ESTADOS UNIDOS | A luta de classes nos tempos do coronavírus
Traduzido por: Pablo Andrada
Desastres geram nacionalismo. É uma constante que todos nos reunamos contra um inimigo comum, seja uma potência estrangeira ou um desastre natural. Na atual crise do coronavírus, os líderes políticos no mundo todo estão aumentando sua popularidade. Até Donald Trump, tão patético e impopular. O desejo de um líder forte em tempos de crise causa estranhos efeitos colaterais, que vão desde o entusiasmo da mídia pelo governador do Estado de Nova York, Andrew Cuomo, até os jornalistas que elogiam Trump pela sua “nova mensagem e pelo novo tom” após reconhecer em uma entrevista coletiva da imprensa que a pandemia causaria de 100 mil a 240 mil mortes.
Jeet Heer – Correspondente da imprensa
No entanto, a unidade nacional que a crise gera poderia ser uma miragem. Nem mesmo o fervor patriótico da Segunda Guerra Mundial acabou com as tensões sociais dos tempos normais. Durante a guerra, Detroit viveu poderosas greves (lideradas pelos trabalhadores da indústria automobilística que se rebelaram contra os grandes sacrifícios que estavam sendo solicitados, sem receber em troca uma compensação justa) e conflitos raciais (os brancos se opunham à migração dos negros do sul).
A crise do coronavírus revela uma intensificação semelhante dos conflitos sociais. Tem aumentado os ataques racistas contra os asiáticos dos EUA, principalmente porque Donald Trump tem espalhado o termo “vírus chinês”.
A luta de classes também está se intensificando. De fato, uma guerra de classes está sendo travada em duas frentes. A crise é a ocasião para os ricos e seus aliados, de ambos os partidos políticos, saquearem o tesouro. Todos os planos de investimentos passados e futuros visam proteger seus privilégios; os esforços para amortecer o choque da recessão sobre maioria da classe trabalhadora são bem modestos. Quanto aos operários, que continuem trabalhando em condições perigosas com a menor compensação possível. Muitos trabalhadores inclusive são obrigados a entrar de licença, notam como são reduzidos seus salários ou são simplesmente demitidos.
O resgate dos plutocratas combinado com a precariedade de uma classe operária em perigo físico é explosivo. É difícil prever como isso poderia continuar desse jeito sem alterar a ordem social.
Helaine Olen definiu no jornal Washington Post o primeiro pacote de estímulo “não apenas (como) uma oportunidade perdida de garantir aos trabalhadores estadunidenses os benefícios que os trabalhadores de outros países ricos desfrutam, mas também como uma nova apropriação de fundos que favorece os interesses das empresas e dos mais ricos”. Ao propor aos trabalhadores apenas quatro meses de aumento do seguro-desemprego e uma ajuda única de 1.200 dólares (e mais 500 dólares por criança), o plano abriu os circuitos financeiros de Wall Street com um fundo de resgate para empresas que poderiam alcançar 6 bilhões de dólares.
Os futuros planos de estímulo serão aparentemente semelhantes. Segundo o jornal New York Times, a presidenta da Câmara dos Representantes, Nancy Pelosi (democrata), fala de um acordo para “aumentar retroativamente o limite das deduções de impostos nacionais e locais”. O economista da Universidade de Michigan, Justin Wolfers, salienta que “mais da metade desses dólares seria destinado a milionários”. A proposta teria um sentido político, recompensando os eleitores nos subúrbios dos “blue states” (estados azuis, aqueles que geralmente votam no Partido Democrata). Mas, economicamente, apresenta o mesmo problema que o primeiro plano: a disposição de distribuir milhões de dólares para os que menos precisam.
Republicanos e democratas se preocupam demais com milionários e não com a classe operária. Conforme indicado no relatório ProPublica de 24 de março: “Médicos e enfermeiros de emergência, que em muitos casos estão lidando com a onda de pacientes com coronavírus e a escassez de equipamentos de proteção, estão descobrindo que até as bonificações estão sendo reduzidas”. Muitos trabalhadores da saúde são contratados por empresas de trabalho temporário. E essas companhias estão reduzindo seus salários, fazendo sofrer neles a “perda pelas operações não urgentes que não estão ocorrendo. A empresa Alteon Health, uma das principais contratistas de médicos e enfermeiros, publicou um memorando na segunda-feira, 30 de março, na qual foi relatado que “a empresa reduziria o número de horas de trabalho dos médicos, os salários da equipe administrativa em 20%” e que suspenderia os planos de 401k (aposentadoria oriunda na aplicação do dinheiro que deveria ser retido na fonte para imposto de renda), os bônus e o salário de férias”.
Os trabalhadores da saúde não são os únicos que devem enfrentar condições de trabalho mais precárias e perigosas. No jornal New York Times, o veterano jornalista da área trabalhista Steven Greenhouse, observou o peso das diferenças de classe na expressão da crise do coronavírus. “Milhões de trabalhadores de colarinho branco estão trabalhando em casa pela internet para ficarem seguros, enquanto o coronavírus espalha suas garras pela América”, disse Greenhouse. “Mas milhões de outros trabalhadores – caixas de supermercados, balconistas de farmácia, trabalhadores dos depósitos, motoristas de ônibus, trabalhadores de carnes, etc. – precisam trabalhar todos os dias e muitos já não aguentam mais que seus patrões não façam o suficiente para protegê-los da pandemia”.
O aumento da letalidade nos locais de trabalho nos EUA, alimentando uma onda de protestos de trabalhadores, greves organizadas pelos sindicatos ou poderosas greves espontâneas. Greenhouse listou algumas dessas ações:
– Na terça-feira, 24 de março, depois que um mecânico deu positivo no teste do coronavírus, mais da metade dos trabalhadores do ”Bath Iron Works”, um estaleiro do Maine, não foi para trabalhar, exigindo que a empresa limpasse a fundo antes o estaleiro.
– Em Warren, Michigan, os trabalhadores se retiraram de uma fábrica de caminhões da Fiat Chrysler porque não havia água quente para lavar a louça.
– Em Alberta, os motoristas de ônibus de Birmingham, Alberta, entraram em greve por falta de proteção contra o coronavírus no caso de passageiros infectados.
– Os motoristas de ônibus de Detroit, Michigan, paralisaram pelo mesmo motivo [1].
– Os trabalhadores de saúde de Pittsburgh, Pensilvânia, paralisaram o trabalho, preocupados com o coronavírus.
Essa onda de protestos vai aumentar, e não apenas por causa do coronavírus, mas porque os ricos quebraram o contrato social. Forjando planos de resgate que favoreçam as empresas e aos milionários, a elite política estadunidense está brincando com fogo durante uma pandemia na qual os operários são forçados a trabalhar em condições que põem em perigo suas vidas. Os conflitos vão continuar. E é provável que sejam muito mais intensos do que as ações de Occupy Wall Street e do movimento Tea Party, ambos nascidos após o colapso econômico de 2008.
O enfraquecimento dos sindicatos estadunidenses nas últimas décadas também significa o enfraquecimento do poder que exerciam sobre os trabalhadores organizados. Com isso em mente, o espaço aberto para greves selvagens pode torná-los a arma da nova luta de classes. Os Estados Unidos poderiam entrar em um período de militância operária muito diferente de qualquer coisa conhecida desde as décadas de 1930 e 1940.
* Artigo publicado em The Nation, 1-4-2020:
https://www.thenation.com/article/society/coronavirus-class-war-labor/
https://correspondenciadeprensa.com/
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