Trabalhadora da saúde do RJ denuncia: “Pressão para trabalharmos a qualquer custo”
Na primeira semana de maio, o número de mortos pela COVID (SARS-COV-2) no Brasil chegou a mais de 8.000 pessoas, com mais de 120.000 infectados. Esses dados no entanto são apenas uma parte do total. O Secretário de Saúde do RJ, Edmar Santos, admitiu no começo de Abril que o Rio tem 10 vezes mais casos de COVID que o registrado oficialmente.
Nesse quadro, as trabalhadoras da saúde são penalizadas pelos anos de ataques à saúde. Segundo dados da ONU, 70% do corpo de saúde é de mulheres, entre médicas, enfermeiras, técnicas, auxiliares de enfermagem, parteiras, assistentes sociais e psicólogas. Para além das questões relativas ao gênero que essas mulheres estão condicionadas e que se potencializam durante a pandemia, como dupla-jornada, menores salários, etc, as condições de trabalho ineficientes, a sobrecarga e falta de EPI’s, faz com que o peso sobre suas costas aumente consideravelmente, levando ao adoecimento dessas trabalhadoras.
A subnotificação é parte da política negacionista de Bolsonaro
Quando a COVID chegou ao Brasil, Jair Bolsonaro declarou em seu pronunciamento que era “só uma gripezinha” e que não era necessário pânico ou histeria. Como desdobramento, o Ministério da Saúde anunciou que apenas os casos de pacientes graves seriam testados no país.
Vários Institutos e Universidades têm feito esforços para estimar com maior precisão o número de infectados no Brasil. Segundo o boletim número 14 do MS (26 de Abril) temos quatro vezes mais internações por Síndrome Respiratória Aguda do que era de se esperar para esse período. Esse número não conta os casos registrados como COVID, o que quer dizer que, se oficialmente temos 120 mil infectados, há na realidade pelo menos 600 mil casos.
Segundo um Grupo de estudos da USP de Ribeirão Preto, em 28 de Abril havia entre 1 milhão e 1,5 milhão de casos de infecção por COVID no Brasil. Esses dados, junto aos dados dos óbitos poderiam ajudar a traçar políticas públicas efetivas para evitar mortes no Brasil, no entanto hoje elas só servem para mascarar a realidade e evidenciar o desprezo de Bolsonaro pela vida dos trabalhadores do Brasil.
Esses números mascaram também as mortes de trabalhadoras da saúde. De acordo com o Conselho Federal de Enfermagem (COFEN) até esta quarta-feira (06/05) foram identificados 73 óbitos de profissionais pela COVID-19 no país. Para efeito de comparação, os EUA, atual epicentro da COVID com mais de 73.000 mortos, registrou o óbito de 46 enfermeiras/os.
Segundo resultados preliminares de pesquisa realizada pela Internacional de Serviços Públicos (ISP), a maioria dos profissionais de saúde que estão na linha de frente no combate à pandemia de coronavírus não está recebendo as condições adequadas para se prevenir do contágio da doença. Além da falta de equipamentos de proteção individual (EPIs), elas ainda enfrentam longas jornadas de trabalho e não recebem hospedagem adequada para cumprir o distanciamento, expondo também suas famílias ao risco de contaminação.
O que as trabalhadoras da saúde têm a dizer?
Não é incomum vermos matérias e relatos sobre o massivo número de afastamentos nas equipes de saúde, além da própria contaminação com o vírus por falta de equipamentos de proteção adequados. Esse quadro se agrava quando fazemos uma análise sobre as condições atuais da saúde e no contexto de crise econômica.
As Reformas Trabalhista e da Previdência, golpearam os trabalhadores de conjunto, mas cai como uma bigorna nas costas das trabalhadoras. A decisão nefasta de Bolsonaro e Guedes de continuar cortando das áreas sociais como saúde, educação e previdência para pagar a dívida pública, precariza a vida das mulheres, em especial das trabalhadoras da saúde, que agora na pandemia, além de trabalhar em condições de guerra, ainda chegam em casa com risco de contaminar sua família e são obrigadas a enfrentar a dupla jornada das tarefas domésticas e o cuidado com crianças e idosos.
Segundo Zila Camarão, enfermeira no Hospital Universitário João Barros Barreto da UFPA, há muitos colegas contaminados, sendo que alguns estão em estado grave. “Devido a falta de pessoal, o nosso repouso ficou comprometido, e viradas de turno são a alternativa para substituir as faltas, o que gera uma sobrecarga de trabalho para todas nós”.
Isso também é o que relata Graça Souza, Assistente Social do HUAP (Hospital Universitário Antônio Pedro) e coordenadora do SINTUFF (Sindicato dos Trabalhadores em Educação da Universidade Federal Fluminense), na entrevista que fizemos essa semana.
O que mudou no trabalho após o início da quarentena causada pela COVID?
Graça: O Hospital não está preparado para receber essa demanda. Temos péssimas condições para atender tanto a demanda dos usuários como a dos funcionários.Falta clareza de como os pacientes estão entrando, faltam princípios e diretrizes do SUS como acolhimento, controle social por parte dos trabalhadores, temos uma gestão centralizada e hierarquizada que não interage com as trabalhadoras.
Quais as maiores dificuldades enfrentadas pelas trabalhadoras da saúde?
Graça: Além do trabalho na Instituição, somos arrimo de família e temos tripla jornada de trabalho: além do HUAP, temos de cuidar dos filhos, da casa, planejar as questões financeiras e o que mais relatam para mim é o medo de estar na linha de frente e voltar para casa. O medo na insegurança do trajeto, e de levar o vírus para casa. Já no trabalho, tivemos dificuldades de liberar as idosas, as grávidas, as mães e quem tem comorbidades crônicas. Também faltam máscaras, álcool em gel e álcool líquido, além disso tem escassez desses equipamentos, e havia diferenciação, priorizando algumas categorias para recebê-los. A gente sabe que alguns profissionais têm os procedimentos de CTI, mas outras categorias também atendem, e os familiares (dos usuários) nós não sabemos se estão infectados, então os EPIs têm de ser para todos.Não há esses insumos para nós, nem para usuários e familiares. Devido a ação jurídica e política do SINTUFF esses equipamentos estão começando a chegar agora, mas ainda faltam testes para nós que estamos com suspeita de COVID, e quando precisamos de atendimento estamos sendo orientadas a procurar outros Hospitais ou planos de Saúde. É difícil ter plano de saúde, esse deveria ser um direito nosso, e dos nossos filhos.
As horas trabalhadas aumentaram? Você sente que o assédio moral aumentou?
Graça: A sobrecarga de trabalho é uma queixa comum, o remanejamento para outro setor, plantão extra também. Posso citar o exemplo dos Assistentes Sociais. Os usuários, e as famílias, trazem muitas questões como o Auxílio Emergencial que o Governo está fornecendo. Os usuários estão tendo muita dificuldade porque tudo é online e a realidade no Brasil é de exclusão digital, então eles recorrem muito a nós nesse sentido. O assédio moral tem sido muito relatado, principalmente com as pessoas do grupo de risco. Houve uma pressão para que essas pessoas seguissem trabalhando. Os membros da atual gestão do sindicato também relatam que a Gestão do HUAP não reconhece os membros do sindicato como legítimos representantes dos trabalhadores, além da pressão para trabalharmos a qualquer custo.
Houve treinamento específico para a COVID?
Graça: Eu não tive treinamento, muitos trabalhadores também não tiveram. Soubemos de poucos casos, em que alguns trabalhadores foram chamados e a Gestão deu algum treinamento, mas não contemplou todas categorias. O HUAP deveria ter dado treinamento específico sobre as características do Coronavírus. Existe um marketing feito pelo Reitor de que temos material, de que os profissionais estão amparados, que temos treinamento, mas na verdade isso não acontece. Precisamos da solidariedade das pessoas, mas precisamos acima de tudo ter nossos direitos garantidos para atender a população, seja EPIs, treinamento, condições de trabalho dignas para poder defender nossos companheiros dos grupos de risco e a população.
Há colegas de serviço contaminados?
Graça: Sim, e com grande tristeza perdemos duas companheiras da enfermagem. E há casos suspeitos e positivados em todas categorias. Mesmo diante dessa dor, não podemos deixar de nos indignar e continuar na luta. Tivemos também um colega grave mas que já recebeu alta. Outro problema é justamente nós não termos as notificações nem dos usuários, nem dos funcionários (infectados). Isso ajudaria na vigilância epidemiológica e sanitária. Então hoje essa é nossa condição: temos funcionários contaminados, trabalhando sem insalubridade, sem equipamentos e sem treinamento.
Você ou alguma colega já foi vítima de algum tipo de agressão dos usuários ou familiares de usuários nesse período?
Graça: Não chegou até mim nenhuma denúncia de agressão dos usuários ou familiares. O tipo de agressão de fato é por parte da Gestão, da Reitoria e do Governo. É uma agressão não liberar companheiras do grupo de risco, trabalharmos sem insalubridade, estar suspeita de COVID e não ter teste dentro de um Hospital Universitário. É uma agressão da reitoria e desse Governo. Os usuários merecem nosso respeito, compreensão, técnica e humanização nesse momento. Esses usuários moram na favela, e não tem condição nenhuma de enfrentamento, não tem sabão, não tem alimento, transporte. São várias expressões do que faz esse Governo, e a COVID vem piorar esse quadro. Estamos muito emotivas pela situação. A COVID nos mostra o quanto precisamos lutar pelo SUS, pela Universidade, por melhores condições de trabalho e pelo Socialismo!
Só com luta podemos reverter essa situação!
É preciso enfrentar esse quadro, e o caminho passa por fortalecer as mobilizações das trabalhadoras da saúde! Recentemente as trabalhadoras do Hospital Júlia Kubitschek em Belo Horizonte fizeram uma paralisação por melhores condições de trabalho e EPIs. As trabalhadoras do Hospital Universitário da USP fizeram duas paralisações desde o início da quarentena e o mesmo se repetiu em Belém.
É preciso apoiar e impulsionar as lutas por melhores condições de trabalho, exigir máscaras, capotes, álcool gel, horário de descanso, contratação imediata de pessoal, salários dignos, garantia e aumento do adicional de insalubridade, transporte gratuito e seguro para as equipes e testes massivos para a população e trabalhadoras.
Nesse momento essas trabalhadoras são a linha de frente do enfrentamento a COVID mas também estão lutando contra a política negacionista e irresponsável de Bolsonaro! As mobilizações devem seguir para arrancarmos mais investimentos no SUS, e para isso é necessário exigir a suspensão do pagamento da Dívida Pública, e garantir a quarentena com salário para todos trabalhadores do país! As Centrais Sindicais devem partir para construção de uma Greve Geral no Brasil, e derrotar de vez o Governo miliciano de Bolsonaro!
#12DeMaio Hoje é Dia da Enfermagem e também um dia de defesa da vida das trabalhadoras e trabalhadores da saúde. Estas…
Publicado por CST – PSOL em Terça-feira, 12 de maio de 2020