“O FUTURE-SE é uma reestruturação orçamentária por uma lógica privatista”
O Ministro da Educação recentemente apresentou sua política de desmonte da educação, o Future-se. Para compreender melhor esse projeto entrevistamos a Professora Marinalva Silva Oliveira, da Faculdade de Educação da UFRJ. A companheira tem um longo histórico de lutas em defesa da educação, já presidiu o ANDES-SN e atualmente é Secretaria Geral do PSOL em Niterói.
Combate Socialista: Ao mesmo tempo em que corta recursos das universidades o governo divulga o Future-se como uma “alternativa de financiamento”. Qual o objetivo?
Marinalva: O programa FUTURE-SE foi projetado como parte da política de cortes nas Universidades e Institutos Federais públicos. Os últimos governos realizaram cortes drásticos orçamentários, ou seja, subfinanciaram e asfixiaram as instituições para oferecer como medida de salvação a privatização. Só esse ano foram cortados 6,1 bilhões, afetando o funcionamento das Universidades e Institutos, obrigando-os a paralisar atividades a curto prazo, e oferece como saída a privatização. O FUTURE-SE é uma reestruturação orçamentária por uma lógica privatista, estimulando captação de recursos por meio de parcerias público-privadas, entrega do patrimônio público para exploração direta pelo capital, cedendo prédios, criação de fundos com doações e até vender nomes de campi e edifícios, como substituição do financiamento público pelo privado. Ou seja, estão em disputa dois projetos de universidades, pois a solução para mantê-las públicas e gratuitas seria revogação da EC 95, suspensão da ilegal dívida pública, que consome metade do orçamento da União, fim das desonerações milionárias concedidas a empresas privadas etc.
CS: O projeto é direcionado pela lógica das OS’s e das PPP’s. Qual sua opinião?
Marinalva: As Organizações Sociais (OS) surgiram no Brasil no governo FHC, inseridas na lógica de Contrarreforma do Estado e está diretamente relacionada com a transformação do Estado sob uma ótica gerencial, própria da iniciativa privada. O papel das OS, no programa FUTURE-SE, será apoiar ensino, pesquisa e extensão e também auxiliar na gestão patrimonial dos imóveis das instituições participantes do programa. É uma entidade privada que tem como objetivo realizar – com recursos públicos – essas atividades. Essas medidas visam diminuir a participação do Estado, e abrir espaço para a reprodução do Capital em políticas sociais como educação, transformando-as em mercadorias. Esse programa FUTURE-SE é o aprofundamento do processo de privatização das Universidades e Institutos federais, iniciado de forma mais contundente no governo de FHC e com sequência nos governos de Lula e de Dilma Rousseff. Neste modelo o dinheiro é publico, mas o lucro é privado! Nesse modelo gerencial e privatista, tem um viés ideológico e econômico, pois nessa lógica não haverá autonomia intelectual, liberdade acadêmica e muito menos autonomia das instituições para democraticamente definirem suas prioridades.
CS: O future-se ocasiona alguma interferência na autonomia universitária e no tripé ensino-pesquisa-extensão?
Marinalva: No FUTURE-SE o MEC desloca do preceito “autonomia de gestão financeira” para “autonomia financeira”. Esvazia a autonomia nos termos do Art. 207/CF para autonomia de mercado. Dessa forma, desresponsabiliza a União da obrigação de financiar as IFES, segundo preceitos constitucionais, e coloca como meta que as Universidades e Institutos busquem autofinanciamento no mercado financeiro. Ainda, passa a gerência das Universidades e Institutos para as OS, verdadeiro ataque a autonomia e democracia interna, como tentativa do governo federal de controlar as instituições públicas.
Quebra da indissociabilidade ensino, pesquisa e extensão, pois serão eixos separados, e atribui às instituições competências que pertencem às empresas com submissão da pesquisa e da ciência aos interesses do mercado. É o fim da autonomia da pesquisa, e em especial as da área social. Esse programa tem muito mais a ver com a interferência na gestão do que com o objetivo de trazer novos recursos para as Universidades e Institutos, pois a criação do Fundo Privado será composto por parte de nossos recursos públicos (50 bilhões) e administrado por instituição financeira privada. A idéía de interação ente o público e privado é falaciosa, pois o que o programa FUTURE-SE apresenta é apropriação privada dos poucos recursos e bens públicos.
CS: O future-se pode aumentar ou diminuir a democracia universitária?
Marinalva: A democracia universitária está diretamente ligada a autonomia pelo direito e pelo poder de definir as normas do tripé ensino, pesquisa e extensão. É essa autonomia que garantirá os mecanismos de decisão, controle e gestão: autonomia institucional, intelectual e de gestão financeira. O FUTURE-SE vem na contramãoo deste preceito e justamente por isso, será o fim da democracia interna. Uma empresa, como OS, tendo o poder de gerenciar a Universidade na concepção empresarial e empreendedora, colocará fim a todas as conquistas do princípio da gestão democrática, que assegura a participação da comunidade universitária em todas as instâncias deliberativas.
CS: Quais possíveis problemas nas relações trabalhistas nas universidades?
Marinalva: O FUTURE-SE, caminho pavimentado pela Lei de Inovação tecnológica (2004) e Marco Legal de C&T (2016), cria um conjunto de incentivos para que os/as docentes se dediquem muito mais a produzir para o mercado do que para o setor público. No Plano de ação do programa FUTURE-SE, contem metas de desempenho, indicadores e prazo de execução; sistemática de avaliação e gestão de pessoal, isso por si só é um ataque aos Planos de Cargos Carreiras e Salários das IFES. Os/as docentes poderão buscar recursos às produções acadêmicas que sejam de interesse do mercado. Isso descaracterizará a dedicação exclusiva, que a princípio tem seu nexo com o conceito de universidade pública, para que os/as docentes possam ser agentes em busca de lucros e benefícios pessoais: docentes empreendedores. Isso significa precarização e achatamento salarial com fim da carreira, fim da parca autonomia universitária, ataques à democracia e cerceamento de liberdade. Outra questão é que as OS poderão realizar contratação de técnicos-administrativos e docentes, para baratear os custos e enxugar a folha de pagamento, com flexibilização dos direitos dos/das trabalhadores/as, mas fundamentalmente à qualidade dos serviços públicos prestados. Isso ocorreu na Saúde pública ao aderirem ao modelo de OS, e o resultado foi a precarização das condições de trabalho, alta rotatividade e assédio dos/das trabalhadores/as. O FUTURE-SE pode significar na prática o fim da carreira docente e dos/as técnicos-administrativos/as, e levaria a uma fragmentação dessas categorias perdendo o sentido da relação coletiva e sindical. É uma lógica, a partir da qual toda a comunidade acadêmica passaria a ser vista como mercadoria, valendo em função do que produzir ao mercado.
CS: Para o governo as universidades são uma “balburdia”. Qual a importância das Instituições públicas hoje e quais alternativas para resolver a situação das universidades?
O Ministro da educação ao classificar as Universidades como “balburdia”, representa interesse do setor hegemônico do capital para torná las parte de um acordo político de sustentação de poder, concedendo aos setores privados para exploração e espoliação , que podem garantir ganhos imediatos e do seu exclusivo interesse. As Instituições públicas são importantes patrimônio social e se caracterizam pela universalidade na produção e transmissão do conhecimento, constituindo-se como de interesse público. A condição básica para o desenvolvimento deste papel é sua capacidade de assegurar uma produção de conhecimento crítico, que respeite a diversidade e o pluralismo. Ocorre que nos últimos anos, foram implantadas algumas medidas contra a universidade pública: cortes de recursos e redução de investimentos em favor de programas como ProUni e Fies, criação de Fundações ditas de apoio, Lei de Inovação Tecnológica, Plano Nacional de Educação privatista, Reuni, como expansão precarizada sem qualidade e condições necessárias para o ensino, a pesquisa e a extensão, Marco legal de C&T, várias normas e decretos atacando a autonomia universitária, Ebserh e outras iniciativas que atingem direitos trabalhistas como Reformas Trabalhista e Sindical, a precarização intensa do trabalho, o Funpresp e o Sistema Nacional de Avaliação. Todas estas medidas estão a serviço do setor hegemônico do capital e precisamos recompor as forças na luta para exigir que o Estado não tome a educação como gasto público e sim como investimento social e político, o que só é possível se a educação for considerada um direito e não um privilégio. A Universidade Pública é um direito universal das pessoas, portanto a sua defesa é pela ampliação de participação, principalmente, das classes populares, e para isso é necessário combater a privatização, no momento o FUTURE-SE, e impedir que um bem público seja apropriado pelo privado. É, portanto, romper com o modelo proposto com a pretensão de resolver os problemas da educação superior por meio da privatização das universidades públicas. Isso passa por revalorizar a docência e a carreira dos/as técnicos-administrativos/as, que foi desvalorizada por politicas de avaliação produtivista e meritocrática. Queremos uma universidade que interaja com toda a sociedade e que forme os sujeitos históricos para uma transformação radical, para isso é imprescindível que ocorra manutenção e ampliação do ensino público e gratuito, autonomia e funcionamento democrático, dotação de recursos públicos orçamentários suficientes para o ensino, pesquisa e extensão, garantia do direito à liberdade de pensamento, reais condições de estudo com acesso e permanência dos/das estudantes. Essa luta é da comunidade interna e externa a Universidade pública. Luta que se faz com a construção coletiva e pela base com os diversos segmentos como docentes, técnicos/as, estudantes e terceirizados/as. A Universidade pública não está em negociação, portanto, não há o que ser negociado com o FUTURE-SE. O FUTURE-SE precisa ser barrado no todo, pois destrói o caráter público, democrático e autônomo da Universidade que defendemos.
(Publicado na edição n° 101 do jornal Combate Socialista)