Editorial Contrapoder, Nº9 : A hora e a vez da universidade pública
O governo Bolsonaro desfere golpes atrás de golpes contra a Educação. Mais do que uma consequência indesejável e conjuntural do ajuste fiscal, os ataques à comunidade universitária e científica obedecem a uma política deliberada de liquidar o que ainda resta do arremedo de sistema nacional de educação. Que contradição com a apologia da Educação como panaceia para os problemas nacionais!
Em sua visão ressentida e simplória de mundo, o ex-capitão encarna os imperativos do capital sem nenhuma mediação. Entende os ataques à universidade como elemento estratégico de sua guerra contra o “marxismo cultural” que estaria envenenando a sociedade brasileira. É um delírio funcional ao projeto burguês de desmanche de qualquer vida inteligente.
Com o abandono definitivo da industrialização nacional e a rejeição de qualquer veleidade democrática, para a burguesia brasileira a universidade pública tornou-se um luxo caro e perigoso. Se o futuro da economia brasileira está condicionado a uma posição cada vez mais rebaixada na divisão internacional do trabalho, para que ter uma força de trabalho qualificada? Na ausência de um projeto de autonomia nacional, qual a necessidade de uma intelligentsia própria? Se os valores republicanos associados à liberdade, igualdade e fraternidade ameaçam o aprofundamento da segregação social, por que tolerar o pensamento crítico?
Em relação às contrarreformas privatizantes dos governos Fernando Henrique Cardoso e Lula, a mudança proposta por Bolsonaro é qualitativamente diferente. O “Future-se” compromete irremediavelmente a autonomia financeira, administrativa e acadêmica das universidades federais, promove a total mercantilização do ensino superior e entrega o patrimônio das universidades à especulação financeira. O objetivo é submeter irremediavelmente professores, estudantes e pesquisadores aos imperativos dos negócios e subordinar integralmente o conhecimento à lógica do capital.
A reação contundente da comunidade acadêmica da Universidade Federal de Santa Catarina, que se insubordinou contra o “Future-se”, indica a forma de barrar a ofensiva reacionária. A ofensiva de Bolsonaro contra a universidade pública será inviabilizada, de baixo para cima, pela rebelião dos estudantes, professores e trabalhadores. A mobilização do mundo acadêmico contra o obscurantismo mercantil e autoritário é, sem dúvida, um requisito necessário, mas certamente insuficiente, para derrotar os interesses espúrios que conspiram contra a universidade pública. Com o abandono definitivo de qualquer projeto de autonomia nacional, a burguesia transforma o ensino superior num grande negócio.
Para que a luta em defesa da universidade pública não fique entrincheirada em torno de um modelo historicamente condenado, que desagrada gregos e troianos, é urgente propor mudanças que enfrentem de fato a crise estrutural da universidade pública brasileira. Nem a lenta agonia da ala moderada do neoliberalismo nem a liquidação fulminante de sua ala extremada serão capazes de assegurar a sobrevivência da universidade pública. Para os trabalhadores, ela é fundamental. Condenados à ignorância, sem autonomia de pensamento, não poderão vencer as mazelas do capitalismo dependente, superar o colonialismo cultural e tecnológico, e enfrentar os desafios do século XXI.
A superação da profunda crise que ameaça a universidade pública brasileira depende de reformas estruturais que a coloquem finalmente a serviço das necessidades dos trabalhadores, viabilizando um sistema que garanta acesso universal ao ensino superior, professores bem pagos e com boas condições de trabalho, autonomia de gestão administrativa e financeira, plena liberdade de pensamento, estudantes com dedicação integral, conhecimento orientado para a emancipação do trabalho, superação do colonialismo cultural e preservação do meio ambiente, mais recursos para a pesquisa científica e desenvolvimento tecnológico.
No entanto, a universidade não é uma torre de marfim, independente de seu contexto histórico. Para que a defesa da universidade pública não fique numa estratégia defensiva estéril, é preciso ter claro que uma universidade pública comprometida com a compreensão e solução dos problemas fundamentais dos trabalhadores não será possível sem mudanças econômicas e sociais de grande envergadura. Mais do que nunca, a luta pela universidade pública e gratuita confunde-se com a luta pela superação do capitalismo dependente.
Editorial Contrapoder — 09/09/2019