Entrevista | Deputado Renato Roseno fala sobre a Reforma da Previdência cearense
Entrevistamos o deputado estadual do PSOL no Ceará, Renato Roseno, para saber um pouco mais sobre a reforma da previdência aplicada nesse Estado nordestino pelo governador Camilo Santana. O companheiro Roseno explica como se deu a batalha contra o projeto e quais as perspectivas para essa luta.
Combate Socialista Qual o argumento do governo Camilo Santana para aplicar a reforma da previdência estadual? E qual a posição do PSOL?
Renato Roseno A primeira palavra que nos veio à mente quando nos deparamos com essa proposta de reforma da previdência estadual foi ‘covardia’. Uma covardia inominável que afeta mais de 150 mil servidores, entre ativos, inativos e pensionistas. Ela reproduz no Ceará os efeitos perversos da reforma feita por Bolsonaro e Guedes no âmbito nacional – que atende exclusivamente os interesses do grande capital em detrimento dos direitos dos trabalhadores – e foi apresentada a poucos dias do fim do ano legislativo, para ser aprovada a toque de caixa pela base governista, sem permitir o debate público com os servidores e com a sociedade cearense.
A principal justificativa para as mudanças foi a Portaria nº 1.348/2019, publicada no dia 4 de dezembro pela Secretaria Especial de Previdência e Trabalho do Ministério da Economia – SEPRT/ME. Por meio dela, o Governo Bolsonaro estabelece a estados e municípios a adoção de mudanças nos Regimes Próprios de Previdência Social (RPPS), com base na Reforma da Previdência promulgada em novembro. O prazo é 31 de julho do próximo ano e a sanção, em caso de descumprimento, é a não renovação da Certidão de Regularidade Previdenciária (CRP), necessária para receber repasses voluntários, celebrar convênios com o Governo Federal e obter empréstimos com aval da União.
No nosso entendimento, esse argumento é insustentável e muito frágil. O governo alterou a nossa maior norma jurídica, que é a Constituição Estadual, por causa de uma portaria, que é uma norma precária e de natureza administrativa. Além disso, existem quatro Ações Diretas de Inconstitucionalidade tramitando no STF contra a reforma feita pelo governo federal. Ou seja, mesmo a reforma federal não é algo pacificado. Por fim, não houve ainda a aprovação da PEC paralela. Portanto, essa não é uma obrigatoriedade derivada de norma constitucional. É uma covardia contra os trabalhadores e as trabalhadoras e contra os direitos sociais.
Ela reproduz no Ceará os efeitos perversos da reforma feita por Bolsonaro e Guedes no âmbito nacional
CS Como reagiram os movimentos sociais ? E como foi a audiência pública realizada na Assembleia?
RR Os movimentos sociais e os servidores públicos do Estado protestaram duramente contra o projeto. Representantes de diversas categorias lotaram a audiência pública realizada no dia 16 de dezembro e pediram a retirada de pauta do projeto. Os servidores também ameaçaram entrar em greve e denunciaram que a culpa de um suposto rombo previdenciário no Estado não é culpa deles, não é responsabilidade do funcionalismo. A gramática da política é a gramática da correlação de forças: a mobilização dos servidores e das servidores será a única linguagem que o Palácio da Abolição vai entender para abrir um canal de negociação.
CS A tramitação do projeto foi democrática? No dia da votação houve repressão e os portões estavam fechados para o povo?
RR Não. Primeiro porque o governo Camilo se furtou ao diálogo com o funcionalismo e mandou que a base governista votasse a reforma de forma urgente. Acontece que uma Proposta de Emenda Constitucional (PEC) segue um procedimento especial de votação e não pode ser colocado em regime de urgência. De toda forma, foi assim que o governo Camilo aprovou mais uma perversa reforma da previdência estadual, tema complexo que mexe com a vida de dezenas de milhares de servidores e servidoras.
Além disso, a votação foi marcada pela violenta repressão da polícia do governador aos servidores e às servidoras que se manifestavam do lado de fora da Assembleia. Os representantes e as representantes do funcionalismo foram impedidos de acessar as galerias do Legislativo para acompanhar a votação. A polícia utilizou bombas de efeito moral e spray de pimenta contra os manifestantes, formados majoritariamente por professores e professoras, entre outras categorias.
O governo impôs regras amargas e perversas aos servidores estaduais, a exemplo do aumento da alíquota, dos cortes nas pensões e das regras de pedágio na transição. E ainda reprimiu violentamente as manifestações dos servidores.
CS Como votaram os deputados do chamado campo progressista (PT, PDT, PCdoB, PSB) ?
RR Ao todo, apenas oito deputados foram contra a reforma da previdência estadual. Além do nosso voto, foram contrários à proposta parlamentares do PCdoB (1), Republicanos, (1), PSDB (2), Solidariedade (1) e PROS (2). 34 deputados votaram favoravelmente, incluindo deputados da base governista e da oposição. Os votos ficaram assim divididos: PSL – 1; PT – 4; SD – 1; MDB – 4; PDT – 12; PSB – 2; PCdoB – 1; PL – 2; PP – 3; PSD – 2; DEM – 1; Cidadania – 1. Houve três ausências e o presidente da Assembleia não votou.
CS Quais os próximos passos da luta e quais as propostas do PSOL?
RR Nós levamos à justiça o debate sobre a reforma da previdência estadual. Por meio de uma Ação Popular, nós questionamos a legalidade da portaria 1.348, do Ministério da Economia (ME), que o governo estadual utiliza como justifica para suas propostas de alteração das regras previdenciárias dos servidores. O processo foi distribuído para o juiz federal Leonardo Resende Martins, da 6ª. Vara da Justiça Federal do Ceará.
Como falei anteriormente, a portaria é mera disposição administrativa e não constitui lei no sentido formal. Portanto, é uma norma precária, não pode tratar, por exemplo, de matéria prevista para lei complementar, que é o que prevê o artigo 9º, da EC 103/2019. A publicação da portaria por parte do Ministério da Economia consiste em quebra grave do princípio federativo e exorbitação de ato administrativo.
Além disso, também impetramos um mandado de segurança no Tribunal de Justiça do Ceará contra a tramitação em regime de urgência da matéria. A Proposta de Emenda Constitucional n° 17/2019, que trata de mudanças na previdência estadual, iniciou sua tramitação na Assembleia Legislativa no dia 10 de dezembro de 2019. O processo legislativo de uma proposta desse tipo possui rito especial definido tanto na Constituição de Estado do Ceará quanto no Regimento Interno da Assembleia Legislativa do Estado do Ceará.
De acordo com o art. 342 do Regimento Interno, esse tipo de proposição deve, após o início de sua tramitação, permanecer em pauta durante 10 dias antes de seguir para deliberação na Comissão de Constituição, Justiça e Redação, assim como para outras comissões temáticas que lhe caibam. Não foi o que aconteceu durante a tramitação da matéria, que foi aprovada a toque de caixa pela base governista.