DIA NACIONAL DA VISIBILIDADE TRANS: QUE STONEWALL SE PRESENTIFIQUE
No dia nacional da visibilidade trans é fundamental resgatar a Revolta de Stonewall. Muitos leitores talvez desconheçam essa importante revolta, pois as narrativas sobre resistência e luta do movimento travesti e trans são historicamente apagadas ou preteridas nessa sociedade que privilegia a cisnormatividade. Nesse aspecto, é importante destacar que a história tradicional é caracterizada pelo apagamento de narrativas que registram a resistência de grupos oprimidos. O que encontramos em livros escolares, em enciclopédias e no imaginário popular é o registro de uma história heroica, monumental, protagonizada por figuras das classes dominantes. Esse panteão de heróis, de forma transfóbica, não cede espaço para nenhuma mulher travesti.
As histórias do movimento trans, no entanto, assim como os corpos travestis, resistem a essa lógica excludente e vivificam capítulos importantes nas lutas sociais. E um dos capítulos, sem dúvida, teve como palco Stonewall, um bar periférico nova-iorquino, o qual era frequentado por prostitutas, gays, lésbicas, bissexuais, travestis e transexuais. No bar, eram constantes os ataques truculentos de policiais que violavam cotidianamente direitos humanos. Porém em junho de 1969, cansadas das repressões que sofriam, as pessoas LGBT’s que frequentavam o espaço iniciaram um confronto com a polícia, ocupando por vários dias as ruas, criando barricadas, reagindo e resistindo à violência praticada pelo estado burguês norte americano. O levante teve apoio de inúmeras organizações de trabalhadores e deu origem a uma marcha que reuniu mais 10 mil LGBT’s. Todo esse movimento de resistência, além de ter dado início às paradas LGBT’s, acabou fomentando uma luta por direitos civis que se espalhou pelo mundo.
É sempre importante destacar que essa revolta foi iniciada e protagonizada por Sylvia Rivera – uma mulher travesti bissexual- e Marsha P. Johnson- travesti negra que fazia shows como drag queen. Essas duas travestis lideraram o levante que impôs mudanças de paradigmas, derrubou leis anti-homossexuais e que empoderou jovens de várias sociedades. Essas conquistas foram desdobramentos de uma revolta anticapitalista, que tinha a certeza de que é e será impossível alcançar liberdade sexual e de gênero dentro da esfera burguesa. A revolta de Stonewall, nesse sentido, corporificou o ideário de que é necessário transformar o mundo. No entanto, tais transformações só serão possíveis se houver como ingredientes uma luta radical contra os mecanismos de opressão burguesa e uma aproximação entre a comunidade LGBT com as organizações de trabalhadores.
Faz-se necessário, então, nesse dia da visibilidade trans, resgatar o espírito de Stonewall não só pelo fato de a revolta ter como protagonismo mulheres travestis, mas também pelo fato de que a revolta mostrou a forma como podemos mudar o alarmante quadro de violência contra as pessoas travestis e transexuais no Brasil. Lembremos que vivemos no país cuja expectativa de vida de uma mulher travesti é de 35 anos, que 90% das travestis estão na prostituição e que lideramos por anos o ranking de assassinatos de transexuais. Nesse sentido, para combater esses números, o levante de Stonewall mostra que o movimento trans não pode buscar se adaptar ou se remodelar à democracia burguesa. A luta do movimento não pode ser reduzida à busca por inserção na ordem capitalista. Na verdade, o movimento LGBT, para conquistar mudanças estruturais, precisa questionar profundamente o sistema capitalista e tentar unir forças com a classe trabalhadora. Somente assim, pelo que é narrado na história de Stonewall, será possível retirar essas vozes, corpos e vivências das margens sociais.
A memória do levante de Stonewall deve ser o combustível para que enfrentemos a ordem burguesa corporificada no governo Temer, nos líderes ruralistas e na bancada evangélica que buscam a todo custo impedir o debate de gênero nas escolas e na sociedade. Encarnar o espírito de Stonewall é assumir no cotidiano uma postura revolucionária de enfrentamento aos governos burgueses que não fizeram nenhuma política pública para barrar o genocídio de travestis e transexuais. Nesse ponto, lembremos que nos governos do PT os números de transfeminicídio aumentaram de forma alarmante. Lembremos que a ex-presidenta Dilma, fazendo lobby com grupos reacionários, vetou o lançamento do Kit “Escola sem homofobia”, cartilha que levaria para as escolas o debate sobre gênero e sexualidade. Não podemos esquecer que nos 14 anos no poder, o PT não aprovou nenhuma lei sobre identidade de gênero – reivindicação histórica do movimento trans. Dessa maneira, fica patente que não podemos mais acreditar nos discursos falaciosos de Lula e do Partido dos Trabalhadores, os quais infelizmente buscaram se modelar à ordem capitalista e burguesa. Portanto, a única forma de conquistarmos nossa emancipação de gênero e de sexualidade é subverter o capitalismo e aproximar das lutas da classe trabalhadora, pilares estes que sustentaram a Revolta de Stonewall.
Duda Salabert
Ativista do movimento trans.
CST \ PSOL