Por que Não VAMOS?
A Frente Povo Sem Medo lança neste sábado 26 de agosto, em São Paulo, o primeiro debate da plataforma VAMOS! O objetivo, segundo Guilherme Boulos, um dos principais dirigentes dessa iniciativa, é construir um projeto para tirar o Brasil da crise. Os temas em debate serão: a democratização da economia; da política e do poder; da cultura e das comunicações; dos territórios e meio ambiente; e um programa negro, feminista e LGBT. Entre os principais debatedores e, portanto, proponentes estarão o próprio Boulos, Marcelo Freixo, Tarso Genro, a presidente do PT Gleisi Hoffman e o presidente da CUT Vagner Freitas, entre outros.
Não VAMOS! com o PT
Em recente matéria publicada na Carta Capital, anunciando o lançamento da plataforma VAMOS! Boulos afirma: “O Brasil está afundado numa de suas maiores crises […] na qual os remédios da austeridade levaram o País à UTI […] é também uma crise de representação política, com o Congresso desmoralizado, um governo ilegítimo e, sobretudo, um sistema falido e sem credibilidade. Um diagnóstico até correto, porém, ao não analisar a gêneses desta catástrofe, que tenta remediar, acaba buscando caminhos para sair do labirinto nas mãos daqueles que nos introduziram nele. Não vamos nos enganar, Gleisi Hoffman, Lindbergh Farias e Vagner Freitas, impulsionadores do VAMOS! são do time que quer ver Lula presidente em 2018. Gleisi Hoffman é a cara de Lula na plataforma VAMOS! Trabalha estritamente para o projeto de Lula 2018 e seu papel será levar esse debate a um pântano.
Sem romper, clara e publicamente, com o lulopetismo, não existe nenhuma possibilidade de iniciar um debate serio para construir um projeto de esquerda para o Brasil. Na última década, as propostas da maioria da esquerda bateram de frente com as políticas defendidas pelo PT. A crise econômica profunda é parte da crise gerada pelos governos petistas encabeçados por Lula e Dilma. Prova disso é Henrique Meirelles, um homem do mercado financeiro internacional, figura protagônica da área econômica durante o governo Lula, que hoje é o timoneiro das políticas de ajuste e das reformas contra a classe trabalhadora. Não por acaso, em recente entrevista no rádio, Lula declarou: “… devo muita gratidão ao Meirelles. Muita. […] Acho que o Meirelles teria contribuído para a Dilma”. Salvando a brutalidade para aprovar algumas medidas do atual ajuste, não houve uma ruptura da estrutura econômica na transição de Dilma/PT para Temer/Meirelles.
Não é crível que um dos setores responsáveis pela miséria e pelo “inédito nível de regressão social e dos direitos” de nossa classe possa nos ajudar a sair da crise. Mas, a plataforma do VAMOS! faz questão de contar com a presença dos petistas para discutir esse programa. O PT, que surfou por longos anos nos altos preços das commodities, não teve nenhuma política para reverter essa crise nem mudar a estrutura econômica do país a serviço dos banqueiros, do agronegócio, das empreiteiras e das multinacionais. Os excedentes econômicos dessa época de “vacas gordas” não serviram para promover a reforma agrária e urbana, desenvolver tecnologia, investir na saúde e educação pública ou em projetos sociais duradouros, sua principal preocupação foi manter um elevado superávit primário para pagar a dívida pública.
Tampouco este Congresso e este sistema são radicalmente diferentes dos que governaram, por longos anos, com Lula e Dilma, como diz Boulos. São os mesmos picaretas que Lula denunciava em 1993 e que renderam uma música popularizada por “Os Paralamas do Sucesso”. Porém, ao chegar ao governo, 10 anos depois, Lula e o PT adotaram esses picaretas que, de Sarney a Jader Barbalho e de Renan Calheiros a Temer, se integraram numa grande família para compartilhar o banquete do mensalão e de tantos outros atos escusos, que os manteve unidos por longos anos, os anos que o PT ainda detinha o controle do movimento de massas e era útil ao grande capital. Para tanto teve de atacar direitos e conquistas democráticas da classe como aconteceu com a reforma da previdência, a mudança no seguro desemprego, a criminalização do protesto, a lei anti terrorista, e privilegiou as relações com o agronegócio e as empreiteiras sobre os interesses dos povos indígenas para a construção de hidroelétricas e na demarcação de terras, entre outras medidas exigidas pelo mercado.
Não VAMOS acreditar que se pode construir com o PT um programa para democratizar a economia, as comunicações ou o meio ambiente. Por mais de uma década a direção desse partido se manteve unido governando para os mercados, promovendo privatizações e entregando parte de nossas riquezas como aconteceu nos leilões do pré-sal; negou-se a aprovar a auditoria da dívida pública; nunca questionou os interesses da Globo e provocou um dos maiores desmatamentos que se tem conhecimento, sob a condução de uma liderança do agronegócio chefiando o Ministério da Agricultura. Que poderia aportar a direção petista num programa para os negros, as feministas ou os grupos LGBT? O maior símbolo de discriminação racial hoje, a injustificável prisão do companheiro Rafael Braga, é da época do governo Dilma. Deu as costas às reivindicações feministas, principalmente à legalização do aborto e enquanto as comunidades LGBT sofriam brutais ataques, o governo petista cedia à pressão da bancada evangélica retirando projetos de educação sexual nas escolas.
Não VAMOS! com um programa sem identidade de classe
Mas, além da inviabilidade de debater um programa de esquerda para tirar o Brasil da crise com o PT, a plataforma do VAMOS! não tem identificação de classe. Para que interesses a esquerda se propõe a debater um programa? “A idéia é realizar uma discussão ampla, nas redes e nas praças, que contemple a diversidade de representações e de posicionamentos políticos […] Todos poderão apresentar propostas pela plataforma colaborativa e participar dos debates públicos” escreve Boulos, deixando aberta a velha política petista de “governar para todos”. A esquerda deve construir um programa que contemple os interesses da classe trabalhadora e os setores oprimidos. Fazemos um programa para governar para um setor determinado, a classe trabalhadora e seus aliados, contrariando os interesses dos de cima. Não é isso que propõe o VAMOS!
Não VAMOS! com a candidatura de Lula porque não representa os interesses da classe trabalhadora. “Nós, particularmente no MTST, temos profundo respeito pelo ex-presidente e por sua trajetória. É inegavelmente a maior liderança social deste País”, continua Boulos, com exagerada admiração. Com todo o respeito que temos com a opinião dos companheiros do MTST, não coincidimos com essa apreciação. Como outros setores da esquerda, deixamos de ter respeito pela trajetória de Lula faz muitos anos, desde que “atravessou o Rubicão” para governar com e para o grande capital, traindo a confiança de nossa classe. A trajetória de Lula, não é uma linha reta, está cheia de meandros, nos quais foi se afastando da classe trabalhadora para se abraçar com seus inimigos. É o que faz agora nessa caravana eleitoreira, montando palanque com os Calheiros em Pernambuco e com o governador de Sergipe Jackson Barreto (PMDB), criando tanto constrangimento que um setor do PT e os dirigentes locais da CUT se retiraram do ato. A esquerda deve questionar, não enaltecer “…a maior liderança social deste País” Muitos inimigos dos interesses da classe foram por anos lideranças eleitorais de massas e ganharam eleições a fio, mas não o fizeram para favorecer os explorados.
Tampouco é correto o argumento de que a esquerda faz anos que não debate ou não tem propostas programáticas, como expressam alguns. Temos debatido muito com o PT, dentro e fora dele. O primeiro grande debate que fizemos, desde a esquerda, foi quando o PT chegou ao governo e defendeu Sarney para presidir o senado e Henrique Meirelles para presidir o Banco Central com status de Ministro. Foi um debate sobre o caráter de classe do governo, ao qual Lula fez ouvidos moucos. Mas a “mãe das batalhas” político/programáticas, foi contra a proposta de reforma da previdência no ano de 2003. Qual foi o debate que fez a cúpula do PT com as dezenas de milhares de funcionários públicos que se mobilizaram Brasil afora? Nenhum! Pior ainda, expulsou sumariamente os parlamentares rebeldes Heloísa Helena, Luciana Genro, Babá e João Fontes por ficar do lado dos trabalhadores e contra as exigências do mercado.
Em todos estes anos fizemos inúmeros debates programáticos contra as políticas da direção do PT. Pela auditoria e suspensão dos pagamentos da dívida pública; por não avançar na reforma agrária e urbana; por uma Petrobras 100% estatal, contra as privatizações de portos aeroportos e os leilões do pré-sal; pela legalização das drogas, pela legalização do aborto para proteger a vida das mulheres; contra a criminalização dos protestos; por aumento de salários e contra as demissões; por verbas para educação, saúde e transporte público e não para a Copa e as Olimpíadas, só para lembrar de alguns grandes debates que foram colocados nestes anos sob o silêncio cúmplice do PT e suas direções satélites. Porque, o que é um programa, senão as tarefas que a classe trabalhadora se propõe para superar seus problemas, vinculado aos seus interesses históricos?
Na verdade, os que nunca promoveram o debate são alguns dos que hoje se alistam para debater um projeto, que depois vão querer apresentar, ainda que seja de fachada, defendendo a candidatura de Lula com o filho do falecido mega empresário José Alencar como vice. Mas, que debates fizeram a direção do PT e da CUT, quando os trabalhadores necessitavam derrotar as políticas do lulopetismo quando esta era governo e o ajuste e as contra reformas de Temer/Meirelles na atualidade? Março, abril, maio e junho foram meses de grandes mobilizações, lutas e protestos, mas a classe trabalhadora ficou praticamente órfã e sem possibilidades de debater um verdadeiro plano de lutas com essas direções para derrotar Temer. Em dezembro de 2016 deixaram passar MPs com brutais ataques aos trabalhadores do serviço público, o mesmo aconteceu em março deste ano com o projeto das terceirizações no qual brilharam pela sua ausência, nunca fizeram assembléias de base para discutir a luta, se acovardaram durante a vitoriosa Marcha a Brasília e desmontaram a greve geral marcada para 30 de junho.
São essas direções, que ainda tem o controle dos grandes aparatos, atuando como satélites das políticas petistas, que impedem o avanço da classe trabalhadora e seus aliados. O que explica que, depois da maior greve geral do Brasil em dezenas de anos, quando cruzaram os braços mais de 40 milhões de trabalhadores, depois da vitoriosa Marcha a Brasília, onde os manifestantes conseguiram quebrar a barreira policial apesar do recuo das direções burocráticas, não tenha acontecido a greve geral de 30 de junho, onde os trabalhadores aspiravam nocautear o governo Temer? A única explicação é a política nefasta das direções petistas. A política do lulopetismo não foi nem é derrubar Temer. É parte de um acordão com os tucanos, o PMDB e setores do STF para chegar com menos conflitos às eleições de 2018. Para isso desmontam as lutas, frustrando as aspirações de milhões de trabalhadores, na tentativa de quebrar o impulso da mobilização. O centro dessas direções é investir na caravana de Lula 2018 e não na derrota do governo. Infelizmente, a plataforma VAMOS! acabará sendo parte desse contexto eleitoreiro e de conciliação de classes.
Não é possível “ampliar a mobilização popular e construir uma massa crítica pela esquerda” com essas direções. Nem fazer “Uma discussão sintonizada com o trabalho de base dos movimentos das periferias, com ativismos de redes e ruas, que seja capaz de reencontrar um fio de esperança”. Não há saída para a crise do país com essas cúpulas colaboracionistas que já traíram a confiança dos explorados. A crise é grave! Não há tempo a perder com quem não tem os mesmos objetivos e só quer amarrar a esquerda à um programa de conciliação de classes para 2018. O MTST e os dirigentes do PSOL que impulsionam o VAMOS! devem romper com a direção do PT e da CUT e chamar à unidade com o PSTU, o PCB, a CSP-Conlutas, os trabalhadores em luta, os sindicatos combativos, os movimentos das periferias, os setores que se organizam contra as opressões, a juventude e os ativistas das redes e das ruas para impulsionar a luta para derrotar o governo Temer e seu plano de ajuste. Nesse processo iremos construindo o programa. Há suficiente acúmulo em nosso partido e em outros setores da esquerda para elaborar um verdadeiro programa de esquerda, anticapitalista, socialista, que defenda os interesses dos explorados e que reveja as medidas econômicas, políticas e sociais votadas contra os de baixo. Só assim, longe das direções que foram responsáveis pelo atual desastre que vive nosso país, poderemos começar a reencontrar um fio de esperança.