O Senado argentino votou pela continuação do aborto clandestino!

A DEFESA DO DIREITO AO ABORTO, A IGREJA, E O ESTADO LAICO
Silvia Santos (Coordenação Nacional da CST-PSOL)

No dia 31 de agosto, o Arcebispo de Vitória (ES) fez um vídeo denunciando o PSOL de ser “contra a vida, a favor da morte”, que o PSOL “defende o assassinato” e que isso é “pecado mortal”. Obteve uma rápida resposta do PSOL do Espírito Santo quem repudiou as declarações e falácias de Dom Luiz Mancilha Vilela.

Entre outras considerações, a resposta que defendemos, define que… “ao nos acusar publicamente de defensores da morte, dá falso testemunho das nossas ações em defesa da vida das mulheres, da negritude, da população LGBT, vítimas preferenciais da violência”…

Porém, as declarações do Arcebispo são coerentes com as declarações do Dom João Bosco B. Sousa, Presidente da Comissão Episcopal Pastoral para a Vida e a Família Bispo Diocesano de Osasco – SP, onde além de criticar a ADPF 442, apresentada pelo PSOL e pelo Instituto de Bioética, Direitos Humanos e Gênero (Anis) chama o Poder Legislativo posicionar-se inequivocamente (18 julho 2018. E também se correspondem com a nota da CNBB de abril de 2017. Nela condena o aborto como crime abominável e defende “O projeto de lei 478-2007 – Estatuto do Nascituro”, que garante a vida desde a concepção, deve ser urgentemente apreciado, aprovado e aplicado”. Ou seja, que a CNBB demonstra não só seu apoio a este legislativo de corruptos, retrógrados e anti povo trabalhador, que vota medidas como a reforma trabalhista ou o congelamento dos investimentos públicos nos próximos vinte anos, como concorda com a bandidagem de Eduardo Cunha, Bolsonaro, e o Pastor Feliciano, entre outros. E não se trata de forçar a barra: “Até a sanção presidencial, o projeto estava envolto em polêmica. O texto enfrentou pressão representantes de grupos religiosos, como o presidente da Comissão de Direitos Humanos da Câmara, deputado Pastor Marco Feliciano (PSC-SP), e a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), que entregaram documento ao governo pedindo o veto de dois dispositivos do texto, que tratam da profilaxia da gravidez e que as mulheres devem ser informadas sobre seus direitos legais”. (EBC Agencia, 1.02.2013).

O PAPA FRANCISCO

Infelizmente, o Papa Francisco fez declarações contraditórias. Por um lado, em setembro de 2015 declarou: “Eu decidi, não obstante qualquer disposição em contrário, conceder a todos os padres, para o ano do jubileu, a capacidade de absorverem do pecado do aborto todos aqueles que o provocaram e que, de coração arrependido, peçam perdão”. Pese a ser considerado um passo adiante por predicar não a excomunhão, mas o “acolhimento” a coordenadora da ONG Católicas pelo Direito de Decidir, Rosângela Talib, considerou a medida importante, mas com um caráter “muito restritivo”. – Chama atenção o fato de haver um prazo. O que acontece com as mulheres que abortaram antes de dezembro de 2015 e que irão abortar depois de novembro de 2016? – Questionou. – O aborto continua sendo um pecado grave nos documentos papais que dão os nortes à instituição. Então, não vejo uma mudança na hierarquia da Igreja sobre isso em pouco tempo.

Sabemos que em 02-08-018 o Papa Francisco condenou a pena de morte, por atentar contra a inviolabilidade e a dignidade humana mudando assim a posição da igreja católica. Isso poderia ser positivo mas vai se voltar contra nós mulheres pois a igreja continua entendendo que a vida começa a partir do embrião, então um aborto, segundo o critério da Igreja seria a “pena de morte” e assim se voltará contra as mulheres.

Mas foi em junho de 2018, quando o mesmo Papa Francisco disparou: “No século passado, todo mundo se escandalizava com o que os nazistas faziam pela pureza da raça. Hoje fazemos o mesmo com as luvas brancas” se referindo ao aborto. Ou seja, o papa compara o aborto com os métodos nazistas!

Nos parece totalmente equivocado esgrimir crenças religiosas como se fossem verdades científicas ou argumentos jurídicos. No brasil, onde acontecem mais de meio milhão de abortos\ano, muitas, para não falar de maioria, têm religião, e a maioria são católicas.

Mas por trás destas defesas “da vida” hipócrita que fazem os governos, os partidos patronais e as igrejas, se esconde uma concepção de classe. Pois o que acontece na realidade é que as mulheres ricas fazem aborto em boas clínicas e com bons médicos pagando o que for necessário, enquanto que as mulheres trabalhadoras, desempregadas, moradoras das periferias na sua maioria negras, que não tem dinheiro, são vítimas de verdadeiros “açougueiros”; e em muitos casos se utilizam de receitas caseiras, o que faz que muitas delas acabem morrendo ou fiquem com sequelas físicas ou psicológicas para o resto da vida, além de sofrer maus tratos nos hospitais. Ou seja, o aborto é legal para as mulheres ricas, enquanto continua sendo ilegal e são penalizadas as mulheres pobres. Conclusão: As ricas abortam, as pobres morrem!

Os defensores da “vida” se transformam assim em defensores dos abortos clandestinos! Porque o aborto existe e existirá, com leis a favor ou contra. O que nós do PSOL defendemos é um problema de saúde pública, precisamente para cuidar da vida das mulheres que não tem nenhuma condição econômica de pagar um aborto numa boa clínica. O próprio Ministério da Saúde reconhece que em média, tem 4 mortes diárias de mulheres que procuram socorro nos hospitais por complicações decorrentes de aborto. Sendo que, dessas 4 que morrem todo dia, 3 são negras! Em nossa sociedade, com histórico escravocrata e cultura racista, constitui mais uma violência contra a população negra!

Infelizmente, segundo o Jornal El País, de 18 agosto de 2014, nas eleições de 2010 que levaram à presidência Dilma Rousseff, ela reuniu todas as denominações religiosas do país e, em um documento, comprometeu-se publicamente a não legislar sobre o aborto se chegasse ao Governo. Ganhou a eleição e foi fiel à sua promessa.

Seria muito bom que a Igreja Católica, ao invés de conclamar suas comunidades a se mobilizar em favor do aborto clandestino, chamado eufemisticamente de “vida”, conclamasse os fiéis a se mobilizar e denunciar os milhares de curas pedófilos que inundam as igrejas e escolas religiosas, com o Papa Bergoglio escondendo ou trasladando os pedófilos!

No Livro “Luxúria” do jornalista italiano Emiliano Fittipaldi descreve como a Igreja encobre os casos de pedofilía e aos estupradores. Por exemplo, em 2013 houveram 1.200 denúncias de abuso a crianças levadas ao Vaticano. O Papa Francisco os acobertou, e somente frente às mobilizações de massa no Chile ele tentou se relocalizar. E também Bergoglio sabia que no instituto Antônio Provolo para crianças surdas na Argentina foi um refúgio durante anos de padres estupradores.

Por esses motivos reivindicamos a defesa da pastora luterana Lusmarina Campos Garcia, na audiência pública sobre a ADPF 442, em apoio a descriminalização do aborto. Ela denuncia que apresentar argumentos teológicos é equivocado e afirma que: “Há séculos, um cristianismo patriarcalizado, é responsável por penalizar e legitimar a morte de mulheres”.

A Igreja católica matou mulheres, capazes, inteligentes, pensantes, porque as considerou bruxas, queimando-as nas fogueiras na “Santa” Inquisição que durou séculos; torturou e assassinou cientistas, foi peça chave da política colonialista da Europa que “evangelizou” à força sendo cúmplice do assassinato de milhões de indígenas e negros; apoiou as mais sangrentas ditaduras e genocídios ao longo a história humana, e trata-se da instituição com maior número de casos de pedofilia. Como pode pretender “defender a vida”¿

A VOTAÇÃO NO SENADO ARGENTINO E O PAPEL DA IGREJA CATÓLICA

Após a votação na Câmara de Deputados em 14 de junho, com milhões de mulheres nas ruas do país, e uma imensa solidariedade internacional, as mulheres argentinas se prepararam para outra guerra, mais difícil ainda: que a votação passasse no senado.

Milhares, centenas de milhares de mulheres fizeram debates, palestras, atos, durante estes meses e mais de um milhão ganhou as ruas. A opinião pública estava decididamente do seu lado, pois na população as mulheres ganharam o debate. Houve artistas, escritores, atrizes da Argentina e do mundo todo apoiando a causa das mulheres. Como o caso de Susan Sarandon, atriz norte-americana que enviou uma saudação afirmando: “A criminalização do aborto não evita que as mulheres o façam; se vêem forçadas a ter que ir a locais inseguros e clandestinos. Senadores, o mundo os está observando”. Ou o elenco inteiro do seriado popular na Netflix, Merli, que enviou sua saudação em apoio das mulheres em luta na argentina.

Sabemos que o senado é uma excrescência antidemocrática, que recolhe a tradição da Câmara dos Lordes no Reino Unido. Seus senadores não são escolhidos pelo método proporcional; cada estado assim tenha 1 milhão de habitantes ou dez milhões elegem o mesmo número de senadores. Este é o papel da Câmara “Revisora”: revisar e derrubar qualquer coisa que tenha passado em deputados e que possa ser progressivo.

Neste caso, o aborto legal, seguro e gratuito significava um triunfo contra o regime, os partidos burgueses e o governo, contra a sociedade capitalista patriarcal e machista, e por isso, desde a votação na Câmara foi montada uma gigantesca campanha por parte da Igreja católica e de todos os partidos patronais.

Ganharam os anti direitos, os que se autodenominam “pró vida” (que utilizaram o lenço celeste) mas todas sabemos que são os responsáveis da morte de milhões de mulheres no mundo, da que muitas fiquem mutiladas ou sejam presas. Neste contexto se inserem as declarações do papa de junho; os colégios religiosos fizeram marchar suas alunas com lenços celestes na província de Santiago del Estero; uma adolescente saltenha que participou de uma audiência pública no senado com forte impacto pela clareza e a força de suas ideias, foi expulsa de sua escola religiosa, até foram expulsas as que se atreveram a levar o lenço verde; uma professora foi demitida na província de Córdoba e houve até agressões nas ruas e uma campanha midiática infernal.

A Igreja Católica tem um histórico de se acomodar aos tempos, e isso explica porque perdura através dos séculos. Foi contra o divórcio, mas o teve que aceitar, assim como hoje é contra o matrimônio igualitário, ou a educação sexual integral nas escolas, e o aborto.

Para constatar os verdadeiros dinossauros que vegetam no senado, é bom que conheçamos algumas de suas fundamentações de voto.

O Senador peronista pela província de Salta, Uturbey, afirmou na sua defesa do voto contrário à legalização que “existem casos em que o estupro não tem essa configuração clássica de violência sobre a mulher, por exemplo no abuso intrafamiliar, onde não se pode falar em violência, mas tampouco em consentimento, mas em subordinação”.

O senador da província de Entre Rios Alfredo de Angelis, produtor rural da província com maior índice de agrotóxicos e de doenças provocadas pelos mesmos, que fumiga e promove a fumigação com agrotóxicos que provocam milhares de abortos espontâneos, malformações, câncer e outras doenças que levam à morte, votou pelas “duas vidas…”E teve uma senadora da província de San Juan, Cristina López Valverde que pese a não ter lido o projeto, decidiu votar contra!

Mas as mulheres argentinas não se sentem derrotadas, pois são conscientes que o movimento que elas lançaram ninguém será capaz de deter, assim como a luta das mulheres em nível mundial. Novas gerações de jovens mulheres que estão convencidas de seu lenço verde, sabem que cedo ou tarde, o aborto legal, seguro e gratuito será lei.Agora, na Argentina, no Brasil e no mundo nos preparamos para a próxima batalha: no dia 28 de setembro, é o dia de Ação Internacional pelo direito ao aborto. Esse dia, como foi nas passeatas por #Nem uma a menos; nos diversos 8M, na solidariedade com nossas irmãs argentinas, um novo grito global será ouvido em defesa do aborto livre, seguro, legal e gratuito!

Educação Sexual para decidir, contraceptivos para prevenir e aborto legal seguro e gratuito para não morrer!

A DEFESA DO ESTADO LAICO – PELA SEPARAÇÃO DAS IGREJAS DO ESTADO

A CST entende que as crenças e as religiões pertencem ao âmbito pessoal e privado das pessoas, e por tanto, não devem nem podem interferir nos assuntos de governo, de Estado, na saúde, na educação, e não devem ser subsidiadas. Infelizmente, não é o que ocorre no nosso país. Embora o artigo 19 de constituição afirma que: “ É vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: I – estabelecer cultos religiosos ou igrejas, subvencioná-los, embaraçar-lhes o funcionamento ou manter com eles ou seus representantes relações de dependência ou aliança, ressalvada, na forma da lei, a colaboração de interesse público; II – recusar fé aos documentos públicos; III – criar distinções entre brasileiros ou preferências entre si”, não é o que acontece no Brasil.
Pelo acordo assinado pelo governo Lula com o Vaticano em 2009 e que virou decreto em 2010, no seu artigo 11 diz: que “o ensino religioso católico, e de outras confissões religiosas, de matérias facultativa, constitui disciplina dos horários normais da escola pública do ensino fundamental, assegurado o respeito a diversidade cultural e religiosa do Brasil em conformidade com a Constituição, sem nenhuma forma de discriminação”. Ou seja, a Igreja Católica faz um acordo com o governo brasileiro do PT pautando o ensino religioso, católico, nas escolas públicas do país, que ainda que optativo, vai contra o Estado Laico.
Como vai também contra o estado laico o fato das Igrejas não pagarem impostos. Atualmente, as instituições religiosas não pagam IPTU, imposto de renda sobre o que arrecadam em dízimo, nem IPVA sobre os carros que possuem. Tampouco pagam o ISS, que é o imposto municipal. (Veja, novembro 2017)
Por sua vez, a Associação Brasileira de ateus e agnósticos (ATEA) define que “num Estado laico não faz sentido dar imunidade tributária a uma parcela das instituições do Brasil apenas porque são religiosas. Qualquer organização que permita o enriquecimento de seus líderes e membros deve ser tributada”.
Em 2013, uma lista divulgada pela revista Forbes enumerou os líderes evangélicos mais ricos do Brasil. Além disso, escândalos envolvendo organizações religiosas também motivaram a ação pelo fim da imunidade tributária a templos de qualquer culto.

No Brasil, a fonte de renda das igrejas inclui, além do dinheiro recebido diretamente dos fiéis, a venda de bens e serviços e os rendimentos com ações e aplicações.
É uma arrecadação, que apenas em 2011 representou R$ 20,6 bilhões. Só em benefícios fiscais, as organizações religiosas brasileiras recebem cerca de R$ 4 bilhões anualmente. O Maior local de culto da cidade em área construída, com 75.948 m², o Templo de Salomão, da Igreja Universal, teria IPTU anual de cerca de R$ 3 milhões por ano. A igreja mais beneficiada pelo não pagamento de tributos é a Católica. Segundo o levantamento, ela tem 730 imóveis cadastrados como templos na cidade –renderia R$ 17 milhões ao ano em IPTU.
Em definitiva, o Estado não pode nem deve ser regulado por nenhuma religião. O Estado Laico não é contra as religiões, deve permitir todas as crenças e religiões, os que não acreditam, os ateus, todos devem ter a liberdade se pensar ou acreditar em quem elas entendem. O que o Estado não pode é impor normas ou adesões religiosas, pois seria uma afronta à população, e menos ainda as subvencionar com isenções impositivas ou tributárias.

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