Maduro não, Chávez sim? | Dados da economia do “Socialismo do século XXI”
(Contribuição da Luta Internacionalista* – Espanha, de junho/julho.)
Este é um debate com setores do chavismo crítico e também com organizações do mundo que reivindicam o chavismo. Para nós, Maduro não é um ponto fora da curva, mas a continuidade da política de Chávez.
Em 2013 aconteceu a morte de Chávez, e pouco depois, em 2014, os preços do petróleo despencaram, sendo que haviam estado a mais de 100 dólares o barril. Assim, devemos ver que o que fez Chávez nos anos anteriores de bonança econômica. Uma parte das entradas milionárias do petróleo foi efetivamente para os planos assistenciais, para amortecer a pobreza, onde devemos localizar as Missões. Isto podemos considerar uma necessidade imperiosa frente à urgência social de 1999. Mas 14 anos depois e ainda com entradas milionárias, se constata um processo de desindustrialização que vai de 30 a 40% especialmente na grande indústria que é a que mais empregos gera, e também não se reverteu o déficit de autossuficiência alimentaria, expressando a falta de investimentos produtivos para melhorar ou mudar a estrutura do país.
Assim, por exemplo, o anuncio “bombástico” de que seriam reduzidas as exportações de ferro e alumínio para desenvolver a indústria nacional, foi uma cortina de fumaça sobre a queda da produção: na nacionalizada Sidor, a produção de ferro em 2013 estava em 45% da capacidade instalada; e o alumínio produzido pela também nacionalizada Alcasa entre 2012 e 2013 caiu 28%.
O predomínio da estrutura produtiva extrativista se mede na dependência da exportação de petróleo: se em 1997 era 77% das exportações, em 2012 chegou a ser 96% das mesmas. Chávez o denominou o “socialismo petroleiro”. Também o grosso de suas alianças internacionais foi construído em torno da exploração e defesa do preço do cru: assim os milionários acordos de 2009 com a Rússia de Putin e com a China. Ou os acordos com o Irã de Ahmadinejad. Ou com Kadhaffi… Por isso sua política de apoio aos regimes árabes reacionários contra seus povos em pleno processo revolucionário de 2011. Os preços do petróleo cresceram de maneira exponencial até o ano de 2008, ano que teve um dos picos máximos de produção. Mas a partir de aqui, os preços continuaram altos, mas nem tanto. Resultado: PIBs negativos em 2009 e 2010 (Chávez deixou o país em 2013 com um crescimento de 1,3%) e começa um endividamento que de 2006 a 2013 passa de em torno de 30% a mais de 70% do PIB.
Além do mais, Chávez impulsionou a UNASUL em 2007 e a criação dentro dela do COSIPLAN 2009, assumindo o tema da infraestrutura que desde o ano 2000 vinha impulsionando o imperialismo ianque com o IIRSA (Integração da Infraestrutura Regional Sul-americana). Este plano que foi muito rejeitado no conjunto de América Latina, era um plano extrativista para esvaziar os recursos naturais do continente, incluídas as reservas de água para canalizá-los em direção aos EUA.
O COSIPLAN assume grande parte dos projetos da IIRSA (de fato se denomina COSIPLAN-IIRSA) começando pelas suas enormes estradas que abrem caminho em terras de comunidades indígenas, mas sobre tudo pela sua essência extrativista através da mega mineração para arrancar a céu aberto a riqueza da terra. Chávez, com a linguagem da revolução bolivariana e a integração latino-americana, deu cobertura a um dos planos que o imperialismo sozinho, provavelmente não estava em condições de impor.
A extração de carvão e ouro em terras indígenas cresceu a partir de 2006, afetando gravemente as comunidades yekuanas e sanemas. Depois de ter revogado a concessão à empresa canadense Gold Reserva, em 2011 Chávez reativa a extração com o anuncio do gigantesco projeto mineiro denominada na época “Arco Mineiro de Guayana” (a mega mineração do Arco Mineiro do Orinoco, de Maduro). Estas explorações começam sob a intervenção direta do exército e com empresas mistas.
A política anti-imperialista teve pouco fôlego. Não só pelo plano COSIPLAN-IIRSA ou por ser a Venezuela o terceiro provedor de petróleo aos EUA ou a sexta potência de refinarias e postos de gasolina e, por tanto, ser os EUA o primeiro comprador do petróleo venezuelano, que pode ser uma necessidade iniludível. Mas também pela política seguida com as multinacionais às quais, depois das publicitadas expropriações (todas com indenização a preço de mercado) voltou a abrir-lhes a porta através das empresas mistas: Chevron Texaco, Statoil, British Petroleum, British Gás Group, Royal Deutsche Shell, Repsol YPF, Total Fina Elf… além das chinesas e russas. No balanço da estrutura produtiva é necessário considerar o papel do capital estrangeiro, assim como a teoria da economia público privada a as empresas mistas como parte do “Socialismo do Século XXI”.
REPRESSÃO AOS QUE LUTAM
De fato, sob Chávez, continuaram ficando majoritariamente impunes os crimes que continuava operando o “sicariato” (bandas armadas) da patronal. No campo, as pressões da burguesia para não perder suas propriedades fizeram que muitas “demarcações de terra” dos povos originários (reconhecimento dos limites e território de cada povo, comprometido pela constituição de 1999) ficaram paralisadas. Assim, as bandas armadas dos latifundiários continuaram assassinando os membros das tribos como “ocupantes ilegais” e das grandes fazendas, como os yukpa em 2009. Entre 2001 e 2009 foram assassinados 214 camponeses e somente houveram 7 detidos. Também foi mantida a impunidade com os crimes dos “sicários” contra o sindicalismo, especialmente durante a onda de mobilizações de 2012 exigindo o cumprimento das convenções coletivas, em muitos casos lutas contra o próprio governo visto que eram empresas nacionalizadas: houveram 77 assassinatos, quase o triplo do ano anterior. Já antes, em 2008, tinham sido assassinados em Cagua (Estado Aragua) nossos companheiros do PSL (antes USI) Richard Gallardo, coordenador da União Nacional de Trabalhadores e presidente da seção de Aragua; Luiz Hernandez, dirigente sindical de Pepsi Cola e Carlos Requena, delegado de prevenção de Produvisa: até o dia de hoje os culpados continuam impunes.
A redução drástica dos preços do petróleo em 2014, que acompanhou a queda da produção- colocou a nu a gravidade daquela política assistencialista que em nada mexeu com a estrutura produtiva e fez ao povo venezuelano menos soberano que antes. Agora depende absolutamente da importação dos produtos mais básicos. Ao baixar os ingressos do petróleo, o governo optou por reduzir as importações para sustentar os pagamentos da dívida externa.
A inexistência de uma real reforma agrária e de uma política de soberania mínima fez que produtos que antes eram exportados como, por exemplo, o açúcar, agora tenha que ser importado em 60%; além de 100% do trigo, 76% do leite, 39% do milho, 45% do azeite […] (dados atuais do próprio governo: http://misionverdad.com/la-guerra-en-venezuela/datos-sobre-la-importacion-alimentária-en-venezuela-infografia%20)
A POLÍTICA DE MADURO HOJE
“No marco da aplicação de um ajuste brutal, com uma inflação fora de controle, o governo procurou acordos com a patronal. Em janeiro de 2017 foi criado o Conselho da Economia Produtiva, que reúne toda semana e incorpora os principais setores patronais da Fedecâmaras**, com os quais o governo fecha acordos em torno de planos de austeridade, liberação de preços, privatizações, entrega de terras recuperadas. Além do que, a política cambiaria com diversos preços para o dólar, favorece à grande burguesia exportadora e importadora, que pode trocar o dólar a 10 bolívares, enquanto nos mercados paralelos pode vendê-los por milhares de bolívares! Também não houve nenhuma medida contra a fuga de capitais de mais de 300 bilhões de dólares nos últimos anos. […] A nacionalização do Banco Santander feita por Chávez, em troca uma indenização milionária, deu ao dono um lucro de 300 milhões de euros.
A relação com Trump, além de chama-o de “camarada”, Maduro contribuiu com meio milhão de dólares para a festa da posse de Trump através da CITGO (filial da PDVESA e sexta refinaria dos EUA). Que não existe nenhuma guerra contra o “império” é possível de constatar no pagamento rigoroso da dívida externa, sem sequer fazer uma auditoria […]
Também, a criação das Zonas Econômicas Especiais faz reviver o projeto do FMI e o ex presidente Caldera (COPEI/social cristã) dos anos 90 e que significa a liberalização total de parte do território. Em 2014/2015 Maduro criou a ZEE de Paranaguá (estado Falcón); a ZEE de Ureña (estado Táchira) e a Zona de desenvolvimento estratégico da Faixa Petrolífero do Orinoco chamada Hugo Chávez – a maior reserva certificada de hidrocarbonetos do mundo- para facilitar as empresas privadas de China, Japão, Europa e América Latina, segundo eles afirmam.
A RELAÇÃO COM AS FORÇAS ARMADAS
As forças armadas são o pilar decisivo do governo. Maduro incrementou seu papel político e econômico. Assim, dos 32 ministros, 11 são militares –como o das finanças ou da Alimentação – além de controlar 50% dos governadores. Em setembro de 2016 Maduro os colocou à frente do controle da distribuição de alimentos. As forças Armadas têm dezenas de empresas e atuam como um autêntico holding corporativo: têm empresas de vigilância de valores, de transportes, um banco comercial, uma empresa têxtil, tudo financiado com dinheiro público. Em fevereiro de 2016 foi criada a Companhia Anônima Militar de Indústrias Mineiras, petroleiras e de Gás (CAMIMPEG) por fora do controle do Ministério de Petróleo e da Assembleia Nacional.
*LI-Luta Internacionalista, seção oficial da UIT/QI do Estado Espanhol ** FEDECÂMARAS. Federação patronal venezuelana que encabeçou o golpe contra Chávez em 2002. Entidade similar à FIESP brasileira.