EUA | O que significa o fenômeno Bernie Sanders?
Por Silvia Santos – Coordenação da CST/PSOL
Como no resto do mundo, novos ventos sopram na política ianque. Frente a uma crise social que avança implacável, com sua sequela de desemprego, baixos salários e sem perspectiva de melhorias no horizonte, o descrédito e a rejeição dos políticos tradicionais tem uma nova expressão. O veterano socialista de 74 anos Bernie Sanders acumula vitórias nas eleições primárias em vistas a eleição presidencial de novembro, disputando cabeça a cabeça com Hillary Clinton, ambos pelo partido Democrata.
Recolhendo as reivindicações do movimento “Occupy Wall Street” Sanders promete taxar os ricos, elevar o salário a U$S 15 por hora; garantir universidade e saúde públicas gratuitas, entre outros aspectos democráticos como a luta contra o racismo, a favor da comunidade LGBT e contra as intervenções militares dos EUA. Em suma, formou-se um movimento essencialmente jovem muito progressivo que deixou de temer a palavra “socialismo”, e a está popularizando e fazendo entrar numa franja, ainda minoritária, de trabalhadores.
Também, seu crescimento expressa o desencanto com Obama, (quem anos atrás despertou as mesmas ou maiores expectativas que Sanders), pois depois de dois mandatos se aprofundou o abismo social, o fosso que separa os bilionários de uma população trabalhadora e de classe média cada vez mais empobrecida.
No Estado de New Hampshire, Sanders obteve 85% dos votos dos menores de 30 anos e 65% dos trabalhadores que recebem menos de 50 mil dólares/ano. Por sua vez, Hillary é favorita entre os votantes idosos e com salários bem maiores.
Se por um lado temos Sanders ameaçando o favoritismo de Hillary, pelo lado republicano cresce a figura de bilionário Donald Trump, racista e xenófobo que faz campanha prometendo expulsar todos os muçulmanos do país entre outras pérolas!
Pelo lado da classe trabalhadora, a maioria dos sindicatos e a poderosa AFL/CIO, tradicionais aliados dos democratas, apoiam Hillary sendo que setores que tem lutado como enfermeiras, trabalhadores dos correios e da comunicação, assim como milhares de trabalhadores descontentes apoiam Sanders.
Mas também, a crise econômica e social explica que setores com mais de 40 anos, brancos de classe média e classe trabalhadora, assustados frente à presença da população negra, latina, asiática, etc. que disputa os poucos e mal pagos postos de trabalho estão apoiando ativamente o magnata Donald Trump.
Quem é Bernie Sanders?
Independente até 2015, o atualmente senador pelo estado de Vermont, Sanders, vinculou-se jovem ao socialismo e sempre teve ideias progressistas, reivindicando um socialismo “nórdico” ou reformista. Fundou e organizou diversos agrupamentos, enfrentando democratas e republicanos. Ganhou a prefeitura de Burlington cargo para o qual foi reeleito 4 vezes. Em 1990 foi eleito deputado cargo que exerceu durante 16 anos até ser eleito senador em 2006 ocasião em que foi oficialmente apoiado pelo Partido Democrata. O ex. governador de Vermont, o democrata Dean, declarou que Sanders “era um aliado que vota com os democratas 98% do tempo” (Inclusive tem avalizado o apoio dos democratas ao Estado de Israel) sendo que também teve o apoio do então senador Obama. Foi reeleito para o senado em 2012 e em 2015 decidiu concorrer para a presidência pelo partido de Hillary e Obama.
Em Julho de 1986, numa conferência em Berkeley de socialistas e ativistas, Sanders deu esta mensagem: “Se debate se os socialistas devem ou não trabalhar dentro do Partido Democrata para impor nossas ideias. Mas o Partido Democrata não é o partido dos socialistas, mas dos seus inimigos, os políticos burgueses… não é o partido dos trabalhadores, da classe, dos socialistas, pois defende a classe que oprime os trabalhadores…. Se nós temos provado que podemos vencer eleições contra os democratas, participando nesse partido não estaremos adiando por tempo indeterminado nosso próprio nascimento como força política? Não seria o pior crime contra nossas próprias ideias”? (Jaqueline Harrison – Correio Internacional, outubro de 1986 -)
Infelizmente, passados 30 anos, Sanders mudou de ideia a ao invés de fortalecer a luta pela criação de um partido socialista independente, que ainda que reformista seria um passo extraordinário visto que disputaria com o tradicional bipartidarismo, decidiu reforçar esse mesmo bipartidarismo entre os dois grandes partidos dos monopólios e do grande capital do principal país imperialista do mundo, que como uma camisa de força impede a independência política da classe trabalhadora.
Por isso, repetindo o analista político argentino Marcelo Cantelmi, podemos afirmar: “que Sanders seja uma expressão das angustias sociais, não significa que as represente”. Pois não só ele comprometeu seu voto em Hillary caso ela vença a primária, como seu programa será irrealizável neste período de crise do capital, a não ser que o povo se insurja e de forma revolucionária o imponha, o que não está nos planos de Sanders.
Consideramos equivocado confundir o progressivo do movimento de milhões de jovens e franjas de trabalhadores que reivindicam o socialismo, (ainda que seja numa versão social democrata) com as figuras ou partidos que ocasionalmente estejam à frente.
Sanders, longe de ser um “outsider” é um experiente político que sabe que tradicionalmente o Partido Democrata tolerou e deixou correr diversas alas e setores mais ou menos progressistas, sendo que, por outro lado sua localização também possibilita manter nos marcos do bipartidarismo, neste caso junto aos democratas, o voto de milhões de jovens.
Ao contrário de Syriza que nasceu como um novo partido anticapitalista independente dos partidos tradicionais expressando uma fortíssima luta e dezenas de greves gerais, para posteriormente Tsipras se entregar nas mãos da troika, o Partido Democrata é um dos dois partidos da burguesia do principal país imperialista do mundo, e a situação atual, se bem com diversas lutas e movimentos muito importantes, está longe de se assemelhar a situação grega.
Por isso, nosso chamado é para que Sanders retome o caminho do seu discurso de 1986 e se ponha na cabeça de um real movimento independente de esquerda, por fora do Partido Democrata, o que será uma formidável alavanca para o avanço da classe trabalhadora e da juventude rumo a produzir uma mudança no coração do império. Não sendo assim, o apoio ao candidato democrata acabará reforçando o bipartidarismo imperialista.