20 de novembro: seguimos resistindo!
O processo de formação da memória coletiva em grande parte da população brasileira se deu a partir da imposição de narrativas e imaginários eurocêntricos, isto é, uma série de fatos, eventos, datas e heróis (ou heroína) nacionais, cujos pontos de partida, em sua maioria, partem do lugar, da fala e do espaço do homem branco, europeu colonizador, ou da classe dominante subsequente, referenciados e legitimados pelo Estado nacional, em suas mais distintas formas de regime e governos, outorgando em prática o que chamamos de racismo institucional e estruturante de nossa sociedade.
Desde a Escola somos forçados a aprender e repetir que, caso não fossem os portugueses, não teríamos um desenvolvimento cultural, pois assim não teríamos tido o contato com língua, religião e demais aspectos socioculturais lusos. A educação do Estado capitalista não nos faz compreender que as “Grandes Navegações”, encarnadas como expansões marítima-territoriais e mercantis, na verdade, foram contornadas e preenchidas por sequestros e violações a milhares de negras e negros africanos, e depois pelo extermínio de milhares de indígenas, para serem ambos escravizados em terras do que, em 1492, se chamaria América. A mesma narrativa imposta pela Escola transmite a falsa ideologia de boa convivência entre as três raças predominantes (negros, indígenas, brancos), pregando o que hoje em dia bastante se discute e problematiza como o “mito das três raças”, em que se comprova a relação de escravização e opressão de senhores de engenho (brancos) para com negros e indígenas. Dentre tantos e tantos outros fatos que conhecemos bem, os quais pintam a falsa ideia de que, mesmo sofrido, o povo negro sempre anda com o sorriso no rosto e um bom samba no pé, diminuindo e até mesmo apagando o seu passado de luta.
Contudo, a nossa História é marcada pelas raízes de resistência. Apesar de mascarada, temos guardada a memória dos processos históricos que privilegiam o lado oprimido. O dia 20 de novembro é parte desta batalha de narrativas. Enquanto o imaginário imposto por décadas e décadas foi: princesa Isabel, benevolente que só ela, por meio de uma Lei, “concede” a liberdade aos negros escravos no dia 13 de maio de 1888. Sem mais. A verdade, obstruída pelo falseamento descarado, é de que Isabel, princesa escravagista, pressionada pela comunidade internacional e dentro do próprio país com o movimento negro cada vez mais resistente e fortalecido, foi derrotada e obrigada a assinar uma Lei que contendo, nada mais, nada menos que um único artigo, atirou e largou negros e negras em verdadeiros cortiços, sem as mínimas condições básicas de acesso à saúde, saneamento, educação e emprego, iniciando o processo de favelização e marginalização o qual conhecemos hoje. Considera-se, ainda, a política de embranquecimento da mão de obra assalariada que passou a ocupar precariamente as plantações e produções de engenhos, com italianos, japoneses etc., que prevaleceu no período do Império.
Portanto, considerar essa questão é fundamental para resgatar a memória de luta e aguerrida do povo negro no processo de formação da História brasileira. 20 de novembro representa exatamente isto: resistência e combate. Afinal, retrata a data da morte de Zumbi dos Palmares, como símbolo de luta pela liberdade. Celebramos o dia 20 de novembro, pois não buscamos recordar a hipocrisia de um regime que aprisionou e acorrentou todo um povo, produzindo a formação racista a que nos é ofertada… ou melhor, estabelecida.
Como dissemos, sempre fomos resistência e nunca deixamos de lutar. Fato são algumas das conquistas obtidas pelo movimento negro. Nas universidades, o ingresso a partir da política de cotas raciais e sociais é parte disso. Ainda que saibamos que precisamos ir além, já que todos os últimos governos deram o acesso com uma mão, mas retiraram as nossas vagas com outra, não garantindo a permanência estudantil, com investimentos reais, para garantir bolsas, alimentação, moradia, transporte. Ainda no âmbito educacional, foi fundamental a conquista da Lei nº 10.639/03, que obriga o ensino de História e cultura afro-brasileira, o que foi um passo para aprofundar a disputa pela narrativa e formação do imaginário sócio-histórico nacional. Algo que precisa ser efetivado na prática, tendo em vista que passados quinze anos de sua legislação seguimos tendo um currículo educacional eurocêntrico e com uma visão de mundo do homem colonizador.
É preciso unir as forças contra Bolsonaro e seu projeto racista e de ataques!!
Passados mais de cinco séculos desde o rapto e a escravização de negras e negros africanos, a realidade não é nada favorável ao povo preto. Seguimos como a massa de trabalhadores mais desvalorizada, sendo a parte da população mais pobre, que mais morre nas periferias, que mais é encarcerada e pela cor da pele é confundida como gente bandida.
A questão é que com Bolsonaro a situação pode ficar pior: ele defende a Reforma da Previdência, para atacar a aposentadoria; que mais direitos trabalhistas sejam retirados, mesmo após a Reforma Trabalhista aprovada por Temer; que as universidades sejam pagas com taxas e mensalidades; e quer impedir o nosso direito duramente conquistado de liberdade de pensamento, expressão e livre organização nas escolas com PL Escola Sem Partido. Todas essas medidas, e tantas outras, centralmente atacarão em cheio os oprimidos, que por sua vez são os mais explorados: mulheres, a negritude, LGBT’s.
É por essas e por outras que precisamos seguir organizados nas ruas, como fizemos no gigantesco movimento #EleNão no segundo turno das eleições, agora não mais virando votos, mas dialogando com cada trabalhadora e trabalhador que, infelizmente, votou em um projeto de desmonte dos seus direitos, explicando e acompanhando a realidade concreta das medidas antipopulares que serão aplicadas por Bolsonaro, Mourão, Paulo Guedes, Moro e companhia. Neste sentido, é fundamental que o movimento negro se some aos calendários de luta unitários das centrais sindicais em defesa da previdência social e se incorpore à luta contra o PL Escola Sem Partido, que também é um projeto de manutenção de uma educação que risca da história, a cultura, o conhecimento e a identidade negra. A luta dos trabalhadores contra o futuro governo Bolsonaro também é a nossa luta! Não podemos permitir que o chicote arrebente mais uma vez em nossas costas, nosso lugar é ao lado dos trabalhadores nas lutas do dia-a-dia, mobilizando para defender direitos e combater os ataques. Portanto, unidade nas lutas é fundamental.
Passados mais de trezentos e vinte anos de sua morte, Zumbi e Dandara dos Palmares seguem preservados em nossa memória, símbolos da luta pelo romper das correntes escravagistas. É preciso reconhecer e recordar este legado, pois, assim como a luta de Marielle hoje nos representa muito bem, seguiremos sempre exigindo e lutando pela justiça social ao nosso povo negro, recorte maior da classe trabalhadora brasileira.