Encarceramento e comunidades: Por uma política para o trabalhador negro e periférico
Comissão de negras e negros
Historicamente as prisões se constituíram como lugares de cárcere da população negra. A dinâmica da luta de classes no Brasil excluiu a população negra da construção do proletariado nacional. Esse lugar, a história mostra que foi deixado para os imigrantes europeus, nesse sentido, a massa de negros e negras vindas do pós-abolição, não tiveram espaço garantido nos meios de produção. Com isso, os espaços para manter a subsistência dessa parte da população sempre foram sempre a informalidade. A falta de políticas públicas no Brasil para a população negra foi usada, de forma intencional, como mecanismo higienista e racista, para apagamento e morte. Sendo assim, as prisões ganham centralidade, o espaço reservado ao homem negro e pobre, ou era o trabalho precarizado, a informalidade ou a prisão.
O medo da chamada “onda negra”, reforçada pela sombra da revolução Haitiana, em que os negros escravizados tomaram o poder, sempre esteve no inconsciente da burguesia nacional. A PM cumpre, portanto, desde a chegada da família real (1808), a tarefa de repressão e proteção da propriedade privada e dos interesses da burguesia e classe dominante. Com isso, a repressão e o aprisionamento em massa da população negra, sempre estiveram no projeto de estado-nação brasileira.
No século XX, o papel repressivo, racista e classista desta Polícia Militar, se aprofundou. Sobretudo nos períodos de bonapartismo e ditadura militar (1930-1945; e 1964-1985), em que os representantes das forças repressivas adquiriram maior espaço institucional em cargos de poder. Generais e ditadores passaram ditar leis que garantiram estas mãos de ferro contra questionamentos políticos, lutas democráticas e greves operárias. Alinhada com o caráter burguês do Poder Judiciário, então, concretizou-se uma verdadeira combinação estrutural anti interesses da classe trabalhadora – em sua maioria, negra.
A Constituição de 1988, chamada de “cidadã” pelos partidos da ordem e mídias burguesas, infelizmente não encerrou este ciclo paramilitar da polícia, não unificou as forças em apenas uma polícia civil, cujo intuito fosse o de garantir efetiva segurança e prestar cidadania à sociedade, e também o de garantir direitos políticos aos próprios trabalhadores da área de segurança pública, que até hoje são proibidos de realizar greves e reivindicar melhores condições de trabalho.
Encarceramento e extermínio: faces do racismo estrutural a serem combatidas.
O aumento da população carcerária no mundo é um dado importante na análise sobre o projeto neoliberal em curso, e mostra que mesmo sob a administração de governos “progressistas” este número vem aumentando ano após ano. “Entre 2000 e 2015, enquanto os EUA aumentaram em 14% sua população carcerária, no Brasil houve uma alta de aproximadamente 170%.” ¹
Contudo, a agenda ultrarreacionária da extrema-direita que governa os países, como Bolsonaro e Sérgio Moro aqui no Brasil, é assustadoramente aprofundada com políticas de extermínio legalizadas nas favelas, morros e periferias Brasil afora. Por exemplo, o chamado “Pacote de Lei Anticrime”, apresentado em 2019 pelo ministro da Justiça ao Congresso Nacional, apresenta uma verdadeira permissão para matar por parte do aparato armado, já que propõe o “excludente de ilicitude” aos policiais que matarem sob a justificativa de “ação por legítima defesa”. Isto é, não seriam punidos aqueles alegassem terem atirado e matado alguém. Sem dúvidas, aprofundaria a situação de extermínio da população e juventude negra, principal alvo das operações militares nas periferias brasileiras.
A realidade atual nos mostra um país com números de guerra civil. Dados do Atlas da Violência de 2019, elaborado pelo IPEA, apontam: “Segundo os dados oficiais do […] (SIM/MS), em 2017 houve 65.602 homicídios2 no Brasil, o que equivale a uma taxa de aproximadamente 31,6 mortes para cada cem mil habitantes. Trata-se do maior nível histórico de letalidade violenta intencional no país […]”. E ainda escancara o abismo racial dentre aqueles que são assassinados intencionalmente: “Em 2017, 75,5% das vítimas de homicídios foram indivíduos negros […], sendo que a taxa de homicídios por 100 mil negros foi de 43,1, ao passo que a taxa de não negros (brancos, amarelos e indígenas) foi de 16,0.”.
Trata-se de números recentes que detalham a realidade racista existente em nosso país, contrariando os falsos-discursos entoados pelo presidente Bolsonaro, de que aqui não há racismo, mas sim, vitimismo de pequenos grupos que somente almejam “viver de benefícios às custas do governo”. Afinal, em sua cabeça de papel, todos têm condições de chegarem onde quiserem… “é só querer”.
Retomando ao tema do encarceramento: o aumento da massa de presos – exposto anteriormente -, só reforça que o encarceramento, sobretudo da população negra e empobrecida, cresceu ano a ano neste século, demonstrando que para sobreviver dentro de suas contradições, mesmo sobre administrações Lulo-Petistas, o projeto dos governos de gestão do capital nunca abriu mão das prisões.
No Brasil, existem pouco mais e 800 mil encarcerados e mais de 60% destes são negros (dados do CNJ). Do total de presos, aproximadamente 30% tem sua condição motivada por tráfico de drogas. A grande causa para esta elevação super crescente foi à Nova Lei de Drogas (11.343/2006), sancionada por Lula. Trata-se de uma lei racista e segregadora social e racialmente, pois impõe, em relação às penas, ao julgamento que o juiz considere estereótipos, como no segundo inciso do capítulo III (DOS CRIMES E DAS PENAS): “§ 2o Para determinar se a droga destinava-se a consumo pessoal, o juiz atenderá à natureza e à quantidade da substância apreendida, ao local e às condições em que se desenvolveu a ação, às circunstâncias sociais e pessoais, bem como à conduta e aos antecedentes do agente.”. Em outras palavras, se o abordado for pobre, negro, estiver em uma periferia e contiver mesmo que uma pequena quantidade, será enquadrado no xadrez. Isso porque sabemos que um usuário de cocaína, como é Aécio, dificilmente será abordado de maneira abrupta ou preso por ser usuário de uma droga ilegal. Para vermos como a atualização da lei intensificou o encarceramento, em 2000 havia cerca 230 mil presos; e em 2006 o índice de presos pelo tráfico era de apenas 14%. Em 2014 há um salto de mais de 620 mil, sendo deste total 55% de jovens, e 40% do total é de presos provisórios, ou seja, sequer receberam uma sentença, mas ainda assim, é levado aos presídios e penitenciárias, o que gera superlotação, más condições para abrigar tantas pessoas, uma difícil possibilidade de ressocialização e cada vez mais cenas de rebeliões e motins por justas reivindicações de melhores amparos nas cadeias.
Caminhando desta forma, a guerra às drogas se transforma em mais um elemento de repressão contra a juventude negra. O jovem assim se transforma no alvo preferencial, combinando a criminalização da pobreza ao racismo como elementos principais de aprisionamento. Neste aspecto, concordamos com o que aponta o Movimento Negro Unificado: “A “guerra às drogas”, tal como está colocada em nosso país, comunga com o que identificamos como “criminalização da pobreza”, e a ilegalidade de determinadas substâncias psicoativas têm servido de substrato principal para a marginalização da juventude pobre moradora de periferias das grandes e pequenas cidades.” (http://mnu.org.br/jornal_
Em 2015 o PSOL entrou com uma ação no judiciário, questionando “ações e omissões” do Estado brasileiro em relação à situação prisional. A partir daí, tanto o STF como o Conselho Nacional de Justiça concluíram que medidas precisavam ser tomadas.
Consideramos estas ações institucionais importantes, ainda mais quando revertem leis e possibilitam melhores condições a explorados e oprimidos dentro do estado capitalista. Contudo, compreendemos que somente a unidade nas lutas, ruas e greves, entre o movimento negro e de trabalhadores é que poderemos modificar radicalmente esta situação. Até porque, estas mesmas instituições historicamente sempre corroboraram e legitimaram inúmeras leis negacionistas aos nossos direitos.
A violência é subproduto da sociedade capitalista em crise. Ao passo em que governos de todo o mundo, sobretudo nos países pobres e de economia considerada emergente, e atrasados socialmente, retiram direitos e verbas públicas das áreas sociais, este problema social de longe terá fim. Neste sentido, atacar a fonte de recursos dos grandes proprietários e banqueiros, para que sejam revertidos para investimento em educação, esporte, lazer e cultura, é fundamental para irmos até a raiz dos problemas.
A raiz se chama Dívida Pública, e seu mecanismo é devastador para aprofundar a situação de vida de negros e negras da classe trabalhadora. A suspensão de seu pagamento possibilitaria o Estado brasileiro repartir mais de R$1 trilhão por ano, deixando de transferir verbas públicas aos grandes capitalistas. Emprego, salário, renda, escolas e creches bem equipadas, categorias de trabalhadores valorizadas e uma condição social incomparavelmente melhor a que vivemos hoje seriam parte da equação para retirar da marginalidade a negritude marginalizada por este próprio sistema capitalista e pelos governos e patrões que o administram.
O impacto do Coronavírus nas favelas e periferias
No Brasil os negros e negras morrem por violência policial e agora também são alvos do Coronavírus e do ódio de classe da elite brasileira. A fala que viralizou nas redes do dono do Madero elucida bem como o governo Bolsonaro e seus correligionários olham para as comunidades nesse momento, é uma oportunidade de higienização social.
A quarentena total é hoje a principal política para conter a disseminação do vírus. Mas como implementar o distanciamento social para aqueles que vivem em barracos de palafita, aglomerados em um, ou no máximo dois cômodos em moradias precárias ou sequer têm moradias para se isolarem? Como lavar a mãos se você não tem acesso à água corrente e sabão, tampouco ao álcool em gel, e o saneamento básico não contempla 44% da população brasileira (PNAD 2008). A verdade é que são anos de negligência e desamparo.
Todos são afetados pela crise de coronavírus, porém as maiores vítimas serão aquelas historicamente foram marginalizadas pelas políticas de austeridade. Esta crise escancara a exclusão e a desigualdade social brasileira originada no racismo estrutural. As políticas de exclusão e ausência de acesso à saúde básica e assistência social, por meio da EC 95 (tetos dos gastos) serão sentidas agora com mais força. Por isso exigimos medidas emergenciais para a população pobre e negra, que tenhamos acesso às medidas preventivas de disseminação do vírus, como álcool e máscaras gratuitas.
Além disso a nossa central, a CSP-Conlutas, apresenta uma plataforma emergêncial que impulsionamos (ver https://www.cstuit.com/home/index.
No caso dos movimentos negros também estão sendo construindas plataformas de reinvindicações para o povo negro e pobre das favelas, entre eles citamos as propostas da Central Única das Favelas (CUFA):
• Distribuição gratuita de água, sabão, álcool 70º em gel e água sanitária em quantidade suficiente para cada morador das favelas brasileiras.
• Organização em mutirões do Sistema S e das Centrais de abastecimento para a distribuição de alimentos durante os meses de março, abril, maio e junho, meses em que são esperadas muitas pessoas infectadas pelo novo Coronavírus. Essa distribuição de alimentos, principalmente para as famílias que tenham crianças, idosos ou pessoas com maior risco de contraírem a Covid19, é uma medida humanitária urgente: tanto para manter a alimentação para as crianças que não frequentarão escolas, quanto para manter a integridade imunológica das pessoas mais suscetíveis ao vírus.
• Ampliação das equipes de saúde da família para prevenir e informar as favelas, para que se evite lotação nos hospitais.
Além disso, a partir deste método de luta permanente para obtenção de conquistas, apresentamos as seguintes medidas importantes:
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Suspensão imediata das dívidas externas e a dos estados com a União! Pela garantia de direitos e serviços básicos de qualidade com caráter pública, gratuito e universal.
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Que todos os imóveis desocupados da rede hoteleira e imobiliária sejam direcionados gratuitamente aos moradores de favelas para evitar aglomerações.
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Desmilitarização da Polícia Militar! Unir as polícias em uma única polícia civil, com formação humanizada e garantia de direitos políticos aos trabalhadores da segurança pública e proibição expressa de reprimir os movimentos sociais sociais.
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Descriminalização e legalização de todas as drogas! Basta de extermínio da juventude negra e pobre nas favelas e periferias sob o pretexto de “guerra às drogas”.
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Libertação imediata de todos os presos provisórios que ainda não foram julgados!
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Celeridade de julgamentos sob a conformação de júris populares indicados por organizações independentes do Estado, como MNU, CUFA, UNEGRO, UNEafro e OAB!
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Que praticantes de crimes sem violência, considerados pequenos, tenham migrem ao regime aberto e tenham direcionamento a penas alternativas (trabalho comunitário em escolas, bairros etc.).
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Reforma para boas condições dos presídios e penitenciárias para melhores condições de ressocialização.
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Enquanto durar a pandemia que a gestão do sistema prisional seja compartilhada com as entidades dos direitos humanos e familiares dos presos, encaminhando medidas efetivas de higiene dos ambientes, fim da superlotação nas celas, dignidade nos banhos de sol, das visitas em condições sanitárias adequadas e dignas para cônjuges de presos.
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Oportunidades de emprego e qualificação profissional dentro e fora dos presídios. Basta de preconceito e segregação aos ex-detentos!
Diante da crise do Novo Coronavírus: reduzir a detenção e antecipar saídas para diminuir aglomerações internas.