Por que a revolução síria foi derrotada?

Originalmente publicado na Correspondência Internacional n°40, revista da UIT-QI, Dezembro de 2017.

A queda de Aleppo, em dezembro de 2016, marcou o fim da luta para expulsar o ditador Bashar Al Assad, que durou 6 anos. A resistência heroica da população não conseguiu resistir à abismal supremacia militar do regime, com o apoio decisivo da Rússia e do Irã enquanto os EUA olhavam para o outro lado. A rebelião síria fez parte da “Primavera Árabe”, que começou na Tunísia em janeiro de 2011. 

Por que ela foi perdida? Sua derrota significa o fim do processo revolucionário no norte da África e no Oriente Médio? 

Para responder essas perguntas, reproduzimos partes do projeto do documento global da UIT-QI – escrito em fevereiro – e que foi discutido e aprovado no 6º congresso em julho deste ano.

Com Aleppo em dezembro de 2016, caiu a capital industrial da Síria e o coração da revolução, depois de meses de cerco total e devastada pelos brutais bombardeios da Rússia e do Irã.

A cooperação da Turquia era necessária para preparar o ataque final, e essa foi firmada em agosto entre Erdogan e Putin. A Turquia ocupa o território sírio para impedir o avanço curdo, enquanto deixa cair Aleppo e reconhece Bashar. 

 O imperialismo americano e os europeus se tornaram cúmplices nesse acordo. 

Mais de uma dúzia de países intervieram militarmente em solo sírio e sua contribuição ativa ou passiva serviu para isolar e derrotar a revolução e dar continuidade ao regime.

Há apenas um ano, a ditadura estava nas cordas, encurralada pelo processo revolucionário mais importante do mundo nas últimas décadas. Sem a intervenção direta da Rússia, do Irã e das milícias libanesas do Hezbollah, e a cumplicidade dos imperialistas americanos e europeus, ela teria sucumbido.

Até mesmo as monarquias petrolíferas árabes contribuíram ao impulsionar o ISIS (Estado Islâmico – Daesh em árabe) como outro fator contrarrevolucionário. O ISIS intervém na revolução síria para dividir a frente contra o ditador Al Assad. Ele está ativo desde 2013. Diz-se que foi financiado pelo regime monárquico sunita pró-ianque da Arábia Saudita. Seu objetivo na Síria era tentar garantir que, diante de um possível colapso de Bashar al-Assad, surgisse um regime ditatorial aliado à burguesia sunita do petróleo da Arábia Saudita, inimigo de qualquer processo de mudança democrática. Na revolução síria, atuou contra os próprios rebeldes para ocupar seus territórios (Aleppo, Raqqa e Palmira).

Todos esses fatores levaram a uma degradação do processo revolucionário nos últimos anos. O apoio criminoso do aparato internacional do Castro-Chavismo (o Partido Comunista Cubano e o governo venezuelano) também foi fundamental para apoiar a ditadura e boicotar a solidariedade com a revolução síria. Dessa forma, foi adicionado um alto grau de confusão entre o movimento de massas do mundo e sua vanguarda, contribuindo para o isolamento da revolução síria.

Uma liderança política burguesa na frente rebelde

Mas a derrota da revolução síria também foi causada pela falta de uma liderança política revolucionária. A política das lideranças que controlaram o Exército Livre da Síria (FSA), como os setores sírios ligados, entre outros, à Irmandade Muçulmana, não tinha uma política independente do imperialismo e das potências regionais. Esses setores sírios patronais compõem o Conselho Nacional Sírio (SNC), que, no exílio, sempre buscou uma solução política negociada em Genebra com o apoio dos EUA e da União Europeia (UE). 

Durante muito tempo, eles esperavam que os EUA ou a Turquia forçassem a queda do regime. Enquanto isso, a intervenção da Turquia, da Arábia Saudita e do Catar, com o objetivo de desviar o caminho da revolução, enfraqueceu os setores fiéis aos slogans da revolução, como liberdade e justiça social, e armou os setores islâmicos salafistas (o salafismo é uma corrente burguesa sunita ultrarreacionária que busca impor ditaduras teocráticas). Esses setores não tinham um peso significativo no início do processo revolucionário, mas se tornaram militarmente fortes e impuseram sua própria agenda pela força das armas. Eles não forneceram aos rebeldes armas pesadas antitanque ou antiaéreas, essenciais para enfrentar tanques e bombardeios russos.

O papel negativo da liderança curda do PKK

Outra chave para o avanço do movimento revolucionário foi a conexão entre a luta dos povos sírio e curdo, que poderia ter mudado o curso da guerra. Mas essa não tem sido a política de suas lideranças. Por um lado, por causa do pan-arabismo predominante da esquerda síria e dos grupos rebeldes, que se recusam a reconhecer outras realidades. 

Também por causa de sua aliança com a Turquia, a principal ameaça aos curdos e uma potência que favoreceu os grupos salafistas. Há também responsabilidade pelo oportunismo político nacionalista que caracterizou a liderança do Partido da União Democrática (PYD), a principal ameaça aos curdos e uma potência que favoreceu os grupos salafistas. Partido da União Democrática (PYD), a principal organização dos curdos sírios, irmã do PKK (Partido dos Trabalhadores do Curdistão) e de seu YPG, as Unidades de Proteção Popular.

(YPG). A liderança curda buscou todos os tipos de aliados, exceto o movimento popular sírio: eles fizeram isso com os Estados Unidos, que os usaram para deter o avanço do ISIS. E eles estão lutando em Raqqa como uma força de choque sob a bandeira dos EUA.

Eles fizeram o mesmo com a Rússia, que, por sua vez, deu total apoio ao regime sírio. E esses aliados serão, amanhã, aqueles que trairão o povo curdo mais uma vez em sua história. 

A colaboração do PYD na tomada de Aleppo é uma página malfadada não apenas do PYD e do PKK, mas também dos grupos de esquerda e do anarquismo que lhe deram apoio incondicional e falam de uma transformação quase mística de Abdullah Ocalan, seu líder histórico, há anos na prisão, do mais férreo stalinismo para um anarquismo idílico, que não corresponde à realidade. Reivindica-se o chamado “confederalismo democrático”, uma proposta que abandona a luta por um Estado curdo independente em favor de um suposto acordo de convivência “confederada” dentro dos atuais 

A esquerda tem sido um dos principais atores da política de esquerda, que se baseia em estados burgueses opressores (Turquia, Iraque, Irã e Síria). Essa esquerda tem mantido silêncio sobre as políticas deploráveis da liderança do PKK, como não unir suas brigadas às milícias sírias para disparar contra as forças de Al Assad e da Rússia.

A esquerda neoestalinista também foi responsável pela derrota

O neoestalinismo, alinhado ao chavismo e ao castrismo, desempenhou um papel contrarrevolucionário e criminoso nos processos revolucionários. 

No Egito, saudando o golpe de Estado sanguinário de Al-Sisi. Na Líbia, em defesa do ditador Kadafi, depois na Síria, ao lado de Bashar Al Assad, negando as evidências de suas atrocidades.

Foi Hugo Chávez quem elevou o reacionário Mahmoud Ahmadinejad e o Irã dos aiatolás ao status de revolucionários anti-imperialistas. como revolucionários anti-imperialistas, enquanto assinava acordos milionários de petróleo. Um Irã construído sobre a derrota e o sequestro da revolução que derrubou o Xá, com o assassinato de centenas de militantes de esquerda, a começar pelo próprio partido comunista Tudeh. Não é que o chavismo não tenha capacidade de análise ou compreensão da realidade do Oriente Médio: é que ele impõe seus interesses como um setor patronal com roupagem “socialista” em defesa de seus aliados ou parceiros petrolíferos, acima dos direitos dos povos. 

Com relação a Kadafi, foi demonstrado que ele havia financiado a campanha presidencial de Sarkozy na França e que era amigo de Berlusconi. Que ele tinha negócios com o ex-presidente Aznar, do Estado espanhol, que o tinha como aliado e amigo “extravagante”. 

 Apesar disso, esse setor da esquerda continuou a elogiar Kadafi como um anti-imperialista. Mas um passo qualitativo foi dado na Síria. Pois foi o apoio direto ao regime assassino responsável por quase meio milhão de mortes, repressão extrema, cercos e ataques com armas químicas contra a população civil. O grau de atrocidades justificadas ou simplesmente negadas pela esquerda a torna diretamente cúmplice desse extermínio.

Se o chavismo reabilitou a imagem do Irã reacionário dos aiatolás, a esquerda neo-estatalista eleva Putin como o salvador da Síria. Putin, o ex-chefe da KGB, repressor brutal de toda dissidência, defensor de um capitalismo selvagem que empobreceu a classe trabalhadora com leis trabalhistas severas. Apoiado por toda a extrema direita europeia, que arrasou Grozny na Chechênia, como vimos agora em Aleppo. Um repressor do povo e um amigo de Trump. Ninguém que se diz de esquerda pode lhe dar um minuto de trégua. O bombardeio russo na Síria desde 2015 marcou um ponto de virada na guerra e salvou Assad. Putin quer manter seus aliados na região e consolidar suas posições militares, como a base de Tartous, sua última base remanescente no Mediterrâneo. 

Mas seu desembarque no Oriente Médio também tem um objetivo de consumo interno: reposicionar-se como uma grande potência e inflar o chauvinismo para esconder a difícil crise econômica da Rússia. 

A luta para varrer Assad permanecerá sem solução

Com o triunfo do regime após a queda de Aleppo, o país está dividido entre o sul e as áreas costeiras controladas por Bashar, o norte controlado pelos curdos, com cidades ocupadas pelos turcos, e o leste controlado pelo ISIS, em Raqqa, que pode cair nas mãos da coalizão curdo-síria apoiada pelos EUA.Finalmente, a oeste de Aleppo está Ildib, que não é controlada pelo regime, mas com uma presença militar salafista significativa das forças reacionárias da Al Nusra e da Ahrar al Sham. Em Idlib, houve confrontos entre o Exército Sírio Livre e a Al Nusra, também envolvendo civis. Ainda há bolsões de resistência que precisam ser apoiados, mas é preciso aprender lições com esses quase seis anos de luta para reorganizar as forças nessa nova situação desfavorável.

Para ter sucesso, era necessária uma liderança política revolucionária,independente do imperialismo e das potências regionais, que promoveria a coordenação das organizações de luta, dos comitês de coordenação local, em um poder decorrente da revolução e decidiria a linha da luta armada. Uma liderança que buscaria a confluência da luta dos povos sírio e curdo. Portanto, há uma tarefa urgente de aprofundar a discussão sobre o que aconteceu e avançar em um processo de reorganização da esquerda síria 

É importante que o povo sírio e o povo curdo se organizem em um processo de reorganização da esquerda síria e da região para construir a liderança revolucionária que tem faltado na luta heróica do povo sírio.

A luta do povo sírio contou com o apoio exclusivo de pouquíssimas correntes da esquerda revolucionária. A UIT-CI tem desempenhado um papel muito ativo nessa solidariedade.

Não especulamos sobre a resiliência da luta contra Bashar e não pararemos nem por um momento de apoiar a resistência do povo contra o tirano ou contra as facções reacionárias do ISIS ou da Al Nusra. Continuaremos a denunciar a cumplicidade da Rússia, do Irã e dos imperialismos americano e europeu no massacre do povo sírio. 

imperialismo americano e europeu e exigimos que eles parem os bombardeios e que todos deixem a Síria.

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A revolução na Síria foi ignorada e isolada

A luta do povo rebelde sírio nunca acabou sendo aceita A maioria dos combatentes do mundo e de outros povos a considera uma revolução genuína. Quando, na verdade, ela foi desde o primeiro dia. 

Isso aconteceu por causa do papel nefasto da chamada esquerda reformista tradicional (os partidos comunistas do mundo, chinês e cubano, entre eles) e por causa do neorreformismo, entre eles o Chavismo venezuelano. Essa falsa esquerda assumiu a posição totalmente errada de que se tratava de uma “intervenção imperialista dos EUA” atacando um regime supostamente “anti-imperialista e anti-Israel”, o de Bashar Al Assad. 

A partir daí, eles presumiram que a “guerra imperialista” tinha de ser combatida e que Bashar tinha de ser apoiado. O canal oficial do chavismo, Telesur, estava a serviço dessa campanha que denunciava os rebeldes como “terroristas”, equiparando-os ao ISIS, se necessário.

Havia outros setores de uma certa esquerda revolucionária (como o PTS e o PO na Argentina) que capitularam a essa falsa esquerda e aceitaram a versão errônea da “guerra imperialista”. Eles não apoiaram a luta contra o ditador e assumiram a posição errônea do Ni-Ni (nem Assad nem a oposição em armas).

O regime de Assad é uma ditadura de mais de 40 anos que há muito tempo negociou com as multinacionais e não tem absolutamente nada de anti-imperialista. Há muitos anos, não dispara um por muitos anos não disparou um tiro contra Israel, que ocupa o território sírio (as Colinas de Golã), mas saiu com tanques e aviões para matar em massa o povo sírio, que saiu às ruas desde março de 2011 para exigir liberdade e demandas sociais.

A revolta popular síria fez parte do processo revolucionário que começou na Tunísia, na Líbia e no Egito em janeiro de 2011. Em todo o mundo, ela ficou conhecida como a “Primavera Árabe”. Houve tentativas semelhantes no Bahrein, Jordânia, Marrocos e Iêmen. Em toda a Síria, surgiram marchas com centenas de milhares de pessoas e foram formados comitês locais. Assad, sobrecarregado, convocou as forças armadas. 

O povo foi forçado a se armar para se defender, alguns soldados se juntaram à rebelião. Já à beira da derrota, ele apelou para a Rússia, Putin e sua aviação para bombardear em massa. 

bombardeio. Apesar disso, a resistência heroica durou mais de seis anos. Foi uma verdadeira revolução contra esse genocídio. Diante disso, o dever dos revolucionários era apoiá-la. Não havia como apoiar o genocídio e não havia como ser neutro. 

O Nem-Nem fez o jogo de Assad e Putin. Foi um crime político que ajudou a isolar a revolução em andamento.

Os números dos seis anos de confronto desigual entre o povo rebelde e a moderna e assassina máquina de guerra russa e iraniana são assustadores. Entre 320.000 e 450.000 pessoas foram mortas, 1,5 milhão de feridos, 50% da infraestrutura do país foi destruída. 

Pelo menos cinco milhões de sírios foram forçados a fugir para o exterior, enquanto de seis a oito milhões de cidadãos deixaram suas casas e se mudaram para outras partes da Síria.

Diante desses números e do heroísmo do povo sírio, o papel capitulacionista de grande parte da esquerda global é ainda mais lamentável.

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ISIS, uma quinta coluna contra revolucionária

Trata-se de uma organização islâmica burguesa, com uma proposta contra revolucionária ditatorial teocrática (jihadismo salafista), que tem como objetivo estabelecer um “Califado” na região. 

O ISIS surgiu no Iraque em 2010 como uma ramificação da Al-Qaeda.Embora esteja agora em franco declínio (expulso de Mossul e encurralado em Raqqa), as causas de sua força relativa, que teve por alguns anos, foram complexas. Ele foi fortalecido a partir do Iraque, especialmente na cidade de Mossul, agregando ex-soldados de Saddam Hussein e parte da base social do antigo Partido Baath Socialista Árabe, representante dos setores burgueses sunitas do Iraque, insatisfeitos com a invasão dos EUA e suas atrocidades e com o papel repressivo do regime iraquiano xiita pró-iraniano. Na Síria, ele foi pressionado pela Arábia Saudita e pelo Catar, como um fator de quinta coluna na revolução síria. Por meio de suas ações, ele dividiu a frente rebelde anti-Bashar Al Assad. Suas milícias agiram aplicando métodos aberrantes sobre a população. 

O ISIS também foi alimentado por jovens muçulmanos europeus que, expressando setores socialmente marginalizados, se voltaram para o terrorismo e apoiaram esse grupo contrarrevolucionário. Esse terrorismo indiscriminado e reacionário favoreceu a repressão do imperialismo e seu uso para confundir as pessoas ainda mais confusas sobre a causa da verdadeira rebelião do povo sírio. Outras facções jihadistas reacionárias, como a Frente Al Nusra e outras, também estão ativas no processo sírio.

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A esquerda revolucionária síria

Durante o processo revolucionário sírio, uma seção revolucionária da esquerda síria se expressou. Vários líderes e organizações apoiaram a rebelião contra a ditadura de Al Assad e defenderam uma posição política independente da liderança burguesa da oposição do Conselho Nacional Sírio (SNC), do imperialismo e das milícias islâmicas reacionárias e do ISIS.

Entre eles, podemos mencionar, entre outros, Yassin al Haj Saleh, escritor, que ficou preso por 16 anos (1980-96). Ele passou à clandestinidade desde o início da revolução até fugir do país em 2013. Ele não é mais comunista, mas ainda se considera um esquerdista. Sua esposa, Samira Khalil, está desaparecida desde que foi sequestrada em 2013 por um grupo salafista em Ghouta Oriental. Salameh Kaileh, jornalista sírio-palestino e autor marxista árabe. Ele ficou preso por 8 anos (1992-2000) na Síria. Depois de viver em Damasco por 30 anos, foi preso e deportado para a Jordânia em 2012. Yasser Munif, cofundador da Global Campaign for Solidarity with the Syrian Revolution (Campanha Global de Solidariedade à Revolução Síria). Revolução Síria. Mansur Attassi, líder da Plataforma de Esquerda Democrática.

Todos eles fizeram parte da Conferência Internacional realizada em Istambul, Turquia, em julho de 2015, que também foi convocada pela ITU-CI e outras organizações. Esse foi o único evento global da esquerda em apoio à revolução síria.

 

* Ver “Declaração de Estambul”, Romper o bloqueio a Revolução Siria, en www.uit-ci.org e www.cst-uit.com

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Entrevista com Hussam Al Ahmad, jovem revolucionário sírio refugiado em Barcelona.

Um protagonista na origem da revolução.

Quando os protestos começaram em Raqqa, ele teve que abandonar a educação física. Ele tinha 22 anos de idade. Agora ele vive como refugiado em Barcelona em uma situação muito precária. Ele é uma testemunha excepcional do início da revolução.

LI: Como foram os primeiros meses da revolução?

Hussan al Ahmad: Nós, jovens, nos perguntávamos por que não podíamos fazer como os egípcios ou os tunisianos. [Nós nos reuníamos toda semana em uma casa diferente. Estudávamos nos bairros como convocar os protestos, marcávamos a data, mas não a anunciávamos até o último minuto, e preparávamos as faixas, os slogans e as músicas. E quando chegou a hora, todos nós fomos para as ruas. 

Dividimos o trabalho: levar o megafone, os cartazes, vigiar, gravar o protesto no vídeo …. Levávamos as bandeiras da revolução e lenços palestinos escondidos sob nossas jaquetas, que cobriam nossos rostos quando começávamos a marcha. […] A maioria de nós éramos estudantes universitários, das classes média e trabalhadora. 

LI: Raqqa foi libertada pelo Exército Livre da Síria.

Sim. Em 4 de março de 2013, conseguimos expulsar o regime da cidade. Os grupos armados eram o povo da cidade, nossos vizinhos, nossos parentes. Também ativistas dos protestos que se voltaram para a luta armada para nos defender. São as mesmas pessoas que mais tarde lutaram contra o Daesh [ISIS – Estado Islâmico]. Foram quatro dias de luta entre o regime e os revolucionários, até que conseguiram ocupar a delegacia de polícia e outros prédios oficiais. As pessoas pegaram as armas que tinham em casa: espingardas, qualquer coisa. Todos tinham armas e o pessoal do regime negociou sua rendição. Raqqa foi a primeira grande cidade libertada na Síria: nós a chamávamos de “capital da libertação” e estávamos muito orgulhosos. Embora houvesse muitas dificuldades naqueles primeiros meses eles foram os melhores de minha vida. […]Nós a chamamos de cidade libertada porque, na verdade, uma administração foi organizada fora do controle do regime. No conselho, havia representantes do Exército Livre da Síria e jovens ativistas: eram 600 membros. Também mulheres e de todas as classes sociais: trabalhadores, camponeses, médicos, engenheiros, camponeses, médicos, engenheiros. Havia eleições para escolher os responsáveis pela educação, saúde, infraestrutura… e todos que quisessem podiam participar do comitê […]

LI: Como o regime reagiu após a libertação?

Ele havia se retirado, mas começaram a bombardear com aviões e mísseis de longo alcance. Todos os dias havia mortes. Eles usavam todos os tipos de armas. Não houve combate direto porque eles só nos bombardearam de longe. […]

LI: O Daesh ocupou Raqqa em 1º de janeiro de 2014.

Era uma cidade estratégica, autossuficiente (água, eletricidade, terra, petróleo) e era um exemplo de que a revolução poderia vencer. Eles não vieram por acaso: eles queriam Raqqa porque sabiam de tudo isso. Eles também sabiam que as defesas da cidade eram vulneráveis. Por isso eles vieram. Eu saí e fugi para a Turquia. Fiquei lá por três anos. Depois, para a Grécia e, de lá para Barcelona […]

LI: Como é a vida agora em Raqqa?

Por meio dos meus colegas do grupo “Raqqa está sendo assassinada em silêncio”, é possível encontrar muitas informações. […]. Há um milhão de pessoas morando em todo o distrito: qualquer ataque em qualquer lugar do mundo pode ser um reivindicado pelo Daesh significa uma chuva de bombas contra nosso povo. Toda vez que há um ataque lá, as pessoas se preparam para os bombardeios. As forças internacionais estão distraídas conosco: elas só matam civis […].

LI: Agora há uma ofensiva em andamento para libertar Raqqa  (Nota da Redação: Se refere a ofensiva da coalizão siria-kurda apoiada pelos EUA)

Um criminoso sairá e outro entrará. 

LI: Como você vê o futuro?

Racionalmente, acho que a realidade na Síria é difícil, mas meu desejo é que o amanhã seja melhor e que um dia possamos reconstruir o país novamente. Essa é a minha esperança. Temos uma música que diz “continuaremos, e continuaremos e continuaremos sem parar “. Espero que um dia eu possa voltar para casa e contribuir para a construção de um futuro melhor.

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