Contrapoder, Editorial nº 1 — Balanço do primeiro semestre
Um importante setor da esquerda anticapitalista, conformado por organizações políticas, militantes dos movimentos sociais e intelectuais marxistas, impulsiona uma nova plataforma, denominada de Contrapoder.
Em sua apresentação o espaço se coloca aberto à participação “de forças políticas e militantes comprometidos com: “* A crítica e a superação do programa democrático-popular — que ainda hoje hegemoniza a maior parte da esquerda brasileira; * A superação do lulismo — críticos, portanto, ao PT e aos governos de Lula e Dilma e refratários à construção de alternativas estratégicas, inclusive eleitorais, com tal partido; * A construção da unidade de ação da classe trabalhadora contra os ataques do capital, sem abrir mão da independência política e da crítica às pressões oportunistas e reformistas que influenciam parcelas da classe; * A defesa da construção de uma alternativa estratégica, agrupando o PSOL, o PCB, o PSTU, coletivos políticos, movimentos sociais e militantes comprometidos com a organização independente da classe trabalhadora; e * A revolução socialista como único horizonte estratégico capaz de deter o avanço da barbárie capitalista“.
A CST (Corrente Socialista dos Trabalhadores) esta engajada nesse projeto. Para ajudar a ampliar o alcance dessa iniciativa disponibilizamos o primeiro editorial coletivo do Contrapoder, avaliando os primeiros meses do governo Bolsonaro.
Boa leitura!
Editorial nº 1 — Balanço do primeiro semestre
(disponível em Contrapoder)
Os seis primeiros meses de 2019 evidenciaram o absoluto fiasco da via liberal-autoritária, encarnada no patético governo Bolsonaro, como solução para os problemas objetivos dos brasileiros. A radicalização dos ataques aos direitos dos trabalhadores, o desmonte das políticas sociais, a ofensiva contra o meio ambiente, a violência como método para a solução dos conflitos sociais e o obscurantismo como distopia aceleraram e aprofundaram o desmanche da Nação.
O fundamentalismo neoliberal de Paulo Guedes reforçou as tendências recessivas e agravou o desemprego. A intenção de governar acima das instituições — a chamada “Nova Política” — acirrou a crise política. Sem condição de transformar suas delirantes veleidades tirânicas em realidade, Bolsonaro tornou-se um simulacro de presidente que, interditado de fato pelo Congresso Nacional e pelo STF, ficou reduzido a sobreviver da exploração de sua própria caricatura nas redes sociais. A cruzada moralista sucumbiu na absoluta falta de moral dos inquisidores. As graves denúncias que envolveram o círculo íntimo do presidente, com destaque para o envolvimento de seu filho senador em lavagem de dinheiro com milicianos, desqualificaram logo de saída os brucutus que assumiram o Planalto. A desmoralização foi completa quando os diálogos vazados da Operação Lava Jato revelaram que o Ministro Sérgio Moro comportava-se como verdadeiro “Juiz Ladrão”, não respeitava a Constituição e tinha partido tomado.
A ofensiva reacionária contra tudo que representa uma conquista civilizatória encontrou forte resistência popular. Sem se intimidar com as ameaças de violência política vociferadas pela ultradireita, o sentimento anti Bolsonaro impulsionou, desde a base da sociedade, um ascenso das mobilizações de massa. O carnaval de 2019 foi uma catarse contra a ignorância reacionária de Bolsonaro. Em defesa da educação pública e da Previdência Social, estudantes e trabalhadores protagonizaram greves nacionais e manifestações multitudinárias, com destaque para a contundente greve geral de 14 de junho. A queda no prestígio do presidente recém eleito foi imediata e vertiginosa, superando a de todos os presidentes anteriores.
A tentativa de Bolsonaro de retomar a iniciativa política pela convocação de manifestações contra o Congresso Nacional e o STF funcionou como um tiro no pé. A fraca capacidade de mobilização da extrema direita — bem menor do que a dos setores contrários ao governo e muito aquém do que seria necessário para confrontar as instituições — escancarou sua debilidade. Ignorante de seu verdadeiro papel na reorganização do padrão de dominação, o ex-capitão tornou-se um estorvo para a própria burguesia. Se ousar ir além do permitido pelas regras do jogo e atrapalhar os planos dos interesses mercantis que realmente mandam no Brasil, corre sério risco de ser deposto pelo andar de cima. Mourão que o diga.
Perfeitamente enquadrada nos marcos do cretinismo parlamentar, a esquerda da ordem é incapaz de converter a insatisfação latente na sociedade em vontade política organizada. Mais preocupada em capitalizar o desgaste do desastre do governo Bolsonaro nas urnas do que em construir força política real para barrar a marcha insensata dos acontecimentos e abrir novos horizontes para a sociedade brasileira, PT e aliados, antigos e recém chegados, fazem uma oposição protocolar. Em vez de apostar nas ruas, negociam no Congresso Nacional e até mesmo com o Executivo Federal uma reforma da Previdência menos brutal. Ao deixar todas as iniciativas estratégicas nas mãos da oposição liberal, capitaneada por Rodrigo Maia, a agenda das contrareformas vai sendo imposta implacavelmente goela abaixo dos brasileiros.
O abismo que separa a efervescência dos de baixo e a profunda acomodação das lideranças que compõem a esquerda da ordem evidencia a falência dos instrumentos políticos criados nas últimas quatro décadas. Sem coragem e criatividade para ir além dos parâmetros do jogo parlamentar, as alternativas políticas ficam restritas à miséria do possível. Acenando com um impossível retorno aos supostos dias gloriosos do neodesenvolvimentismo, a esquerda da ordem não será capaz de levantar a população contra o consenso burguês que busca uma saída antipopular, antinacional e antidemocrática para a crise nacional.
Na ausência de um projeto civilizatório alternativo, mais tempo, menos tempo, a burguesia encontrará a forma autoritária que melhor lhe convém para garantir a continuidade de seu projeto de reversão neocolonial. Para os que lutam contra a barbárie capitalista, o desafio histórico é dar voz à rebeldia que fermenta nas placas tectônicas da sociedade brasileira. Sem uma verdadeira “intervenção popular” não há solução civilizada para o impasse histórico que envenena a vida dos brasileiros. A tarefa imediata é construir o dia de protesto programado para o 12 de julho, tendo como perspectiva a organização de uma nova greve geral.