Jacarezinho completa hoje 12 dias de guerra e pânico.
Por Júlia Borges – militante da CST e do PSOL – RJ.
Jacarezinho: uma comunidade obrigada a viver em uma guerra que não é sua.
Não é correto que crianças saibam a terminologia da guerra e entendam que um bebê foi acertado por um tiro que o levou a morte, mesmo sem nem ter saído da barriga da mãe.
Ou que os pais e amigos de 13 anos de Maria Eduarda entendam como “Dano Colateral” a morte da menina quando estava dentro da escola.
A guerra ataca os trabalhadores e seus familiares e é contra os negros e pobres, para comprovar é só ver a cor de quem morre ou é atingido pelas balas, sejam crianças, policiais ou traficantes todos têm a mesma cor.
Tudo recomeça na comunidade do Jacarezinho em 11 de agosto, quando o agente da Coordenadoria de Recursos Especiais (Core) Bruno Guimarães Buhler foi assassinado e em tese seria iniciada uma investigação para apurar a morte do policial.
Nenhum lugar é seguro mas, a GUERRA tem endereço.
Não à toa o risco de alguém ser morto a tiros em favelas é três vezes maior que nas demais áreas do Rio e 86% de todas os autos de resistências ocorreram nas favelas.
Mas, você sabe o que é auto de resistência? Porque às vezes lemos tantos dados sobre essa guerra que naturalizamos algumas expressões. Para quem não sabe explicamos: é quando o policial mata uma pessoa e alega legítima defesa e que houve resistência a prisão. A ocorrência é registrada como “auto de resistência” e as testemunhas são os próprios policiais que participavam da ação. O crime quase nunca será investigado.
Jacarezinho: 11 dias de tiros e pânico.
A guerra acontece nas favelas: mas o Jacarezinho enfrenta o pior momento da sua história. Se contarmos somente nos 10 primeiros dias da guerra quase 146 MIL estudantes ficaram sem aula porque a escola não é segura.
Brecht nos suplicava: “não aceiteis o que é de hábito como coisa natural, pois em tempo de desordem sangrenta, de confusão organizada, de arbitrariedade consciente, de humanidade desumanizada, nada deve parecer natural..”
Esse exercício é fundamental para encarar a realidade da comunidade. Os estudantes da escola de Maria Eduarda, morta a tiros na quadra da sua escola, já viram a escola fechar 31 vezes e só nestes 10 dias os trens do ramal pararam 11 vezes, nove delas na região do Jacarezinho. No total das suspensões desta rota por causa dos tiroteios, desde o início de 2017, o ramal sofreu 22 suspensões de serviço. Dessas, 15 somente nas proximidades do Jacarezinho.
Com organização e luta podemos mudar o impossível!
Estamos falando de MILHARES de pessoas que vivem situações de guerra: no décimo dia de tiroteios quase 27 MIL crianças ficaram sem aula. Não é natural! Não podemos aceitar!
27 MIL crianças com os seus responsáveis e com os moradores do Jacarezinho podem e devem continuar com os protestos reivindicando o fim dessa guerra que não é sua, paz, educação, segurança. Pedimos que quem não mora na região também se solidarize! Organizados temos muita força! Só precisamos dizer basta e nos organizar pra lutar!
O poeta Brecht nos orienta a examinar sobretudo o que parecer habitual.
Classificar uma operação militar como uma vergonha que deveria acabar imediatamente não pode ser normal, não pode ficar sem consequências. Quem planejou a ação? Quem autorizou?
Sabemos que Temer mandou, assim como Dilma fizera anteriormente, homens armados, em tanques blindados para as favelas. O nosso dinheiro continua sendo investido para matar pessoas nas favelas. Não podemos aceitar que o próprio ex-secretário nacional de Segurança Pública,classifique a operação como um “constrangedor fiasco” e ela no dia seguinte continue matando e traumatizando as crianças. Mas por que disso?
A cidade, que teria de presente o legado da Copa e das Olimpíadas, amarga o resultado da aliança corrupta entre PMDB e PT. Ainda que o problema de violência seja histórico no Rio a agudização da crise e o início da guerra no Jacarezinho desesperam a população que clama por paz sem visualizar nenhuma alternativa que não seja se esconder das balas.
Inclusive essa é a proposta do prefeito que na segunda 21/8 oficializou que a orientação é, pasmem vocês, fechar as escolas. Isso mesmo! O prefeito que foi apoiado por Lula e Dilma, Marcelo Crivella (PRB) acredita que a saída, pasmem é fechar as escolas e blindar muros e paredes de TODAS as escolas municipais do Rio de Janeiro.
O que fazer diante de todo o caos e incompetência política?
Algumas lições fundamentais: é preciso aprender com todo esse desastre, em primeiro lugar ficou claro para toda a população que a farsa das UPPs foi um grande fiasco. Inclusive a polícia afirma que a violência e os tiroteios aumentaram nas áreas onde as UPPs foram implantadas.
Silvia Ramos, cientista política que pesquisa as UPPs publicou um estudo e afirma: “Ouvimos muito o discurso de que, antes de as UPPs falirem, a vida dos moradores tinha passado por muitas melhorias. Os dados da pesquisa mostram que isso não é verdade, que a UPP não foi essa maravilha toda. Nas favelas, sempre houve problemas, e os moradores continuaram convivendo com eles. As exceções foram os tiroteios, que a maioria diz – que antes das UPPs – aconteciam menos e agora estão insuportáveis — analisa.”
O Sindicato dos Profissionais da Educação (SEPE) apresenta outro caminho e a solução encontrada não tem haver com investir nem mais um centavo em armas, blindagem ou policiais, pelo contrário, o SEPE denuncia o governo de Pezão e Crivella que estão fechando escolas e apresenta a mesma resposta que os professores da Escola de Maria Eduarda, que enviaram ao prefeito e ao secretário municipal de Educação sendo contrários a blindagem das escolas e reivindicando o que seria a blindagem social.
Somos parte dos que acreditam que é fundamental ter uma resposta radical ao terror do crime, a violência e a corrupção. É preciso investir nas escolas, coleta de lixo, formação de escolas técnicas, estruturas de lazer nas comunidades. Mas, os governos de forma criminosa só mandam a polícia para matar. O caso do Amarildo, que ocorreu no início desta política já alertava para o erro o fracasso que viria.
Nada é impossível de mudar: Desmilitarizar a polícia é fundamental para mudar o curso da história de guerra no Rio.
É fundamental a desmilitarização da polícia. O Brasil tem a polícia que mais mata e mais morre no mundo. Só a polícia do Rio de Janeiro mata quase o dobro que a polícia de todos os EUA, segundo dados do ISP (Instituto de Segurança Pública). Não estamos inventando nada novo, a própria ONU recomenda a desmilitarização que já ocorreu em diversos países como Argentina, Grã Bretanha, Estados Unidos, etc.
Diferente do que a mídia fala, 7 em cada 10 Policiais Militares são favoráveis à desmilitarização da PM. Desmilitarizar a PM não é nada mais do que transformá-la numa instituição civil como são todos as outras que cuidam da segurança pública, para assim permitir que seus membros detenham os mesmos direitos e deveres básicos do restante da população. É preciso que a PM deixe de ser vinculada ao Exército e passe a defender a população e lutar contra a corrupção interna, ao invés, de defender o “Estado”.
Um novo Rio é possível: Com dinheiro e investimento na “blindagem social” podemos mudar a realidade!
Crivella, que foi apoiado por Lula e Dilma, segue a mesma linha que faliu o RJ: dar isenções fiscais. Exatamente, deixar de receber dinheiro. Só na área do transporte serão menos R$ 71,7 milhões. Está nítido que o problema não é a falta de recursos e sim a prioridade dos governantes.
Devemos priorizar a estruturação das comunidades, com acesso a água e saneamento básico, transporte de qualidade, escolas, coleta de lixo regular, urbanização das ruas, áreas de lazer e diversão.
Ao invés de fechar as escolas precisamos abri-las, em tempo integral, com merenda e salas de aula com qualidade. As bibliotecas públicas, centros de informática, lavanderias e restaurantes públicos precisam virar realidade.
Para isso é preciso ter dinheiro – o que sabemos que o Brasil tem. Propomos a imediata suspensão do pagamento de qualquer dívida seja da cidade do Rio, do Estado ou da União que não priorize os salários dos servidores, a saúde, educação e segurança pública.
Combinado a isso, é fundamental reverter as isenções fiscais concedidas e exigir das empresas corruptas a devolução do dinheiro além da estatização das empresas que afinal só se mantém por conta do dinheiro público e devem retornar à população que as tem financiado mesmo sem ser concordar. Nos solidarizamos aos moradores do Jacarezinho e de todas as comunidades do Rio que são obrigados a viver a guerra. É preciso por um fim a essa rotina!
Somos parte desta realidade e também lutamos pelo:
Pelo afastamento imediato, investigação a fundo de todas as denúncias de corrupção contra policiais e agentes públicos responsáveis diretos pelas mortes dos moradores nas favelas e pela desmilitarização da policia.
Prisão para todos os corruptos e corruptores e que seus bens sejam confiscados e todo o dinheiro roubado seja devolvido com juros a população;
Pelo fim das isenções fiscais – que o dinheiro seja revertido para o pagamento dos servidores com indenização pelos dias de atraso e garantia de serviços públicos de qualidade, como transporte, postos de saúde e escolas.
Não pagaremos a dívida dos corruptos e ricos! Suspensão e auditoria da dívida pública e investimento emergencial em educação, saúde e atividades culturais e de lazer.
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