O financiamento privado e a esquerda: um debate com os camaradas do MES
Semana passada estourou mais uma “bomba” que os políticos desse regime apodrecido temiam: a “delação do fim do mundo” dos executivos da Odebrecht desnudou ainda mais a relação corrupta e espúria dos políticos com as grandes empresas, a “captura” do estado por essas empresas. Nos parece que a frase de Karl Marx de que o Estado é “um comitê para gerir os negócios comuns de toda a classe burguesa” nunca esteve tão evidente.
Os que se adaptaram e sustentaram o regime burguês da Nova República estão todos envolvidos no mar de lama da corrupção. Nada menos que todos os ex-presidentes desde 85 (Sarney, Collor, FHC, Lula, Dilma), o atual presidente Temer, além de diversos ministros, senadores, deputados, etc. PMDB, PSDB, PP, PT, PCdoB, Solidariedade, entre outros, todos envolvidos com corrupção e tráfico de influência. Todos receberam propina para favorecer os interesses da Odebrecht.
No final da semana outro fato importante ocorreu: Pedro Novis, executivo da Odebrecht, na sua delação diz que “ouviu falar” que Luciana Genro fazia caixa 2 com dinheiro da Odebrecht. No dia seguinte, Luciana Genro e Roberto Robaina fizeram uma transmissão ao vivo no Facebook, mostrando uma troca de e-mails com um alto executivo da empresa, que comprovam que, por não aceitar a proposta de tráfico de influência da Odebrecht, Luciana Genro encerra a parceira que tinha a ONG por ela dirigida “Emancipa”, de cursinhos pré vestibulares para jovens de baixa renda, com a empresa Odebrecht.
Seguimos com Luciana em defesa da punição e prisão dos corruptos!
Acreditamos que a companheira Luciana não fez tráfico de influência nem usou de caixa 2. Uma companheira que, junto conosco, fundou o PSOL justamente por não se adaptar ao “modo PT de governar”, favorecendo os grandes bancos, empreiteiras, atacando direitos trabalhistas e se enlameando na corrupção. Uma trajetória política sem dúvidas de grande importância para a esquerda brasileira. Não somos parte daqueles que dizem que a citação de Luciana, mostra que todas as delações são “injustas” ou então que questionam todas as investigações por causa desse fato. Nisso concordamos com Luciana: que as investigações devem seguir, doa a quem doer, e que devemos, com a mobilização popular, exigir o Fora Todos os Corruptos e que os responsáveis pela corrupção sejam presos se seus bens sejam confiscados.
De nossa parte não alimentamos nenhuma confiança que sem a mobilização do povo a Lava-Jato vá punir todos os corruptos. O fato de não ter hoje nenhum tucano preso, em que pese todas as denúncias, fala por si só. Porém, o principal perigo hoje é o grande acordão que Lula, Temer e FHC buscam para conter a repercussão das delações, um acordo espúrio que garantiria que o desastroso governo Temer continuasse até 2018 e que Lula pudesse se candidatar. Os setores da esquerda que negam ou minimizam a luta contra a corrupção, no qual não incluímos obviamente os companheiros do MES, abrem brecha para o fortalecimento político dos que querem a todo custo esse acordão.
Porém, o recente episódio envolvendo Luciana reacende um debate no PSOL e na esquerda brasileira: o financiamento privado de campanha ou para ONG’s dirigidas por organizações de esquerda é válido ou não é? Nós temos sustentado há anos que não é.
“Aceitamos dinheiro de empresa, mas isso não influencia em nada a nossa política”
Temos ouvido há muitos anos essa frase de companheiros que aceitam financiamento privado de campanha ou então de projetos que impulsionam. A realidade tem mostrado que essa frase está completamente errada e os fatos que comprovam isso já são muitos. O debate com os companheiros do MES não é de hoje. A primeira vez que o fizemos foi quando Luciana e o MES aceitaram o financiamento da Gerdau e da Taurus (fabricante de armas) para sua campanha eleitoral, sustentando que não se contrapunha ao estatuto do PSOL, visto que a “Gerdau não é uma multinacional”, quando a Gerdau é sim uma multinacional.
Quando Luciana fundou o cursinho Emancipa com a “parceria” de diversas empresas, inclusive que tinham acusação de corrupção e desrespeito aos direitos trabalhistas, escrevemos em nosso jornal: “O que faz a direção do MES é utilizar o prestígio de Luciana Genro para embelezar os donos das empresas, mentir para os trabalhadores e os jovens alunos do seu cursinho que estas empresas são suas parceiras. Enfim, uma política desastrosa para a consciência de nossa classe.” (“Luciana Genro cria cursinho financiado por grandes empresas”. Combate Socialista, abril de 2011).
Mas além disso, vamos aos fatos. Comecemos pelo próprio vídeo de Luciana. Ali ela diz que encerra a sua parceria com a Odebrecht porque não aceita fazer tráfico de influência. Luciana fecha ali a relação. Confiamos que Luciana fala a verdade. Mas para nós essa relação nunca deveria ter existido. Apesar de fechada a “parceria”, fica em aberto o questionamento: Se a Odebrecht lhe pediu em 2013, depois das jornadas de junho, para fazer tráfico de influência, porque não, à época, fazer uma denúncia pública do ocorrido? Foi sim um grave erro de Luciana e da direção do MES saber que a Odebrecht estava tentando fazer tráfico de influência no RS e ter mantido isso em sigilo até abril de 2017, quatro anos depois! Ou então quando Luciana reconhece que levou Alexandrino, executivo da Odebrecht para uma reunião com a bancada gaúcha em 2007 na Câmara dos Deputados para que este apresentasse a sua visão sobre um conflito com o sindicato. Acreditamos que o papel de um parlamentar revolucionário não é esse. Levar o sindicato, sim, é o papel. Os representantes da patronal que sejam levados pelos deputados que defendem seus interesses, o que não falta no covil do Congresso Nacional.
Luciana em sua última candidatura à prefeitura da capital gaúcha, defendeu claramente que as terceirizações eram necessárias por causa da Lei de Responsabilidade Fiscal. Não aprofundaremos o debate aqui sobre todos os efeitos desastrosos da terceirização para a classe trabalhadora brasileira. Sem questionar isso, Luciana apenas diz que é necessário fazer. Também não questionou a Lei de Responsabilidade Fiscal, responsável direta pela precarização nos serviços públicos dos munícipios. No mesmo debate Luciana sentenciou: “As PPPs podem ser uma alternativa em certos casos, desde que o público seja beneficiado, não apenas o privado”. Indo um pouco mais para trás, mas nem tanto, a campanha de 2008 teve frases como: “aceitamos dinheiro de empresários dispostos a lutar contra a corrupção”. Ou então no dia 24 de setembro do mesmo ano, dias antes da eleição: “Eu pedi para o Zaffari, por exemplo, e ele me deu 50 mil reais, (…) e eu fico absolutamente tranquila em pedir ao Zaffari, porque é uma empresa gaúcha, que inclusive está enfrentando a corrupção lá em São Paulo.” Alimentar a ilusão de que a empresa Zaffari luta contra a corrupção, outro erro sob a influência direta do financiamento dos companheiros.
Não queremos dizer com esses inúmeros exemplos que Luciana Genro se transformou em uma agente dos interesses dos financiadores do Emancipa e de suas campanhas eleitorais. Não é assim. Mas afirmamos aqui que as argumentações que dizem que o financiamento “em nada mudou a política” não se sustentam. Acreditamos que todos esses exemplos mostram de forma categórica que o financiamento privado influencia sim na política. Sem financiamento privado para suas campanhas e a ONG Emancipa, acreditamos todas essas posturas políticas teriam sido diferentes. Sinceramente essas políticas que ela chegou a defender, não são de esquerda. Não achamos que é uma postura marxista, materialista, acreditar que essas declarações e posturas equivocadas da companheira não tem nada a ver com os milhares de reais que grandes empresas doaram para a campanha de Luciana.
Um debate sobre concepção de partido
Estes elementos nos levam a um debate com os companheiros do MES sobre a concepção de partido que devemos construir. Se um partido que dirija diversas ONG’s sustentadas por grandes empresas, ou então um partido da classe trabalhadora, que seja sustentado com o esforço militante dos trabalhadores e da juventude que o constroem e eduque a sua militância a não ter relações financeiras com os grandes empresários, que sequestram o estado e corrompem os partidos a serviço de seus lucros.
Imaginem se cada corrente do PSOL hoje criasse uma ONG que mantivesse relações financeiras com empresas como a Odebrecht, Camargo Correia, OAS, Mendes Júnior, etc. Se todos os dirigentes partidários seguissem o exemplo de Luciana, e criassem ONG’s com financiamento empresarial. Se os companheiros acreditam que essa é uma “grande tática”, deveriam ir a fundo e propor a sua expansão. Porém, não é esse o tipo de partido que queremos construir. As relações de financiamento privado através de ONG’s ou através do próprio PSOL, como há anos vem fazendo os companheiros do MES, são um erro. O episódio do pedido de tráfico de influência que a Odebrecht fez a Luciana, deveria ter demonstrado aos companheiros que é preciso parar com essa política.
É preciso parar de pegar dinheiro das grandes empresas para as campanhas do PSOL e para os projetos impulsionados pelas figuras públicas do partido
Defendemos que o PSOL não aceite dinheiro de empresas privadas em suas campanhas. A resolução votada no último congresso municipal do Rio de Janeiro é um exemplo disso. Porém, é preciso ir além. É preciso não receber dinheiro de grandes empresas nem para projetos que são impulsionados pelas correntes ou figuras públicas do partido, como no caso do Cursinho Pré-vestibular Emancipa. A enorme arrecadação da campanha de Marcelo Freixo em 2016 feita pelos trabalhadores, intelectuais, artistas e pela juventude mostram que é possível um outro caminho para arrecadação de nossas campanhas.
É um fato que a direita tenta aproveitar para dizer que o PSOL é igual a todos os partidos. E para poder fechar seu “acordão” precisam mesmo que nenhum partido esteja de fora. Já ouvimos comentários de “quem garante que o dinheiro sujo da Odebrecht não tenha ido parar nas campanhas da Luciana”?
Por estes motivos defendemos na Executiva Nacional do PSOL ocorrida em 18/04 que os companheiros do partido responsáveis pela ONG Emancipa, apresentem ao conjunto do partido a sua prestação de contas, para que possamos nos armar de conjunto frente a eventuais ataques da mídia capitalista. Infelizmente, salvo a CST, o resto dos companheiros foi contra. Achamos que é importante que a postura dos companheiros seja o mais transparente possível, assim como tentaram fazer no vídeo que divulgaram nas redes sociais um dia após a citação.
Executivo da CST-PSOL