Estados Unidos: o centro da tormenta
por Reynaldo Saccone, ex-presidente do Sindicato dos Profissionais da Saúde de Buenos Aires e militante do Izquierda Socialista, seção argentina da UIT-QI Tradução Caio Sepúlveda e Pablo Andrada
María Correa, imigrante colombiana diabética de 73 anos, foi levada de ambulância ao hospital. Em sua casa no Queens, onde vivia há 20 anos, sentiu febre e dificuldade de respirar. Seus familiares a procuraram por uma semana e nem o hospital, nem os bombeiros nem a polícia sabiam dela. Finalmente, apareceu no necrotério com o nome trocado, por confusão dos paramédicos. Essa cena mostra a situação caótica que a epidemia criou no país imperialista mais poderoso do planeta.
Nos Estados Unidos, até o dia 8 de abril, eram cerca de 400.000 casos de COVID-19, dos quais 13.000 morreram. Somente no estado de Nova York, se acumularam 140.000 casos e 5500 mortos.No Queens, um bairro de imigrantes, houveram 23.000 casos. Com estes números, os Estados Unidos encabeça a triste procissão das vítimas da pandemia. Cifras que demonstram sua verdadeira dimensão se as comparamos com as estatísticas mundiais: cerca de 1.400.00 de infectados e 74.000 mortos.
Como se pode chegar a esta situação?
O governo do Estados Unidos é o responsável máximo. Donald Trump minimizou a todo tempo a importância da epidemia. Mais ainda, rejeitou os relatórios que alertavam o problema. Já se sabe agora que o principal assessor comercial da Casa Branca, Peter Navarro, havia advertido, em termos severos, o quão mortal e economicamente devastador o surto do novo coronavírus poderia ser para os Estados Unidos.
No começo da epidemia, a ditadura capitalista chinesa calou Li Wengyang, o médico que descobriu a nova doença, e ainda está desaparecida a Dra. Ai Fen, sua colega, que difundiu a existência do vírus. Com a pandemia já instalada, a ditadura se relocalizou e, com seus métodos brutais, adotou medidas severas para freá-la. Trump, por sua vez, junto ao hoje infectado primeiro ministro britânico Boris Johnson, declaram claramente que era necessário preservar a economia e se negaram – ambos – a tomar as medidas necessárias para preservar a saúde da população. Assim que a pressão dos governadores se tornou insustentável, Trump concordou de forma parcial a tolerar as quarentenas e outras medidas que, tardiamente, se estabeleceram em 39 dos 50 estados e que não conseguiram frear a expansão do vírus por todo o país.
A pressão popular
Os governadores refletiram de forma mais direta a profunda inquietação que o avanço da epidemia produzia em amplos setores populares em seus respectivos estados. Em Chicago houveram denúncias públicas porque os afro-americanos, que são 30% da população, constituem 60% dos infectados. Em outros estados os médicos das emergências e as enfermeiras – que em muitos casos estão enfrentando a onda de pacientes com coronavírus e a escassez de equipamentos de proteção – estão descobrindo que estão lhes reduzindo os adicionais. Muitos trabalhadores da saúde tem contratos de trabalho temporário com empresas, e estas estão reduzindo o salário, fazendo recair sobre eles a alegada perda pela suspensão do trabalho não urgente. A empresa Alteon Heath, uma das principais contratadoras de médicos e enfermeiras, publicou um memorandos na segunda 30 de março, em que informava que “A empresa reduziria a quantidade de horas de trabalho aos médicos, o salário do pessoal administrativo em 20%” e que suspenderia os planos 401k (poupança de aposentadoria prévia), as bonificação e o salário de férias.
Outra pressão que os governadores receberam foi a exercida pela comunidade científica. A mais antiga e prestigiada revista médica dos Estados Unidos, a New England Journal of Medicine, que vinha fazendo campanha por uma política mais agressiva do governo, publicou no dia 1 de abril um editorial com o provocativo título de “Como eliminar a epidemia em dez dias” que contempla, em primeiro lugar, estabelecer uma condução única que centralize todos os recursos sanitários do país, quarentenas estritas, proteção dos trabalhadores da saúde, configurar a disposição do poderio industrial para produzir insumos médicos, subsídio e proteção aos necessitados, e finalmente, pesquisar sobre remédios e vacinas. Um programa oposto ao de Trump.
Por que não se pode tomar as medidas necessárias para esmagar a pandemia?
Simplesmente, porque no capitalismo, a economia não pode parar de produzir lucro para o capital. Os grandes monopólios multinacionais e a grande burguesia de cada país não podem deixar de ganhar. Por isso, pressionam constantemente, de várias formas, para seguir funcionando, independente de quantas vítimas se produzam. Essa dinâmica imparável, também, gera atritos inter-burgueses entre os imperialistas, como a luta pelos carregamentos de máscaras ou de kits de testagem, que se arrebentam entre si nos aeroportos ou nas portas das fábricas chinesas. Essa mesma dinâmica capitalista de busca imparável de lucro torna impossível um acordo dos grandes institutos científicos dos países mais adiantados para buscar de maneira colaborativa uma vacina e remédios para esta doença. Cada monopólio farmacêutico quer produzir por si mesmo e, assim, aumentar seus lucros. Por estas razões, porque vivemos em um regime capitalista, é impossível resolver de fundo a pandemia sem mudar as relações de propriedade capitalista, dos monopólios e da grande burguesia, hoje em dia o maior obstáculo para derrotar a pandemia.