ESTADO ESPANHOL | Militarização e lei da mordaça sob o estado de alarme
Declaração de Luta Internacionalista
Nos 15 dias de estado de alarme, houveram 216.326 multas – mais que as 150.000 da Itália em um mês – e 1.849 detenções. Quase metade das detenções são da Polícia Nacional. E o ministro do interior anuncia que vão reforçar com o exército as patrulhas da polícia e da guarda cívil.
A direção geral da Polícia, em uma nota informativa interna, recomenda priorizar a aplicação da lei de segurança cidadã, conhecida como lei da mordaça, por considerá-la ágil e diferenciada. A maior parte dessas multas são pelo artigo 36, que prevê multas de até 30.000 euros por “desobediência ou resistência à autoridade” ou por “negar a se identificar”. Se aplica sem um protocolo preciso e de acordo com a discrição da força repressiva. A declaração de estado de alarme ainda prevê penas superiores, de até um ano de prisão e 600.000 euros de multa pelo código penal. E, como se a lei da mordaça não fosse suficiente, a recém aprovada lei da “mordaça digital” (Com a abstenção de Unidas Podemos) agora completa o controle direto do movimento de cada pessoa a partir dos geolocalizadores dos celulares, sem necessidade de autorização.
O governo PSOE-Unidas Podemos, que se comprometeu a revogar a lei da mordaça, hoje a aplica. Em 2018 com o governo do PP, se impuseram 48.922 multas. Só há um mês atrás o ministro do Interior declarava a lei da mordaça falida e que sua aplicação havia “colapsado as delegações do governo com denúncias”. Pedro Sanchez havia afirmado “Vamos avançar em direitos, revogando a lei da mordaça, porque nenhuma sociedade realmente livre persegue a liberdade de expressão”.
Os generais condecorados – em uma imagem franquista clássica – tomam o protagonismo dos médicos e cientistas fazendo, diversas vezes, chamados patrióticos de unidade e disciplina militar, pondo o foco na denúncia de vizinhos (Mosso d’Esquadra pede à população que façam chegar as denúncias) que se identificam – em uma linguagem de guerra – como os inimigos. Se eleva à categoria de heróis as forças armadas e os corpos repressivos, com a impunidade que os é garantida com a lei da mordaça.
Ninguém se surpreende que, neste contexto, exista uma infinidade de denúncias e vídeos que demonstram situações humilhantes e detenções com violência policial. Também existem denúncias, como a de SOS Racismo – contra a proliferação de abusos policiais contra a população imigrante. O estado de alarme se transforma – com a lei da mordaça – em um estado de exceção, porque a resposta do governo PSOE- Unidas Podemos antepõem o controle do povo à adoção de medidas concretas para enfrentar a emergência de saúde.
Ada Colau: Militares ou bombeiros?
A ministra titular da Defesa, Margarita Robles, convocou publicamente Pablo Iglesias a ativar as petições de intervenção das forças armadas. Assim foi em Barcelona: No dia 23 de Março a prefeita Ada Colau, de Comuns-Podemos, agradecia à Unidade Militar de Emergência (UME) por sua colaboração para montar em um dos pavilhões da feira de Barcelona, um centro para pessoas sem teto. Diferentemente de Paris, onde os sem tetos foram acolhidos em hotéis, o governo de Colau, em uma cidade com mais de 70.000 hotéis, optou com esse macrocentro, que pode se converter em uma bomba sanitária e social, e ao qual muitos sem tetos resistirão a ir voluntariamente (Algo parecido é o que acontece em Madrid, em um dos pavilhões de IFEMA).
No dia seguinte, três sindicatos (CCOO, CSC, CGT) e pelo menos dez entidades de bombeiros se dirigiram por carta pública à prefeita Ada Colau, pedindo sua maior implicação e se sentindo “subutilizados”. Dizem: “Estamos altamente qualificados/as para o que a cidade necessita agora, somos conhecedores da logística sanitária, sabemos trabalhar em equipe e, como se sabe muito bem, os cidadãos confiam em nós”. A carta segue, se dispondo a dobrar horários sem deixar de realizar as tarefas ordinárias. E acabam pedindo que a prefeita dê as ordens para que sejam ativados.
O governo da Catalunha também pediu uma intervenção da UME para a desinfecção de um centro de menores. A entrada do exército na Catalunha é uma provocação e uma tentativa de limpar a cara do regime.
O vírus da militarização
Nessa crise, estão limpando a imagem do exército, quando o que deveria é estar se denunciando que se gasta com as forças armadas mais que o dobro que com a saúde. Bilhões de euros que hoje o sistema público de saúde necessita.
Com os discursos militares e repressivos, se fomenta a desconfiança entre vizinhos, a delação, o individualismo e o medo. Se impulsiona o aplauso à ação policial, e qualquer um que defenda a quem está sendo reprimido pode ser o próximo multado ou detido. Se coloca na mira o vizinho, quando a responsabilidade dos empresários e do governo é muito maior, que até o último momento mantiveram as empresas abertas, obrigando aos trabalhadores a sair às ruas. Se transfere a culpa ao povo, quando o único culpado é o Estado e seus governos, que estão respondendo tarde e mal à crise sanitária, que desmontaram a saúde pública, que encheram os bolsos da saúde privada e que não se prepararam para enfrentar a epidemia até que ela estivesse no pico.
O governo não somente teme o presente momento da pandemia, mas também o que virá depois. E a militarização será a ponte entre os planos de confinamento e os planos de reconstrução posteriores, sempre apelando à excepcionalidade e à unidade. Pretendem fazer com que nós , trabalhadoras e trabalhadores, paguemos essa conta.
O poder se encastela se re-centraliza, e a seu serviço não somente o PSOE mas também Podemos e IU. Pablo Iglesias em 14 de outubro de 2014, afirmava que a lei da mordaça violava direitos fundamentais e adicionava: “Quando a casta se sente encurralada , recorrem a leis repressivas. Estão nervosos e querem aparar a democracia”. A classe dominante, a casta de Iglesias, se preparam para uma escalada da luta de classes certamente imprescindível, a do pós-coronavírus. É certo que está nervosa e quer aparar a democracia. Talvez, quando chegue o momento desse confronto decisivo, Iglesias e Garzón não estejam já no governo e vejamos chapas de unidade nacional, com colaborações entre o PSOE e o PP. Mas IU e Podemos já terão feito o trabalho sujo à casta.
Desmilitarização e trabalho coletivo
A unidade entre as trabalhadoras e os trabalhadores tem sido sempre o principal instrumento para enfrentar situações de crise. Quando os bombeiros destacam a confiança que os cidadãos têm neles, por oposição à polícia e mais ainda ao exército, sabem que este é um elemento central para manter a colaboração e é a base da verdadeira unidade.
Existem vários exemplos de solidariedade desde o primeiro dia. Tem sido fundamental entre os vizinho a ajuda aos idosas e pessoas com mais dificuldades. Mas vai ser vital e decisiva para a saída da crise. Não vai ter trégua e vão tentar ao máximo atrasar nossa recuperação ao direito de reunião e manifestação. Como vão então abrir mão da lei da mordaça que tanto tem aplicado? Vão querer nos colocar em outra situação de excepcionalidade?
Não podemos deixar as coisas assim. O clamor para que os investimentos consolidem a saúde pública, não pode se apagar nem por um segundo. A crise, que já está instalada, tem que ser paga pelos capitalistas. Não terá trégua e nós estaremos lutando pelo futuro. Uma luta que também estará sendo travada ao mesmo tempo em várias partes do mundo, porque o capitalismo globalizou o problema, mas também é internacional a solução. Hoje é mais que urgente que nunca, levantar a mais ampla unidade, que prepare a mobilização. É mais urgente que nunca construir um partido revolucionário e uma internacional. Porque essa crise voltou a colocar sobre a mesa um dilema de toda a humanidade: Socialismo ou barbárie.