Toda Solidariedade a Somália que sofreu o pior atentado terrorista desde o 11 de setembro
Maura Paranhos & Brenda Kimberly Pilares – CST / PSOL – Volta Redonda
Dia 14/10/17, um ataque terrorista deixou mais de 300 mortos na Somália, o mais violento já registrado em solo somali e pode ser considerado o mais letal no mundo inteiro desde o 11 de setembro de 2001. Só em 2017, a Somália viveu mais de 50 ataques terroristas, 38 apenas na capital e, atualmente, compõe a lista dos 10 países que sofrem 75% dos ataques terrorista do mundo.
Entretanto, não vemos a mesma comoção que é promovida pela grande mídia quando os atentados acontecem em lugares como Estados Unidos ou Europa. Isso ocorre graças à naturalização do sofrimento das pessoas que vivem em situação de miséria e violência, especialmente em relação aos países africanos que, em todo mundo, tornaram-se referência de sofrimento causado pelo colonialismo e exploração imperialista. E, assim, essa imagem distorcida das circunstâncias acaba criando a ideia falsa de que essas pessoas estão acostumadas com as dificuldades e crueldades que enfrentam.
A Somália, bem como muitos países africanos, faz parte de um território extremamente rico e valioso e se encontra em uma região geográfica estratégica, além de possuir um solo riquíssimo em petróleo e minérios. Todas essas características compõem um cenário extremamente favorável para que o país se tornasse uma grande potência e, no entanto, o que vemos são os diversos problemas que acometem a região como, por exemplo, a fome, seca, miséria e uma guerra civil desde 1991 que perdura por tempo indeterminado.
Portanto, para entender o que está acontecendo nesse local e o descaso mundial com situação em que vivem, é preciso compreender a origem dos problemas sociais, políticos e econômicos que acometem a região e como isso se relaciona ao imperialismo, colonialismo, racismo, ganância e a hipocrisia.
Desde o processo de colonização, os países africanos vivem constantes conflitos civis gerados pela repartição de hegemonia que, concretizada pela Conferencia de Berlim no século XIX, não respeita as delimitações anteriores a chegada dos europeus e formula as fronteiras de acordo com os interesses das grandes potências. Esses interesses se dão pelo fato de que se encontram no território africano recursos políticos e econômicos vantajosos e, além de já terem subjugado todo um povo para a obtenção da mão de obra escrava, até hoje lucram em cima desse sistema de classes em que a opressão racial é justificativa para a naturalização da superexploração.
Vale ressaltar que as delimitações anteriores a repartição européia foram articuladas com o intuito de preservar a sobrevivência de povos que possuem ideologias e religiões diferentes, já que a diversidade cultural do povo africano provém da não integração de um grande número de pessoas, fato que possibilitou a formação de clãs que compartilham de interesses e formas de subsistência parecidas.
Essa divisão colonial criou tensões com os países vizinhos e, enquanto a Etiópia tornou-se um pólo do imperialismo americano que também tinha bases militares no Quênia e na Eritréia, fornecendo treinamento e militares para esses regimes neocoloniais dedicados aos interesses ocidentais, a Somália defendia a revisão das fronteiras e o poder instaurado nesse país foi mais democrático e independente. Por isso, o Ocidente não tinha nenhum interesse em fornecer apoio ao país que poderia escapar de seu controle e esse posicionamento permanece até hoje.
É justamente devido a essa incapacidade de controlar o país somali que muitas ações do governo americano lá têm como propósito impedir a constituição de um governo de fato no país, pois isso acabaria com as chances de um domínio imperialista. A consequência de todos esses fatores e intervenções pretensiosas que permeiam a história do local é que, desde 1990, não há nenhum governo na Somália e o país vive nas mãos dos senhores da guerra que tiram proveito dessa ausência de autoridades políticas para explorar as riquezas que a região possui.
Foi o que aconteceu, por exemplo, com os navios europeus e asiáticos que passaram a pescar ao longo da costa somali sem qualquer tipo de licença ou respeito pelas regras ambientais, causando diversos danos ecológicos, ou as empresas europeias que despejaram resíduos nucleares no mar dessa costa, pois se tornou uma alternativa econômica para a gestão desses detritos. E o problema se agrava ainda mais depois do tsunami de 2005, em que esses lixos acabam sendo levados para terra firme pela força das grandes ondas e passam a ser encontrados nas praias somalis tonéis de resíduos nucleares de urânio, substâncias químicas e lixo hospitalar de origem européia.
Consequentemente, doenças desconhecidas passaram a afetar pela primeira vez a vida da população local: aqueles que tiveram contato com os tonéis passaram a apresentar problemas respiratórios e hemorragias intestinais, entre outros sintomas. Apesar das denúncias na época, nada foi feito e, atualmente, os piratas que atuam na costa somali – e que são frutos da falta de opção para sobreviver – cobram uma taxa para que as empresas européias continuem a descartar ilegalmente seu material tóxico ali.
A degeneração do estado, bem como os conflitos civis e sociais, motivaram intervenções militares dos Estados Unidos – entre outras potências – pra de alguma forma atuar sobre o país sob o manto de uma “ação humanitária”, como a operação Restore Hope, em 1992. Entretanto, toda essa boa ação foi de encontro novamente aos interesses do governo americano que, aproveitando a inserção no território Somali – que possui a maior extensão costeira da áfrica oriental, com saída para o oceano índico e o mar vermelho, dois pontos-chave da economia da região – tentaram capturar um dos dois auto-proclamados presidentes do país. A operação culminou em um fracasso histórico e, utilizando-se da comoção causada pela morte de seus soldados, o presidente americano retira suas tropas do país em 94, ainda mantendo o drama da suposta boa ação que falhara por culpa dos “malvados” somalis rebeldes.
Com a ausência da intervenção militar internacional, as milícias em guerra se repartiram cada vez mais e racharam de vez qualquer resquício que havia de uma forma de governo, aprofundando o caos político-social. Nesse cenário, ganham forças os Wahabistas que, com a formação das cortes islâmicas e a aplicação da Sharia, tinham como objetivo lutar contra essas milícias locais e unir o país.
A partir daí, tornam-se o mais próximo de um governo que a população já havia visto. Formou-se, então, a União das Cortes Islâmicas (UCI) e, com elas, a insatisfação americana que não via vantagem alguma nesse movimento de reconstrução da Somália. Por isso, o governo dos Estados Unidos passa a defender o Governo Federal de Transição, que antes se recusavam a apoiar. Na verdade, eles perceberam que o seu projeto de uma Somália sem Estado efetivo não era mais possível: um movimento – ainda por cima islâmico – estava prestes a levar a uma reconciliação nacional. No entanto, esse apoio ao GFT ocorreu sem que houvesse qualquer base social ou exército e assim, as tropas etíopes, comandada por Washington, atacaram Mogadíscio para derrubar os tribunais islâmicos, que acabaram por impulsiona-los a declarar, no início de 2006, tolerância zero para qualquer ação de tropas “pacifistas” no território.
Depois de quase um ano de guerra total que contou com o “auxilio” de bombardeios norte-americanos, dissolveu-se a ditadura das cortes e se reestabeleceu o governo federal de transição, gerando uma guerrilha clandestina perigosa com direito a uma gigantesca manifestação em que foram queimadas bandeiras dos Estados Unidos, Etiópia e Uganda.
Desenvolve-se, então, a Al-Shabaab, uma nova tendência do wahabismo militante, que tem como objetivo espalhar o terror transnacional para reunir muçulmanos sunitas hostilizados e humilhados do mundo inteiro em torno da luta pela formação de um governo islâmico universal. O grupo aproveitou-se do colapso de um Estado para tomar territórios com ataques extremamente cruéis e midiatizados e foi declarado como uma organização terrorista pelos Estados Unidos, que se negou a declarar guerra.
A força de ataque contra o grupo seria formada pela União Africana, supervisionada pela ONU e com “apoio tático” estadunidense, que mais uma vez torna-se justificativa para hostilidade militar americana, iniciando uma ação bélica sem o aval do congresso e tirando de seu caminho os “empecilhos burocráticos” da indústria armamentista, matando em um único ataque à Mogadíscio 150 pessoas. Desde então, a população somali permanece em meio ao confronto entre um governo fraco que responde aos interesses imperialistas, visando manter o estado lucrativo de caos e guerra no país, e o grupo extremista islâmico Al-Shabaab que reivindica a expulsão dos estrangeiros do território e a construção um governo que una os somalis baseado na lei islâmica.
Compreendendo essa dinâmica crítica em que se locomovem os acontecimentos no país, podemos assimilar melhor o recente atentado em Mogadiscio e sua relação com o combate entre o governo central e o grupo jihadista Al Shabab, à qual o governo local confere a culpa e que, no entanto, não assumiu a autoria, fato que muitos acreditam que tenha ocorrido pela proporção da crueldade do ato terrorista, já que Al-Shabaab é um importante ator político dentro da precária institucionalidade do país.
Por fim, em contrapartida com a solidariedade difundida em relação aos ataques terroristas sofridos por França e Grã-Bretanha no ano de 2015, os ataques sofridos pela Somália seguem no plano na invisibilidade pela mídia e pelos recursos informacionais que, ainda que seja um dos piores ataques terroristas da história, não está presente nas principais manchetes internacionais.
Juntamente com a cultura imperialista, a noção difundida de suposta inferioridade cultural e isolamento do continente africano contribuem para o distanciamento do sofrimento somali em relação aos ataques de mesmo âmbito sofridos pelos países ocidentais, uma vez que a aproximação que interessa aos países europeus e aos EUA é de caráter econômico e monopolista no que tange ao poderio e não de ajuda correlata para que as guerras cessem e a tranqüilidade se estabeleça.
Sabemos que a guerra gera lucros aos EUA e Europa em setores como o bélico e político, perpetuando o sofrimento da população somali – entre outras – e alimentando o esquecimento de suas mazelas. Entretanto, movimentos radicais islâmicos como Al-Shaabab atuam contra as investidas imperialistas em uma versão completamente distorcida de resistência e também não representam uma alternativa para melhorar a vida da população.
São, na verdade, um reflexo do abandono político, econômico e social somado aos ataques das grandes potências e a necessidade de sobreviver onde a maior unificação popular ocorre através da religião. E suas ações devem ser desaprovadas e denunciadas, pois, não só alimentam a distorção na consciência das pessoas sobre quem são os verdadeiros culpados pelo caos instaurado no país como também desarticulam qualquer levante de resistência das massas.
Mas é preciso repudiar também qualquer tipo de intervenção imperialista na Somália, incluindo a tática suja americana de apoiar e financiar bases militares em países africanos vizinhos para confrontos em território somali visando à perpetuação da guerra civil existente.
Não é possível mais aceitar o descarte impróprio de lixo na costa do país, nem a pesca ilegal, não declarada e não regulada, que retira da população uma das poucas formas de subsistência que possuem! Só a Espanha e França, pescam de forma predatória cerca de 500 mil toneladas de atum por ano no local, dizimando cardumes e sufocando a economia pesqueira que jamais poderia competir com essas embarcações.
É necessário exigir dos países europeus e asiáticos que parem de despejar seus lixos nos mares somalis e que tirem suas embarcações de pesca da costa, que se responsabilizem pelo dano ambiental, econômico e social que causaram e, até hoje, não se importaram em reparar.
Basta da política de repressão dos Estados Unidos com os ataques tendenciosos à Somália!
A África não é quintal dos países imperialistas!