduziu parcialmente sua visibilidade, uma sanção que irritou o presidente racista, que já tomou iniciativas legais para regular as redes. Mas um fator que impede que se aprofunde a crise na classe dominante é o papel dos democratas à serviço da repressão e da ordem.

Os democratas, o componente liberal do partido da ordem

O governador democrata de Minnesota declarou a emergência para autorizar o uso da Guarda Nacional e na noite de quinta-feira já haviam sido mobilizados 500 militares. Trump atacou os democratas, a quem acusa de serem “radicais de esquerda” e ameaçou estender a militarização do estado. O prefeito de Minneapolis, também democrata, igualmente solicitou o uso da Guarda Nacional. Surpreendidos pela mobilização, aplicaram um toque de recolher, com pouca ou nenhuma efetividade.

O ex-presidente Obama se pronunciou solicitando uma investigação, mas se negou a qualificar como assassinato a morte de Floyd. Concluiu sua mensagem felicitando “a maioria dos homens e mulheres” dos aparatos policiais que “se orgulham de realizar o seu trabalho duro de maneira correta”. Ele teve o cuidado escrupuloso de não utilizar a palavra “racismo” e elogiou os repressores. Já o ex pré-candidato socialdemocrata, Bernie Sanders, criticou o racismo sistemático e a violência policial contra as pessoas negras e exigiu a detenção de todos os policiais envolvidos no assassinato. Exigiu que no futuro sejam investigadas todas as mortes sob custódia policial e criticou Trump por incitar a polícia a realizar tiroteios. Mas não chamou a mobilização e nem se solidarizou com as mobilizações em curso.

O virtual candidato presidencial democrata, Joe Biden, emitiu um extenso comunicado criticando o racismo e chamando a ter calma, sem utilizar a palavra assassinato. Amy Klobuchar surgia como provável companheira de chapa de Biden, mas foi desmascarada pela crise. Já era repudiada pelas comunidades afroestadunidenses por sua cumplicidade com a polícia racista em Minnesota durante os anos que foi procuradora. Depois do assassinato de Floyd, se divulgou amplamente seu papel no encobrimento da brutalidade policial em Minneapolis.

O governador de Nova Iorque, o democrata Cuomo, que vem antagonizando com Trump pela resposta diante da pandemia, disse que apoia os manifestantes, mas que condena “os incêndios e roubos”. Pura demagogia e duplo discurso: a polícia do seu estado, que é tão racista como as demais, já se encarregou de reprimir os protestos com a mesma violência.

EUA: um estado racista

Esse crime brutal volta a colocar sobre o tapete o caráter racista do regime da maior potência capitalista e imperialista do mundo, assim como sua muito limitada democracia burguesa. Os EUA se ergueram como potência sobre as bases de centenas de anos de escravismo e manteve leis de segregação racista parecidas com as do apartheid até a década de 1960. Vários estados aplicam políticas destinadas a negar o direito ao voto para a população negra. Até o ano 2000 o matrimônio inter-racial foi ilegal no estado do Alabama. Um terço das crianças negras vivem na pobreza, a renda per capita dos negros é dez vezes menor que a dos brancos. Um estudo de 2017 mostrava que um terço dos mais de dois milhões de presos nos EUA são negros. Há proporcionalmente seis vezes mais negros presos do que brancos e o dobro que latinos. A probabilidade de que um homem negro de renda baixa seja preso em algum momento de sua vida é maior do que 50%. As condenações por consumo de drogas são 6 vezes mais frequentes contra negros do que contra brancos, ainda que a taxa de consumo seja igual entre ambos os grupos. Em 2016 a taxa de assassinatos pelos corpos repressivos foi de 10,13 por milhão entre a população indígena, 6,6 por milhão entre os negros, 3,23 entre os latinos e 2,9 entre os brancos.

Grupos racistas como a Ku Klux Klan (KKK) realizaram milhares de linchamentos contra pessoas negras entre o fim do século XIX e a primeira metade do século XX. No período do pós-guerra se aplicaram políticas de terrorismo de estado com critérios racistas. O programa do FBI chamado COINTELPRO teve como sua prioridade a destruição das organizações do movimento indígena e das comunidades negras, mediante a infiltração, a criminalização e a eliminação física. O lutador antirracista Malcolm X foi assassinado por traidores do movimento a serviço do FBI. O preso político mais antigo do país é o dirigente indígena sioux Leonard Peltier, preso há 44 anos. Um dos casos mais impressionantes de violência racista foi o bombardeio de um bairro negro por parte da polícia da Filadélfia, em 13 de maio de 1985. Sessenta moradias foram destruídas e onze pessoas morreram. O ataque, com características bélicas, estava dirigido contra a organização negra MOVE.

A violência policial racista se ampara na impunidade. Os paramilitares racistas que recentemente assassinaram Amaud Arbery na Georgia só foram acusados porque filmaram o assassinato e a denúncia se generalizou. Nenhum policial foi acusado pelo recente assassinato de Breonna Taylor no Kentucky. Quando Eric Garner foi estrangulado em 2014 por policiais racistas em Nova Iorque, nenhum agente foi ajuizado, tampouco pelo assassinato de Michael Brown em Ferguson, no mesmo ano.

O policial racista Chauvin, assassino de Floyd, foi detido depois de três dias de intensos protestos a nível nacional. Foi algo tão excepcional, arrancado pela mobilização popular, que os promotores afirmaram que foi a acusação mais rápida que já se foi realizada contra um policial. Mas é uma exceção que confirma a regra: ele apenas está sendo acusado de homicídio em terceiro grau, ou seja, “não intencional”. Enquanto isso, as mídias burguesas se abstém de usar a palavra “assassinato”.

Solidariedade internacional antirracista!  

O racismo é um flagelo inerente ao capitalismo, desde seu nascimento. O tráfico de escravizados foi um dos mecanismos da acumulação primitiva. A ideologia da diferenciação pseudobiológica racial surge nesse processo de genocídio e exploração escravista. No marco das relações de exploração capitalista o ódio racista é utilizado pelas burguesias para dividir a classe trabalhadora e perpetuar a superexploração dos setores mais marginalizados e oprimidos, os negros, indígenas e imigrantes. 

A pandemia da Covid-19 demonstrou que os efeitos destrutivos do capitalismo têm uma dimensão mundial e disso decorre a necessidade de uma resposta de luta global por parte da classe trabalhadora. O levante antirracista nos EUA merece a solidariedade dos revolucionários do mundo. Junto aos protestos no Chile, do Líbano e do Iraque, é parte da retomada da luta de classes depois do impacto da pandemia. Nos EUA, o racismo estrutural também se refletiu no fato de que a população negra e latina foi castigada muito mais duramente em termos proporcionais durante a pandemia. Isso contribuiu para a situação generalizada de descontentamento que transbordou agora com o vil assassinato racista de George Floyd.

Chamamos os dirigentes dos sindicatos dos EUA a romperem com sua cumplicidade com o governo repressor de Trump e convocar greves para lutar contra os racistas. Que os sindicatos de funcionários públicos se neguem a defender os policiais que reprimam os trabalhadores, ataquem as comunidades populares ou cometam crimes racistas. Exijamos que os membros da Guarda Nacional quebrem a disciplina e se neguem a reprimir. Exijamos justiça para George Floyd, que se realize uma investigação independente e se imponha uma pena exemplar para os policiais assassinos. Ao calor da luta, é necessário construir também organizações sociais e políticas de esquerda independente, que deem continuidade à luta até derrotar o governo de Trump e sua política reacionária e racista a serviço das multinacionais e do sistema capitalista-imperialista. 

    Chamamos a realização de atos unitários de protestos em frente às embaixadas e consulados dos EUA para expressar nosso apoio à juventude aguerrida negra e latina que, nas entranhas da maior potência imperialista do mundo, resistem contra a opressão racista e cada vez mais questionam a desigualdade e a exploração capitalista. Tomemos o impulso que a luta nos EUA dá para a causa antirracista para denunciar e combater as expressões de violência e opressão racista em nossos próprios países.

 

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