Polêmica | A derrubada do Muro, derrota ou triunfo? *
por Silvia Santos e Diego Vitello (CST/PSOL)
Apresentação
Hoje, passados pouco mais de um quarto de século da derrubada do Muro de Berlim e do colapso da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS), este continua um debate fundamental na esquerda em nível mundial. Localizar de forma precisa o seu significado, o seu impacto para a luta da classe trabalhadora no âmbito mundial e, mais que tudo, para a construção de uma direção revolucionária para a nossa classe, é uma das tarefas mais importantes e até hoje tem importantes desdobramentos na política cotidiana de qualquer organização que se pretenda revolucionária.
Neste sentido, pela importância do debate, queremos nos dirigir primeiramente a um setor de companheiros do Partido Socialista dos Trabalhadores Unificado (PSTU) e da Liga Internacional de los Trabajadores – Quarta Internacional (LIT-CI), que publicitaram seus debates acerca do tema na Revista Teórica da LIT-CI, a Marxismo Vivo 7. O texto assinado pelo companheiro Paulo Aguena, onde afirma que: “[..] não há como deixar de concluir que os acontecimentos do leste que culminaram com a restauração capitalista e no desaparecimento dos ex. estados operários significaram uma derrota histórica” revê completamente o caráter da etapa na qual estamos, mereceu nossa atenção. Também o conjunto das organizações de esquerda que subestimam a importância do combate às novas direções reformistas. Particularmente, nos referimos ao Movimento Esquerda Socialista (MES), corrente do Partido Socialismo e Liberdade (PSOL) que também proveem da antiga LIT-CI dos anos 1980 e que abandonou o morenismo passando a ser hoje uma corrente essencialmente mandelista.
Devido à importância deste debate e seus lógicos desdobramentos políticos para atuação dos revolucionários na realidade, queremos com este texto contribuir com a nossa visão do significado das Revoluções Políticas no Leste Europeu que sepultaram o aparato stalinista e nossa contribuição sobre uma estratégia revolucionária em meio a etapa aberta após 1989.
Introdução
A queda do stalinismo significou uma derrota histórica para os povos do mundo? Ou facilitou de tal forma a construção de alternativas revolucionárias que já não temos nenhum inimigo –reformista e/ou contrarrevolucionário a combater?
Do nosso ponto de vista estas duas interpretações são igualmente equivocadas e levam a conclusões políticas e práticas que ainda que apareçam diferenciadas, tem elementos muito similares. A primeira a um propagandismo derrotista que muitas das vezes termina no oportunismo; a segunda mais claramente a uma política oportunista pois abandona a luta contra as direções contrarrevolucionárias no seio da classe trabalhadora e no movimento de massas.
A modo de simples introdução podemos afirmar que os levantes populares que se espalharam nos países do Leste Europeu e na ex-URSS derrubando as ferozes ditaduras do partido único estalinista significaram um fato de dimensões históricas que marcam de forma contundentes este novo século.
Nada do que acontece desde então pode ser explicado se não damos esse marco. Como explicar o que está acontecendo agora na França, onde são quase três meses que os trabalhadores e a juventude enfrentam com greves e manifestações nacionais e radicalizadas uma nova tentativa de reforma trabalhista, colocando em perigo não somente o governo do socialdemocrata Hollande, mas a própria União Europeia (UE)? Como explicar a crise sem solução da economia mundial; as ferozes lutas e greves que se espalham pelo mundo afora, a ruptura de massas com o Partido dos Trabalhadores (PT) no Brasil, o desastre dos partidos comunistas e socialdemocratas sobre tudo na Europa Ocidental? Mas, e sobre tudo, como compreender as rebeliões contra as velhas direções sindicais e políticas, os métodos de democracia direta, a rejeição aos partidos e aos aparelhos, os novos organismos e formas de organização que existem se não for a partir da derrubada do monstruoso aparelho mundial estalinista?
Se Trotsky chamou no seu texto de dezembro de 1939 Stalin e Hitler de “Os astros gêmeos” e, em 11/03/1939 no seu texto define que “Na realidade, os métodos políticos de Stalin não se diferenciam de maneira alguma dos de Hitler” visto que o regime da burocracia totalitária stalinista, desde1923 esmagou as conquistas da revolução de outubro de 1917, assassinou seus principais protagonistas, amordaçou seus povos, mandou matar os que ousaram divergir ou os enviou para campos de trabalho forçado ou clínicas psiquiátricas, com o regime nazista, podemos dizer que a sua derrota para a classe operária mundial é comparável (tirando as especificidades) à derrota do nazismo em Stalingrado em 1949. O primeiro, ao serviço de preservar os privilégios nababescos da casta burocrática do estado operário burocrático; o nazismo, a serviço do imperialismo alemão e mundial.
A queda do stalinismo significou o fim dos acordos contrarrevolucionários de Yalta e Potsdam onde a burocracia pactuou com o imperialismo a divisão do mundo e fez da colaboração de classes a nível nacional e internacional sua prática quotidiana, contribuindo ao instável equilíbrio que possibilitou a sobrevivência e o fortalecimento relativo do imperialismo durante quase 50 anos.
Estamos assim frente a uma etapa, que não tem só elementos novos, ou com alguns diferenciais da anterior, mas absolutamente nova, apesar que, como sempre acontece, permanecem elementos do período anterior.
O mais importante deles é que a crise de direção está longe de ter sido superada. Mas não tem a ver com uma suposta derrota histórica do movimento de massas. Porque se recriam novos aparelhos reformistas? Porque não houve nenhum outro processo revolucionário que terminara expropriando à burguesia como foi na segunda pós-guerra, até metade da década de 70?
Nesta nova etapa, a diferença do período da segunda pós guerra, não há nem haverá correntes burguesas dispostas a enfrentar, de forma consequente o imperialismo, salvo exceções. A regra, será a mais absoluta capitulação e subordinação aos planos das multinacionais e do imperialismo.
Nesta nova etapa, serão exceções as correntes com origem na pequena burguesia que se proponham a tomada de poder. Dificilmente haverá guerrilhas ou movimentos de origem não operário dispostas a expropriar à burguesia. Estes fatos, que foram regra no período anterior serão exceções nesta nova etapa. A razão disto, é que frente a crise econômica e a rebelião das bases, as direções burguesas ou com origem na pequena burguesia preferirão – e preferem – colaborar e se curvar à voracidade imperialista, a encabeçar uma luta até o fim. Isto é assim pois hoje não existe saída intermediária, não existem margens econômicas para o nacionalismo burguês dar concessões duradouras, nem para experiências burocráticas controlando o movimento de massas, pois estamos em tempos de rebelião, tempos de negação dos “comandantes” ou dos “secretários gerais” ainda que se autodenominem de esquerda.
Podemos afirmar com certeza que nenhuma dessas “novas” direções durará cerca de 70 anos, como foi o domínio do stalinismo. Vejamos o chavismo, agonizando com Maduro, após 18 anos, ou Syriza, que virou “velho” e rejeitado pelo movimento de massas, em menos de um ano, após sua fulminante traição.
Assim como a crise aguda da economia imperialista mundial é um marco imprescindível para entender esta nova etapa, o outro elemento é a restauração capitalista que terminou se impondo nos antigos estados operários burocratizados, pela mão da burocracia e do imperialismo trouxe falsas ilusões e muita confusão na consciência do movimento de massas.
Assim como existe um importante avanço na consciência anticapitalista, há também uma rejeição em formar partidos. Em amplos setores da vanguarda lutadora se nega a importância da centralização, do programa, da direção, se fortalecem, temporariamente, setores anarquistas, autonomistas, etc.
Da nossa parte, em que pese a todas essas contradições, celebramos a sepultura do aparelho stalinista. Consideramos estes processos revolucionários como uma enorme contribuição dos trabalhadores desses países ao processo da luta de classe mundial, abrindo novamente a possibilidade de superar a terrível crise de direção revolucionária que perdura até os dias de hoje.
O eixo central da nova etapa, ao redor da qual é preciso e urgente reorganizar a esquerda, é articular o programa, colocando o problema do poder operário e popular no centro, para avançar para o socialismo com democracia operária e levantar a necessidade do partido revolucionário com centralismo democrático, o que enfrenta não só as lógicas confusões das pessoas, mas também as capitulações de correntes revisionistas e/ou neoreformistas. Estas têm como estratégia a de ‘mudar o mundo sem tomar o poder”, que há que fazer partidos com os reformistas, pois o programa é secundário, que se deve funcionar por consenso, ou outras ideologias nesse estilo. Neste mesmo sentido, o revisionismo nas fileiras do trotskismo cumpre um papel nada desprezível, sendo parte ativa de inúmeros processos importantes mundo afora, como abordaremos mais na frente.
No entanto, em épocas de revoluções, sabemos ser possível avançar em poucos dias o que em épocas de aparente paz demoraria anos. Por isso, nós revolucionários devemos intervir nesta realidade tão rica, com toda audácia e sem sectarismo; aprender a participar destes poderosos processos, ajudando e disputando a direção dos mesmos, buscando confluir com os setores mais lutadores e consequentes. Unidades eleitorais; frentes de esquerda; chapas únicas de oposição nos sindicatos, para barrar a burocracia, ou no movimento estudantil, para derrotar os agentes de governo. Unidade de ação para impulsionar a mobilização; correntes amplas, estudantis ou sindicais. Todas as táticas devem ser utilizadas para construir polos de referência, colaborando com setores de massas a avançar para o programa e para o partido revolucionário, em cada país. Da mesma forma, buscar os pontos mínimos revolucionários de aproximação e unificação das correntes, grupos e setores revolucionários, de outras tradições revolucionárias ou frutos da atual situação – devem ser nossas principais apostas para seguir construindo uma internacional revolucionária.
Infelizmente, temos informação que o PSTU votou, na sua conferencia eleitoral, a favor de não fazer aliança eleitoral com o PSOL, ou seja, votou contra construir uma frente de esquerda. Dessa forma sectária, além de se isolar, não se combate a direção reformista e lulista, no interior do PSOL. Ao contrário, coloca o PSTU na marginalidade, o que não tem nada a ver com o trotskismo ortodoxo, com as elaborações de Moreno; da Fração Bolchevique, em fins dos anos 1970 ou da LIT-CI, dos anos 1980.
Todavia, junto a estes processos, deformações e confusões, criando dificuldades para a construção de nossos partidos, o fundamental é o processo de rebelião contra as burocracias, os velhos partidos, os aparelhos, etc., que tem um sentido profundamente progressivo, pois veem que todos eles estão levando o mundo para a atual catástrofe econômica e social. É neste processo da luta de classes, acirrado a partir da crise de 2007-2008, que cresce a consciência anticapitalista, ainda que não tenha dado um salto em direção à construção de um programa e uma saída pela positiva, socialista. Mas é neste terreno que devemos atuar, os trotskistas, ajudando a partir destes fatos para que o movimento avance em direção ao programa da revolução socialista mundial.
Se esta é nossa estratégia, será a serviço dela que devemos utilizar todas as táticas: frentes, acordos, frentes eleitorais, unidade de ação, etc.
I – Lutas, crises, revoluções e rebeliões se espalham pelo mundo
Em 2003, frente ao levante contra a venda do gás para os Estado Unidos da América (EUA) que terminou derrubando o presidente Sánchez de Lozada na Bolívia, o ex. ministro da ditadura Jarbas Passarinho (recentemente falecido e homenageado pela dirigente da Rede Marina Silva) afirmou: “A revolução ainda é fascínio para o 3º Mundo” (Estado de São Paulo 21/10/2003) como se fosse algo “exótico”. Não nos consta quais foram suas definições sobre os processos revolucionários que derrubaram Mubarak, Bem Ali ou Kadhaffi, nem se Passarinho fez alguma afirmação sobre o que aconteceu na Grécia, e antes de morrer, sobre que acontece atualmente na França.
O que o ex-ministro e ex-senador pelo Partido Progressista, no Pará, (PP/PA), pareceu ignorar, é que, longe de ser um fascínio, essas lutas, levantes e mobilizações de massas, que podemos chamar de revoluções, são uma necessidade dos trabalhadores e dos povos frente aos ataques impiedosos da classe a que ele pertenceu, com ajustes, desemprego, privatizações, corte de direitos, etc. para poder comer, trabalhar, estudar e sobreviver.
Novos batalhões de trabalhadores se incorporam nas lutas e greves, como por ex. os chineses. Na China, onde triunfou a restauração capitalista após a derrota da Praça Tiananmen em 1989, os anos de repressão extrema e falta de liberdades políticas e sindicais estão sendo cada vez mais questionadas pelos trabalhadores que em greves selvagens e passando por cima dos sindicatos “oficiais” obtêm conquistas e aumentos salariais levando diversas multinacionais a fecharem suas empresas e a procurar maior liberdade para explorar e obter maiores lucros em outros países do sudeste asiático.
Na Europa estamos frente ao furacão francês, superior ao maio de 1968, não só pela nova etapa pós queda do aparelho stalinista e a crise da economia mundial, mas porque enfrenta um governo supostamente de esquerda. Na Espanha, as lutas das nacionalidades deram um salto, e se expressaram politicamente derrotando os partidos do regime – Partido Socialista Obrero Español e Partido Popular (PSOE e PP) – e o fortalecimento de uma variante do reformismo chamada “Podemos”, no marco de uma monarquia corroída pela corrupção e a cada dia mais questionada pelo povo.
No nosso continente, no Brasil desde 2011 e sobretudo desde as jornadas de junho de 2013, vivemos ondas de greves – principalmente de professores e do funcionalismo público, mas também operárias e juvenis, que superam também a onda de 1989 contra o ex-presidente José Sarney. Na Argentina, os trabalhadores desafiam o novo governo neoliberal de Macri, como antes o fizeram frente aos os ataques de Cristina Kirchner. No Peru, as lutas indígenas, populares e camponesas contra as mineradoras se sucedem, obtendo alguns importantes triunfos que eleitoralmente se expressaram na Frente Ampla com 19% dos votos na última eleição.
Até na Síria brutalmente atacada pelos bombardeios imperialistas, da Rússia de Putin e dos ataques do Estado Islâmico, a resistência enfraquecida e encurralada continua lutando.
Não pretendemos enumerar um a um os processos de lutas pelo mundo. Mas estes dados são imprescindíveis para definir que o imperialismo, após o fim do estalinismo, longe de fortalecer seu domínio e criar uma nova ordem mundial, deparou-se com derrotas militares como as do Iraque e Afeganistão e com uma perda de controle do movimento de massas cada vez maior. Isto se deu porque o imperialismo perdeu seu aliado fundamental: a burocracia estalinista. O processo de rebeliões contra as burocracias sindicais e políticas se amplia e aprofunda. Pois ao finalizar a falsa polarização entre o imperialismo e a burocracia que durou quase 50 anos, houve uma “liberação de forças” no mundo inteiro que, com suas lógicas desigualdades, é o que define o cenário mundial.
Se estivéssemos frente a uma derrota de proporções históricas, não estaríamos frente ao atual cenário de lutas, mas frente a uma aceitação passiva dos planos burgueses e imperialistas. Assim, podemos afirmar que as mobilizações de massas que derrubaram a burocracia estalinista, foram revoluções políticas e democráticas, pois atuaram e derrubaram regimes ditatoriais enfraquecendo qualitativamente os aparatos burocráticos do resto do mundo. Alimentaram a onda de rebeliões de base que podem começar se manifestando no terreno sindical mas que de forma rápida se politizam enfrentando governos e regimes, e também se internacionalizam com maior rapidez, como por exemplo, é a repercussão que tem a luta de classes da França, na Bélgica.
Não negamos com estas afirmações a existência de desigualdade de país a país e de região a região. No entanto, a dinâmica destes últimos 27 anos, foi de constantes rebeliões e processos revolucionários, alguns deles derrotados ou semi derrotados; outros “empatados”; alguns triunfantes, mas de forma alguma o imperialismo conseguiu impor uma derrota histórica a setores importantes do movimento de massas permitindo reverter sua atual crise.
II – Uma contrarrevolução econômica permanente
“A crise econômica obriga o imperialismo e a burguesia a manter uma ofensiva permanente e brutal contra os trabalhadores de todo o planeta. Não é a mesma situação que em outras etapas históricas em que, pelo desenvolvimento desigual, a burguesia dos países fundamentais pode aplicar políticas reformistas ou ceder conquistas importantes frente às lutas dos trabalhadores. Nem sequer é parecido a outras circunstancias em que a classe operária e outros segmentos de trabalhadores conquistavam, com duros confrontos, manter um equilibro em seu nível de vida. Essa época ou etapa reformista ficou completamente atrás. A atual etapa da economia burguesa, a partir de 1966, é de contrarrevolução permanente. O imperialismo e os exploradores não somente não podem outorgar ou manter conquistas em quanto ao nível de vida das massas, mas, pelo contrário, não tem outra alternativa econômica a não ser lhes arrancar violentamente todas as conquistas e submergir na mais espantosa miséria o povo trabalhador. Em 1966 o imperialismo salta de uma etapa reformista, de concessões a segmentos de trabalhadores, a uma ofensiva total e generalizada cada vez mais terrível contra eles a nível internacional.” (Teses sobre a situação mundial – Secretariado da LIT-CI – 1984)
Esta afirmação feita pela nossa corrente histórica, é hoje de uma dramática atualidade. A crise desencadeada a partir de 2007/2008 que partiu dos EUA e foi para Europa, chegou às famosas e supostas “locomotivas da economia mundial”, os chamados BRICS – Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul, e se espalhou pelo mundo afora.
Para nós, a causa central desta crise é a queda da taxa de lucro das mais importantes empresas, e são as lutas dos trabalhadores e dos povos as que lhe impedem sair da crise, aumentando de forma qualitativa a exploração, para o qual precisam impor derrotas históricas ao movimento de massas. Apesar de que estas crises possam se manifestar de diversas formas – aumento ou diminuição dos preços do petróleo, um “default” (não pagamento das dívidas); a desvalorização de alguma moeda, superprodução ou a queda nas bolsas, a causa de fundo continua a obedecer às leis essências da acumulação capitalista: chegado a um ponto determinado, ela se estagna devido à queda da taxa de lucro dos mais importantes setores, e por tanto o investimento na produção deixa de ser um bom negócio para os capitalistas. Isto produz uma retirada massiva de capitais que procuram ganhos rápidos na especulação financeira. Se alguma coisa distingue a atual crise das anteriores, é a magnitude sem precedentes destes capitais fictícios, sem respaldo real na produção e na riqueza, e na mundialização da crise, que saqueando os povos e as nações do mundo, faz com as recessões se alastrem pelo planeta.
Se como afirma Aguena no seu trabalho “Crítica ao texto sobre o caráter do programa”, o fim dos ex-estados operários significaram uma “derrota histórica”, como é que a economia imperialista ao invés de se beneficiar com a restauração entrou na sua pior crise desde 1929?
Evidente que conjunturalmente conseguiram se beneficiar possibilitando recuperações parciais da sua crise. Mas não conseguem superá-la. Pois como afirmávamos nas Teses de 1984: “A clave última para começar a compreender todos os fenômenos que acontecem no terreno internacional desde finais dos anos 60 é a crise crônica que arrasta desde essa época a economia mundial. Esta crise crônica se arrasta sem parar, e tem provocado aproximadamente a cada 5 anos crises conjunturais cada vez mais intensas […] É totalmente equivocada a explicação que dão alguns marxistas segundo a qual a economia imperialista superar sua crise criando poder de compra através dos créditos. Se assim fosse, o capitalismo se desenvolveria sem dificuldades criando poder de compra com os empréstimos. Na realidade, o capital que se empresta sai da superexploraçao dos trabalhadores e do saque a outras nações. […] A crise crónica tem avançado da periferia para o centro. Esta é uma lei que existe, como mínimo, desde 1966… A superação da crise abrange cada vez menos países […] é uma expressão do desenvolvimento desigual, como também é desigual o grau em que golpeia a crise nos diferentes países […] tudo parece indicar que o mundo capitalista se aproxima a uma nova crise muito mais violenta que as anteriores. A internacionalização da economia e sua centralização por parte do imperialismo ianques e as transacionais, somado à rapidez das comunicações, permite um ritmo vertiginoso de obtenção de mais valia, distribuição dos lucros e acumulação e sobre acumulação do capital. Este ritmo acelera a crise a crise da economia imperialista” (idem Teses…) …) E para concluir, nas mesmas Teses afirmamos: “A razão última que indica a não superação da crise está dada pela luta entre os explorados e os exploradores a nível mundial. Somente conseguindo um aumento permanente, praticamente ilimitado da exploração poderá o imperialismo superar a próxima ou próximas crises conjunturais e a crise crônica […] e isso depende do grau de resistência dos trabalhadores do mundo aos planos de superexploraçao do imperialismo e das burguesias nativas. Quanto mais resistam, tanto mais está crise será aguda e sem saída”.
Do nosso ponto de vista foi a resistência dos trabalhadores e povos oprimidos o que não possibilitou o capital recuperar sua taxa de lucro. “Podemos nomear algumas das crises que desembocam na crise atual: a queda da bolsa de Wall Street em 1987; a crise mexicana em 1994; no sudeste asiático em 1997, o default russo em 1998, a crise na América do Sul que teve seu pico maior na Argentina em 2001. Tivemos a crise das ponto.com nos EUA em 2000 e outras 124 crises menores durante os últimos 30 anos como registra o informe do Fundo Monetário Internacional”. (Correspondência Internacional, outubro de 2008).
Há setores afirmando o contrário, que a economia capitalista teve como centro, durante os últimos 50 anos, sua recuperação e as crises foram episódicas ou conjunturais. Isso lhes permite propagandear a falsa ideia que um período de reformas ainda é possível. Mas ao contrário, o dominante nestas décadas foram as crises. E as recuperações foram episódicas, abrangendo cada vez menos países, e com intervalos entre crise e crise cada vez menores. Já se vão quase dez anos do começo da última grande crise e ninguém, nem os mais otimistas defensores do capital preveem alguma luz no fim do túnel. Enquanto isso, a única política continua sendo a da contrarrevolução econômica cada vez mais brutal, o que provoca reações como as do proletariado e da juventude francesas, para nomear o que hoje está no centro da luta de classes mundial.
A explicação do companheiro Aguena não se sustenta. Uma derrota histórica nos países do Leste e na URSS, (podemos agregar na China, Cuba ou Vietnã, Estados operários burocráticos ou deformados onde foi restaurado o capitalismo), teria aberto uma etapa de contrarrevolução mundial, de esmagamento das lutas e de fortalecimento da hegemonia imperialista, impondo dessa forma uma nova ordem mundial. O que vemos no mundo está longe de ser este panorama.
III – O significado da queda do Muro
Quando caiu o Muro e os regimes dos mal chamados países “socialistas” os capitalistas festejaram. “A luta de classes acabou e nós ganhamos” chegaram a dizer e pregaram o fim da história.
Hoje passados quase 30 anos, o que vemos é uma espantosa crise do capitalismo, pela qual não podem se vangloriar frente ao evidente fracasso de seu sistema, após mais de 500 anos de dominação.
Nossa interpretação é diferente da dos capitalistas. Em primeiro lugar o que existia nesses países não era socialismo, mas governos ditatoriais de partido único, sem liberdade de expressão nem de formação de partidos, nem sindicatos, nem direito de greve. As fabulosas conquistas da revolução de 1917, como a expropriação da burguesia, a nacionalização dos bancos e do comércio exterior, o planejamento da economia, a ausência de desemprego, a saúde e educação públicas de qualidade foram desvirtuadas e desfiguradas pela burocracia que finalmente as liquidou no processo de restauração que imposto ao largo de seu domínio, e consolidado a partir da derrota do aparelho stalinista.
Isto é assim, pois existe uma identidade profunda entre o regime de um estado operário burocrático e a sua economia. Ao derrubar o regime sem uma direção nem alternativa para liquidar a burocracia e, ao mesmo tempo, acabar com a restauração, esta, inevitavelmente, acaba se impondo. Ou seja, ao derrubar a burocracia, sem haver direção alternativa, leva consigo o “Estado Operário”, pois como define Trotsky, o Estado Operário Burocrático é indivisível.
É um fato que os restos da burocracia assumiram de vez a tarefa de avançar rapidamente em direção à restauração capitalista, associando-se com o imperialismo e apoiando-se nas ilusões que as massas tinham nas liberdades democráticas formais e nas vantagens materiais de um sistema até então desconhecido.
A absoluta falta de liberdade de pensamento e de organização política, sindical e cultural foram fatores decisivos para que os trabalhadores daqueles países fossem capazes de lutar até derrubar a ditadura, mas não de substituí-la por um governo e um regime que possibilitassem reverter o processo de restauração capitalista em curso.
Este triunfo democrático dos trabalhadores dos ex-estados operários, apesar das contradições ao não conseguirem acabar com a restauração que desde tempos atrás impulsionavam os burocratas dos partidos comunistas (PC’s), em que pese a criar enormes contradições na consciência dos trabalhadores, incentivou o processo mundial de rebeliões antiburocráticas – sem dúvida o aspecto fundamental do processo aberto com a queda do aparelho estalinista, pois criou melhores condições para seguir lutando pela superação da crise de direção revolucionaria mundial.
As confusões na consciência do movimento de massa
Os setenta anos de perversão do stalinismo contra o socialismo, não só confundiu milhões fora daqueles países, como dentro, pois sentiam na pele que aquele chamado “socialismo” lhes tirava o pão, a liberdade e os direitos mais elementares, enquanto os burocratas gozavam de absurdos privilégios. Isso foi aproveitado pelo imperialismo para lançar sua campanha sobre o “fracasso do socialismo”.
Mas, a isso, devemos somar as campanhas da esquerda reformista, dos ex-stalinistas, das correntes castro chavistas que atribuíram o fracasso do stalinismo ao “excesso de estatismo” propagandeando o socialismo do “Século XXI” como um socialismo moderno; de economia mista com as multinacionais; com novas formas de produção econômica; “empresas públicas não estatais”; cooperativas, tudo menos a expropriação das multinacionais e do grande capital. Desta forma reciclam as teorias de conciliação de classes, combinando outro aspecto: o fim do “Socialismo real” – que além do excesso de estatismo, teve seu mal no partido leninista – e no centralismo democrático, para eles a origem da burocratização.
Este é outro debate fundamental, pois esta confusão entrou com alguma força em setores sobretudo juvenis para questionar a construção de partidos revolucionários com centralismo democrático.
O fato que nas fileiras do trotskismo se tenha feito uma caricatura da democracia interna e domine um centralismo burocrático ou que a burguesia, os neoreformistas e os burocratas continuarem falando no “regime comunista” da Coreia do Norte, onde impera uma brutal burocracia hereditária, que de socialismo não tem nada, facilita o surgimento de novas teorias como o zapatismo, autonomismo e o horizontalismo. E o surgimento de dirigentes como o subcomandante Marcos ou teóricos como Toni Negri e diferentes teorias neoreformistas, que continuam envenenando a cabeça de milhões, tentando passar, por exemplo, que o que acontece em Cuba é uma “atualização do socialismo” enquanto se trata da mais pura restauração capitalista.
Assim, setores jovens se aproximando da política enxergam os métodos centralistas burocráticos de algumas das correntes ou partidos da esquerda e as rejeitam com razão, “namorando” o horizontalismo e o autonomismo. Mas cometeríamos um erro, capitulando a essas teorias, sem explicar o fato dos problemas de método estarem sempre a serviço de alguma política: o PT expulsou Babá, Luciana, Heloísa e João Fontes para poder passar a reforma da previdência e atacar a classe trabalhadora; Stalin matou milhões e mandou para a Sibéria outros tantos, acabando com a democracia na ex-URSS para poder passar sua política de coexistência pacífica com o imperialismo e fortalecer seus privilégios de casta burocrática; o peronismo se utilizou da “Triple A”, assassinando centenas de lutadores operários, estudantis e populares, entre eles numerosos do PST(A) para passar seu famoso “rodrigazo” (plano de ajuste contra os trabalhadores), servindo como prólogo do golpe de 1976; e assim poderíamos seguir com exemplos, de partidos de esquerda que privilegiam sua autoconstrução ou a preservação do seu aparato ao apoio as lutas da classe e à formação crítica de seus militantes, tudo em nome do “centralismo democrático”, onde há muito de burocrático e pouco de democracia.
Isso leva a algumas rupturas de correntes do trotskismo a fazerem como centro das suas críticas as questões de “método” e do regime do partido, sem considerar o nexo com as deformações ou erros políticos a cujo serviço se utilizam desses métodos. Por exemplo, a LIT-CI tem se utilizado sistematicamente de supostos problemas morais para expulsar seções e grupos inteiros de diversos países. Nos parece um centralismo burocrático, procurando por essa via administrativa fechar os debates para impor uma política sectária e revisionista do morenismo, que visa a sua autoconstrução e a sua visão nacional trotskista apoiada no partido brasileiro, o PSTU.
Neste sentido, acreditamos ter sido um importante erro da direção do PSTU não ter se integrado na construção do PSOL, na sua fundação. Quando havia um amplo espaço aberto os companheiros, fecharam-se completamente numa política sectária de preservação de seu aparato. Isso foi pago por um forte isolamento político do PSTU, já que o PSOL ocupou grande parte do espaço político à esquerda que se abria com a chegada do PT ao governo. A história poderia ter sido diferente e a Unidade Socialista (US) não teria ocupado o espaço que ocupou. Além disso, hoje teríamos um fortíssimo polo à esquerda no partido, batalhando contra as correntes que cumprem o papel de linha auxiliar do petismo.
Esta forma de atuar da direção do PSTU/LIT-CI ajuda o surgimento de correntes como o Nova Organização Socialista (NOS) que por oposição ao centralismo burocrático adota métodos de consensos, e na política defende a teoria do golpe, capitulando por essa via ao governismo. Ou seja, por oposição ao centralismo burocrático do PSTU/LIT-CI surgem teorias antidireção, semibasistas, que no caso do NOS acabam no governismo.
. IV – Alguns fenômenos atuais e sua relação com a derrubada do stalinismo
Devemos analisar os fenômenos políticos que acontecem na atualidade para buscar a compreensão do significado da queda do stalinismo. O fato de nenhum aparato contrarrevolucionário controlar o movimento de massas em nível mundial tem desdobramentos concretos na luta dos povos dos quais queremos dar alguns exemplos.
Para ilustrar o que estamos dizendo, começar por um onde os companheiros do próprio PSTU tiveram um papel importantíssimo: a fundação da Coordenação Nacional de Lutas (Conlutas). A fundação dessa central foi parte dos fenômenos políticos que ocorreram logo após os primeiros ataques do governo petista contra a classe trabalhadora, que, como afirmamos anteriormente, é parte do desgaste que ocorre atualmente das velhas direções do movimento de massas. Como parte desse processo de rebelião contra as velhas direções, foi possível romper com a Central Única dos Trabalhadores (CUT) e fundar a Conlutas. Mas temos que nos perguntar o que isso tem a ver com a etapa na qual estamos. Uma central sindical de oposição declarada a um governo de conciliação de classes surgiria se ainda estivéssemos na etapa anterior? É muito difícil, para não dizer impossível. Porém, estamos certos que não adquiriria o peso que tem hoje na realidade de diversas categorias importantes.
Outro exemplo próximo a nós é o surgimento do PSOL, que na sua criação foi impulsionado centralmente por organizações que se reivindicavam trotskistas (MES e Corrente Socialista dos Trabalhadores – CST), não seria possível se não vivêssemos em uma nova etapa mais favorável e aberta. A fundação do PSOL que começou na greve da previdência e na luta política dos radicais do PT em 2003, foi a parte mais importante no âmbito político-partidário do processo de ruptura da classe trabalhadora com o PT e o lulismo. Ainda que é importante colocar que o processo de ruptura política com o PT teve idas e vindas e não foi nem de longe um processo linear. Assim como houve avanços entre os anos 2003-2004, estagnou entre 2005/2006 e retrocedeu depois (2007-2010), para só então acelerar a ruptura paralelamente ao aprofundamento da crise econômica e explodir após as jornadas de junho.
Para nós revolucionários, o espaço aberto com essa crise do PT também deve ser colocado no marco desta nova etapa. Devemos sempre comparar esses processos ao que existia nas décadas anteriores. Mesmo com seus importantes altos e baixos, o Partido Comunista Brasileiro (PCB) dominou totalmente a esquerda brasileira durante décadas. Seus vínculos com Moscou lhe enchiam de prestigio na classe trabalhadora, considerando ser bem menor o espaço de atuação para os revolucionários e nenhum grupo trotskista conseguiu feitos semelhantes em escala nacional, sindical ou politicamente, durante a vigência da hegemonia stalinista.
Na Argentina há uma experiência bastante avançada de construção de um polo classista nas eleições e com algum reflexo nas lutas. Nós, com partido-irmão da CST-PSOL, chamado Izquierda Socialista, temos acompanhado e impulsionado a Frente de Izquierda y de los Trabajadores (FIT), que é encabeçada por três organizações trotskistas. Além dos nossos companheiros do Izquierda Socialista, o Partido Obrero (PO) e o Partido de los Trabajadores por el Socialismo (PTS). Apesar de existirem importantes diferenças políticas entre as organizações, vemos os sucessos eleitorais alcançados pela FIT e o peso no movimento operário que adquiriu nos últimos anos inseparáveis do marco global de uma etapa mais favorável aos revolucionários. Se estivéssemos nos “anos dourados” do stalinismo, quando este tinha peso de massas nos principais países do mundo e dirigia poderosas organizações políticas e sindicais, seria impossível explicar os avanços dos trotskistas da FIT. Pois o estalinismo também fortalecia os governos nacionalistas burgueses, também na sua época de decadência, como o peronismo ou como o fez com Nasser no Egito.
Reconhecemos como parte desse processo, a magnífica e gigantesca mobilização da classe operária francesa, atualmente com os operários demonstrando seu poder através do exemplo dos eletricitários, cortando a luz dos bairros nobres para reacender a de 300 mil residências que estavam com a conta atrasada. Uma luta gigantesca, envolvendo milhões de trabalhadores, há mais de três meses, com mobilizações parando o país, passando por cima da direção burocrática da Confédération Générale du Travail (CGT França). Um processo rico e aberto, sem o controle absoluto de nenhum grande aparato, já que o Partido Comunista Francês (PC Francês) hoje não passa de um espantalho apodrecido do que foi um dia, quando o stalinismo conservava seu peso e a URSS ainda existia.
É possível muitos exemplos acerca da atual etapa. Porém, em nossa opinião, o fundamental é estarmos em uma etapa mais aberta para atuação dos revolucionários, onde nossas possibilidades são muito maiores do que quando existia o stalinismo.
V – As capitulações da esquerda ao neoreformismo são mais um obstáculo
Como apresentamos na introdução, após a queda do stalinismo, a frente popular e os aparatos contrarrevolucionários seguiram se renovando, ainda que de forma bem mais fraca. E demos o exemplo do chavismo, do PT e de Syriza.
Para além dessa “renovação” – das alternativas frente populistas, sem dúvida um importante obstáculo, há outro elemento determinante para explicar a crise de direção revolucionária, onde ainda nos encontramos: a enorme capitulação das correntes provenientes do trotskismo perante as frentes populares, levando inevitavelmente a caírem no oportunismo político. Não foi por acaso que Moreno deu tanto peso em seus combates contra o revisionismo dentro do trotskismo. A partir dos anos 1960 e 1970, a luta política contra o mandelismo, que representava de forma mais acabada o revisionismo dentro das correntes da IV Internacional, foi uma das suas principais batalhas.
Em nossa visão, mesmo após a queda do stalinismo, nós revolucionários não podemos perder de vista, nem por um segundo, a nossa batalha contra as direções contrarrevolucionárias do movimento de massas. Reivindicamos que: “A crise de direção do proletariado mundial, ou seja, a traição das direções burocráticas reconhecidas do movimento operário e de massas, são o fator decisivo das derrotas históricas que se produzem, e para que todo triunfo ou conquista seja congelado, freado, e de que o imperialismo não tenha sido derrotado.” (Moreno, Nahuel. Teses para a Atualização do Programa de Transição). Sendo assim, ou derrotamos essas direções burocráticas, que hoje tem novos nomes, mas com a velha política de conciliação de classes, como é o caso do chavismo, petismo, Syriza, etc. ou então estaremos apenas pavimentando o caminho de novas derrotas históricas para o proletariado
Dentre as correntes que se reivindicam trotskistas e há mais de uma década capitulam ao neoreformismo estão o MES/PSOL, no Brasil, e o Movimiento Socialista de los Trabajadores, na Argentina (MST Argentino). Não à toa, internacionalmente são correntes que abandonaram o morenismo e correram para o mandelismo, sendo hoje observadores do Secretariado Unificado (SU) mandelista, após uma longa batalha para serem as seções oficiais do SU, em seus países. São correntes que se abstém da batalha estratégica contra as direções contrarrevolucionárias. Nós, ao contrário dessas organizações, seguimos com as definições de Moreno sobre o mandelismo.
Na revista “A esquerda”, com os textos publicados sobre a fusão do Enlace com o Coletivo Socialismo e Liberdade (CSOL) e outros grupos na Corrente Insurgência, é possível ler o seguinte acerca da estratégia e programa após a queda do Muro de Berlim: “Havia uma coerência na forma integrada como a tradição socialista revolucionária abordava os temas do programa, estratégia e sujeito social depois de outubro de 1917 e durante boa parte do século passado. Mas esta coerência, articulada pela estratégia, se perdeu quando o capitalismo adentrou na etapa da globalização neoliberal e reabsorveu a ex-União Soviética, a China e suas periferias, desarticulando parte dos fundamentos anteriores da visão hegemônica de socialismo e revolução e retirando a estratégia da atividade política cotidiana da esquerda …. A desaparição do horizonte de uma alternativa ao capitalismo, antes existente, levou a quase supressão da perspectiva utópica e das filosofias políticas e eles ligadas, que ofereciam significado imanente para a existência dos seres humanos na história – criando um vazio existencial no qual o consumismo e que os fundamentalismos religiosos tentam ocupar” (A esquerda, pag. 17). Na nossa opinião, esta longa citação expressa que o SU está sem rumo e sem chão, após longos anos de ter atuado como uma “ala esquerda” do stalinismo, e não como uma alternativa trotskista, diametralmente oposta na teoria, no objetivo estratégico, no programa e no método à burocracia stalinista.
O MES, por exemplo, na sua prática política e elaborações, expressa uma concepção equivocada de que após a queda do Muro de Berlim “tudo é progressivo”. Não veem as renovações das correntes que praticam a conciliação de classes como obstáculos fundamentais que nós revolucionários temos que derrotar e sempre acreditam que todas as direções vão girar a esquerda. Mas se adaptam a elas, ao menos enquanto conservem sua influência no movimento de massas. Isso levou à sua corrente a erros políticos graves que se arrastam desde sua fundação. Primeiro, foram grandes entusiastas do chavismo, levando seu apoio político a um governo burguês de frente-popular e chegaram a propor uma internacional em comum com Chávez! Mais recentemente foram entusiastas do apoio ao Syriza. Disseram muitas vezes que o PSOL deveria ser o Syriza brasileiro. Hoje, quando o Syriza aplica um violento plano de austeridade a serviço dos bancos alemães e franceses, o MES não faz nenhum tipo de reavaliação sobre o tema. Para expressar melhor a capitulação às novas frentes populares, através de um balanço histórico, reproduzimos Pedro Fuentes, (da direção do MES), em seu texto sobre o legado de Leon Trotsky: “Muitos trotskistas latino-americanos também confundiram os governos anti-imperialistas radicais com a Frente Popular que existiu nos países adiantados. Assim, caracterizaram incorretamente o governo de Allende no Chile, esquecendo então que este governo era muito mais uma frente única anti-imperialista com traços kerenkistas, e o mesmo aconteceu com os governos bolivarianos.” (Fuentes, Pedro. O que é ser trotskista no século XXI)
Segundo Moreno, a política para a frente popular no governo chileno era muito distante, da que coloca Pedro Fuentes. No seu clássico “Morenaço” (O Partido e a Revolução), citando sua política anterior ao que chamou de “final sangrento da experiência reformista de Allende no Chile”, disse: “A vanguarda operária, estudantil e camponesa, sem fazer concessões ao reformismo da Unidade Popular (coligação frente-popular encabeçada por Allende, na qual o maior peso no governo foi do Partido Socialista e do Partido Comunista), deve impulsionar a mobilização e a organização das massas por suas reivindicações econômicas e políticas, e com os métodos da luta de classes, deve estar na primeira fileira na defesa do governo de Allende contra os ataques da direita e o golpe burguês imperialista, sem depositar a menor confiança na direção allendista. Esse é o único método que garantirá o que já foi conquistado. O outro, o de Allende, prepara derrotas ao estilo Perón ou Torres.” (Moreno, Nahuel. O Partido e a Revolução) Ou seja, para Moreno, Allende não encabeçou nenhuma “frente única anti-imperialista”, mas um governo reformista que não merecia nenhuma confiança e cujo método pavimentou o caminho da derrota dos trabalhadores chilenos, com o golpe de Pinochet em 1973.
É fundamental retomar a definição de Moreno acerca da política revolucionária frente a esse tipo de governo: “A ascensão de partidos operários contrarrevolucionários ao governo (…) é um fato inusual na maioria dos países capitalistas. Quando ocorre provoca diferentes tipos de reações no movimento marxista. Justamente essa reação é um excelente termômetro para saber se o partido em questão é revisionista ou consequentemente marxista. (…). Quando tais partidos fazem parte de um governo burguês, seu caráter contrarrevolucionário é acentuado ao máximo, porque a sua função habitual de agentes da burguesia no movimento operário acrescenta-se a função de governantes, gerentes políticos do estado capitalista contra os trabalhadores(…)” (Moreno, Nahuel. A traição da OCI.) E podemos agregar o que Moreno colocou na sua intervenção no encerramento da conferência de fundação da Liga Internacional dos Trabalhadores – Quarta Internacional (LIT-QI), em 1982: “Que, sob os governos de Frente Popular, o objetivo central do trotskismo, sua primeira tarefa, continua sendo a mesma que sob os outros tipos de governos burgueses: convencer a classe trabalhadora e seus aliados de que devem tomar em suas próprias mãos o governo e o poder; de que não há solução para nenhuma das mazelas do capitalismo – desde a miséria até o fascismo – se os trabalhadores não fizerem uma revolução contra o governo e o Estado burguês para impor seu próprio governo e Estado. Toda nossa estratégia e táticas têm como objetivo mostrar essas verdades básicas e fundamentais aos trabalhadores”.
Enfim, revisam o fundamental do legado de Moreno e se aproximam do mandelismo. Hoje, opinamos que a situação do mandelismo é ainda pior, pois não capitulam só às direções que dirigem revoluções, mas as que ganham eleições com um discurso à esquerda e pactuam com as multinacionais e a burguesia local, como foi o caso de Chávez e Evo Morales ou, no Brasil, sua corrente, a Insurgência, que pactuou com a direção majoritária da US e participou dos atos pelo “volta Dilma”.
O PTS Argentino e o Movimento Revolucionário de Trabalhadores (MRT) no Brasil, são hoje parte importante do setor que veio do trotskismo e capítula às frentes-populares. Como dissemos recentemente em um texto de nossa corrente: “Pelo fato de estarmos diante de uma oportunidade histórica, as pressões sociais sobre as organizações de esquerda se potencializam. O PT e seus satélites querem fazer de tudo para que desta imensa crise não surja uma alternativa independente dos trabalhadores. Essa pressão atua sobre as correntes que fazem oposição pela esquerda ao governo do PT […]
Há algumas semanas os companheiros do MRT, que impulsionam o site Esquerda Diário, se uniram ao discurso petista de que o centro da luta agora é “contra o golpe” ou então, contra o impeachment. Para isso, em todas suas notas e em geral na sua política, a luta contra o Governo passa para o segundo, terceiro ou quarto plano. Assustados pelo discurso do “golpe” que ganhou certo peso na intelectualidade e em parcelas da juventude o MRT assume o discurso petista de que há um “golpe institucional” em curso contra Dilma.” (MRT e Esquerda Diário: a Luta contra o governo Dilma passou para o último plano – texto da CST).
A própria direção majoritária do PSOL (Unidade Socialista), principal partido de oposição de esquerda ao PT, se converteu, frente à crise do Lulismo no Brasil, em uma fiel linha auxiliar do governo de conciliação de classes. Importante frisar: esta corrente não tem origem no trotskismo, sua origem é uma corrente cujas concepções programáticas são essencialmente stalinistas, que nunca rompeu completamente o cordão umbilical com o PT, defendendo o programa democrático-popular e os governos em comum com setores burgueses, tal como o fizeram e fazem na prefeitura de Macapá. Hoje em dia, a US faz questão de não denunciar o PT como gerador de um brutal ajuste contra os trabalhadores ganhando continuidade com o governo Temer, e alimentando a nefasta ilusão de que o governo petista seria o “mal menor” para os trabalhadores.
Como conclusão desses exemplos, vemos categoricamente que os erros e capitulações das organizações de esquerda às frentes-populares, a governos de conciliação de classes, e por conseguinte sua abstenção na batalha pela direção do proletariado e do movimento de massas, é um fator muito importante da crise de direção revolucionária no período atual.
VI –A crise política brasileira e a luta por uma alternativa de direção
Para ilustrar o que dizemos podemos utilizar o exemplo brasileiro. No nosso país, a ampla maioria da esquerda acreditou no “golpe contra Dilma” e saiu na defesa de seu mandato. Enquanto a classe operária, sobretudo o seu setor mais precarizado, rompia de vez com o projeto do Lulismo, importantes setores da esquerda se encarregou de defendê-lo com unhas, dentes e aparatos. Na nossa opinião, essa “teoria” é uma justificativa para continuar defendendo uma política de conciliação com setores burgueses, burocráticos e pequeno burgueses, sejam do PT, do Rede Sustentabilidade (Rede), do Partido Comunista do Brasil (PCdoB), etc. Porém, para além disso, vemos esse debate inserido em um contexto mais global, onde os erros da esquerda alimentam a crise de direção revolucionária.
Imaginem se tivéssemos o PSOL, o PSTU, o Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST) engajados na construção de um terceiro campo contra o PT e o Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB). Se ao invés de subir no palanque de Lula e Dilma, os parlamentares do PSOL estivessem utilizando seu prestígio e convocando marchas contra os dois blocos burgueses que disputam o poder. Se o MTST estivesse aproveitando sua imensa base social para enterrar o projeto de conciliação de classes do PT, ao invés de salvá-lo. Inclusive se não tivéssemos todo o PSOL, mas ao menos as correntes que se reivindicavam da esquerda psolista: se tivéssemos Luciana Genro, junto a Babá, Zé Maria, Boulos e outros dirigentes sindicais, populares e juvenis, formando nos fatos o terceiro campo, apoiando as lutas em curso e exigindo das centrais sobre tudo da CUT, a necessidade de uma greve geral! Sem dúvidas teríamos hoje uma forte alternativa de direção. Infelizmente, a realidade está distante disso.
Do nosso ponto de vista, após a queda do Muro que consideramos um triunfo do movimento de massas vista a debilidade que se abriu nos aparatos sindicais e políticos, nós revolucionários temos gigantescas tarefas pela frente, e imensas oportunidades. Para tal, é preciso uma luta consequente contra os setores da esquerda que capitulam, contra o centrismo e o revisionismo no interior do trotskismo. Estamos frente à falência do PT que perdeu sua base social, processo ao qual apostamos durante anos os trotskistas.
Frente a esta realidade, propusemos no interior do PSOL, ao PSTU, ao MES e à Conlutas, a necessidade de construir um bloco ou polo como projeto estratégico para poder construir uma alternativa de direção. Somos da opinião que o PSTU, corretamente não reproduziu o discurso do golpe, mas não respondeu de forma correta a esta nova situação de ruptura massiva com o PT. Não atuou para fazer do Espaço de Unidade de Ação e da própria Conlutas um polo ofensivo na política. A esquerda que não capitulava ao lulismo esteve muitas vezes paralisada pela política da direção do PSTU, de eternos debates e procura de consensos com os setores que já estavam com sua decisão tomada de se agregar no campo do PT. Isso provocou a paralisia do Espaço em meses decisivos da crise política e é o que explica também a paralisia na qual está após a queda de Dilma.
O espaço para estas batalhas está colocado. Mas é necessário unir forças, com uma política clara contra os dois blocos burgueses, para apoiar as lutas; impulsionar a democracia operária, exigir das centrais uma greve geral; para enfrentar decididamente Temer e sem com isso defender o “volta Dilma”, na estratégia de um governo de esquerda, dos trabalhadores e do povo.
O impulso à mobilização como método privilegiado é decisivo para não cair no eleitoralismo, especialmente a poucos meses de uma eleição municipal onde não são poucos os setores da esquerda que buscam “ampliar alianças” – até com a Rede, de Marina Silva, a mesma que votou em Aécio, no segundo turno, e que caiu também nas denúncias da Lava Jato, despolitizando o debate, restringindo-o ao âmbito municipal com propostas rebaixadas, como se houvesse solução para os problemas do povo trabalhador nesse terreno.
De nossa parte, seguimos acreditando ser preciso um polo, ainda que inicialmente pequeno, de enfrentamento aos dois blocos burgueses que disputam o poder. Assim, em nosso país, daríamos alguns passos rumo à necessidade de superação da crise de direção revolucionária, – mundialmente, a imensa tarefa para a qual dedicamos nossas vidas e a única forma pela qual podemos construir um governo da esquerda, dos trabalhadores e do povo para derrotar de uma vez o sistema capitalista.
*Fontes: 1) Teses sobre Situação Mundial – Secretariado da LIT-CI- 1984 – 2) Teses Políticas Mundiais do IV Congresso da UIT-CI: “Uma proposta para as lutas do século XXI” – 2013