EM MEMÓRIA DE LEON TROTSKY: Elementos políticos de seu legado para os revolucionários do século XXI
Makaiba e Diego Vitello – CST-PSOL
“Diga aos nossos amigos que eu tenho a certeza da vitória da Quarta Internacional – vá em frente!”Leon Trotsky no leito do hospital pouco antes de sua morte.
No dia 21 de agosto, completam-se 75 anos em que Trotsky foi assassinado em seu exílio no México, a mando de Stalin. Lembrar a sua morte não significa apenas lembrar e lamentar o crime em si. A trama stalinista para assassinar Trotsky não foi somente um ato de vingança pessoal de Stalin contra o seu maior inimigo político.
Stalin, o “grande organizador de derrotas”, como o descreveu o próprio Trotsky em um de seus escritos, precisava destruir o trotskismo. A eliminação física do velho Lev Davidovich Bronstein (Trotsky) foi uma tentativa de dar uma tacada final nessa destruição. Primeiro, com o revolucionário ainda vivo, os stalinistas propagandeavam pelo mundo todo, através dos partidos da III Internacional Comunista, que Trotsky era um agente do imperialismo e inimigo da URSS. Enquanto a calúnia era repercutida, ia-se armando nos bastidores do Comissariado Popular de Assuntos Internos (a sigla em russo é NKVD), a polícia secreta stalinista, o assassinato do fundador do Exército Vermelho. E por fim, em 1940, ele foi morto pelas mãos de Ramón Mercader. Nos anosanteriores milhares de trotskistas haviam sido assassinados pelo mundo todo. Na URSS stalinistas alguns milhares de jovens socialistas morriam fuzilados no exílio siberiano, com o punho esquerdo erguido gritando “Viva Trotsky”. Ele havia se tornado, sobretudo na segunda metade dos anos 20 e início dos anos 30, o maior símbolo da resistência ao modelo stalinista.
A destruição do trotskismo, na visão astuciosa e cruel de Stalin, era uma necessidade estratégica para que ele pudesse concluir o seu plano de ruptura programática e radical com o bolchevismo. Não foi por acaso que dos líderes bolcheviques à época da Revolução de Outubro de 1917, os únicos que morreram de morte natural foram Lênin, Sverdlov e o próprio Stalin. Os demais, como Zinoviev, Kamenev, Bukharin, entre outros, depois de passarem pelos humilhantes processos públicos de confissões forçadas e expurgos, foram assassinados. Trotsky foi o último dos dirigentes bolcheviques de outubro morto a mando de Stalin. Só assim foi possível assegurar de uma vez por todas o prevalecimento dos interesses da casta burocrática que usurpara o poder do jovem Estado Operário Soviético.
Mas a história da luta de classes não se deixa contar impunemente pelos “vencedores” de tramas políticas hediondas e segue dando xeque mate e derrubando as máscaras das ditaduras de “esquerda”, dos PCs “etapistas”, do transformismo socialdemocrata em social-liberal, dos burocratas sindicais e dos governos de frente popular. Depois de 75 anos da eliminação física de Trotsky, seu legado teórico e político continua vivo entre os lutadores da vanguarda mundial que defende a causa revolucionária dos trabalhadores. Os seus herdeiros, somos orgulhosos de sua trajetória e dos sacrifícios que foram feitos para que ele nos deixasse seu legado político. Enquanto isso,os herdeiros do stalinismo não conseguem mencionar o nome do chefe máximo dos burocratas, traidores e aniquiladores da tradição bolchevista, sem constrangimentos.
A crise capitalista atual e o legado de Trosky para os desafios do século XXI
Frente a maior crise do capitalismo, comparável somente a de 1929, os ensinamentos deixados por Trotsky são de extrema atualidade. Com a crise econômica iniciada em 2007-08 vemos em todo mundo um poderoso ascenso das lutas de massas, greves gerais, movimentos de jovens como os indignados na Espanha, o Ocuppy Wall Street nos EUA, governos que não chegam ao fim dos calendários eleitorais e inclusive revoluções como vimos no mundo árabe. Esses fenômenos mostram que a luta contra os males intrínsecos ao capitalismo segue mais viva do que nunca.
Em Trotsky, temos um dos grandes pensadores da teoria da revolução. As conclusões tiradas por ele foram todas à luz de processos reais do seu tempo, e no maior deles, a Revolução Socialista na Rússia em 1917, ele foi, ao lado de Lenin, um dos grandes dirigentes. Aprender e tirar conclusões dos processos atuais, à luz do legado de Trotsky, é uma das grandes tarefas que temos os revolucionários do século XXI, que acreditamos que por dentro do sistema capitalista não haverá saída para a classe trabalhadora e nem para a humanidade em geral.
Tendo em vista sua imensa obra, que merece obviamente uma avaliação que vai muito além deste pequeno texto que nos propomos, queremos colocar apenas alguns pontos do legado de Trotskyque se complementam e que acreditamos que ajudam muito os militantes socialistas a compreender a realidade do século XXI e a pensar uma saída revolucionária para a atual crise capitalista.
Algumas conclusões da teoria da Revolução Permanente para os dias atuais
A teoria da Revolução Permanente começou a ser elaborada por Trotsky no Balanço feito da Revolução Russa de 1905, que ficou conhecida como o “Ensaio Geral”. Neste processo, o marxista russo, então com 26 anos, foi parte fundamental da ação das massas. Quando se formaram os Conselhos Operários (Soviets), Lev Davidovich foi presidente do Soviete de Petrogrado, que junto com Moscou, eram as maisimportantes cidades industriais do Império Russo à época. No balanço desta poderosa mobilização operária da qual participou ativamente, Trotsky chegou a conclusões fundamentais que seriam a base da sua teoria da revolução. A primeira delas foi que a burguesia russa, pelo seu atraso, seria incapaz historicamente de cumprir as tarefas democráticas, como fazer uma reforma agrária para acabar com o latifúndio, ou mesmo ter um projeto de desenvolvimento industrial independente do capital estrangeiro, vindo na época sobretudo da Inglaterra, França e Alemanha.
Trotsky colocou que somente a classe operária, derrubando o Czar, poderia governar executando as tarefas democráticas até o fim e o desenvolvimento pleno da industrialização na Rússia se daria diretamente pelas mãos da classe operária no poder, combinado com esse processo se colocaria para o proletariado no poder a possibilidade de avançar nas tarefas socialistas. Após as conclusões da Revolução Chinesa de 1927 e das suas polêmicas contra Stalin que apoiou o governo nacionalista-burguês de Chiang-Kai-Check, Trotsky, complementou a teoria da revolução permanente, a transformando em uma teoria para a revolução socialista internacional. Para ele, em sua dinâmica, a revolução nos países de capitalismo atrasado, como no caso russo, se transformaria de democrática em socialista, caso cumprisse o seu curso até o fime não fosse abortada, para isso, deveria ser encabeçada pela classe operária. A antiga máxima “o que não avança, retrocede” estaria presente aqui também, pois caso uma revolução que iniciasse com tarefas democráticas não avançasse para as tarefas socialistas no curso do seu desenvolvimento, ela inevitavelmente retrocederia. Para levar adiante essas enormes tarefas a vanguarda operária precisava estar organizada em partido político, que pudesse ser o elemento consciente das mobilizações de massa espontâneas que surgiriam, as dotando de um programa de ruptura com o sistema capitalista.
Tiramos das lições da teoria da revolução permanente que não há setor da burguesia que possa ser consequente nem com as tarefas democráticas colocadas no curso da luta de classes, portanto governos em comum com setores burgueses não servem para aqueles que buscam defender os interesses históricos da classe operária e nem para defender de forma consequente as tarefas democráticas ainda pendentes em determinado país.Além disso, para além das “modas anti-partido”, vemos que o legado de Trotsky, colocando que era preciso que os revolucionários organizassem seu partido para levar a classe operária a tomada do poder, segue mais vivo do que nunca. A ausência de um partido revolucionário com influência de massas foi determinante por exemplo para que as revoluções do mundo árabe não avançassem para uma ruptura anticapitalista.
A Frente Popular e o combate de Trotsky em vida
Por diversas vezes na história assumiram o governo projetos políticos que chamamos de conciliação de classes. Organizações operárias e/ou populares e de esquerda se uniram a partidos burgueses para governar e obviamente não se propuseram a romper com o sistema capitalista. O primeiro caso foi naRússia em Fevereiro de 1917, onde os mencheviques, uma organização operária reformista, formaram um governo em comum com os Cadetes, partido impulsionado e financiado por setores da burguesia russa.Trotsky, ao lado de Lenin, se tornou um dos grandes opositores deste governo e organizou a sua derrubada pela via insurrecional em outubro de 1917.
Foi no seu VII congresso que a Internacional Comunista, já completamente comandada pelo Stalinismo, pela primeira vez se formulou de forma mais acabada a defesa de governos de Frente Popular ou de conciliação de classes. Em síntese, tratava-se de formar governos em comum com a burguesia “democrática” de cada país, contra a burguesia “reacionária”. Esta aliança de classes antagônicas formando governos em comum foi responsável pelas maiores derrotas da classe operária no século XX. Governos que eram compostos por organizações nascidas no seio da classe operária, como os Partidos Comunistas ou Socialistas, ao lado de partidos burgueses foram parte dos debates estratégicos feitos por Trotsky em vida. Para o dirigente russo “Na realidade, na nossa época, a Frente Popular é a questão principal da estratégia da classe proletária”.
Em suas análises quando a Frente-Popular chegou ao poder na França, Trotsky sentenciou: “Na França, a poderosa onda de greves com ocupação de fábricas, particularmente em junho de 1936, mostrou com clareza que o proletariado estava completamente pronto para derrubar o sistema capitalista. Entretanto, as organizações dirigentes (socialistas, stalinistas e sindicalistas) conseguiram, sob a égide da Frente Popular, canalizar e deter, ao menos momentaneamente, a torrente revolucionária.” Ou seja, a ascensão de um governo de Frente Popular ao poder, serve em primeiro lugar para conter as mobilizações de massa. Para o velho dirigente revolucionário, o papel traidor da Frente Popular era evidente, pois ao conciliar com a burguesia, seu papel de freio das lutas operárias impedia que as massas avançassem no caminho da revolução permanente, onde o proletariado enquanto classe dominante dirigiria as tarefas democráticas e também as socialistas de cada país, derrotando o capitalismo. E esse é um debate muito atual, pois a estratégia frente populista, de conciliação de classes, é hoje inteiramente reivindicada por inúmeros setores da esquerda mundial, como é o caso da Unidade Socialista (US) que hoje comanda o aparelho legal do PSOL. Não por acaso a prefeitura de Macapá, no extremo norte do Brasil, é governada em total aliança com setores burgueses da cidade e daquele estado.
Apoiar governos em comum com setores da burguesia não tem nada a ver com a política Trotskista
Após conclusões tiradas da avaliação destes governos, sobretudo a partir dos processos que existiram na França e na Espanha dos anos 30,a polêmica com os PCs stalinistas que defendiam abertamente a formação de governos em comum com a burguesia, Trotsky escreveu em 1938 no seu Programa de Transição: “A situação política mundial no seu conjunto caracteriza-se, antes de mais nada, pela crise histórica da direção do proletariado.”Ou seja, após as direções do proletariado, que à época eram os partidos comunistas e socialistas, que tinham poderosas organizações partidárias e estavam a frente dos grandes sindicatos, formarem governos em comum com a burguesia, Trotsky colocou que o elemento determinante da situação política era a crise de direção do proletariado. Portanto, a tarefa principal que se desdobrava daí, era a construção de uma nova direção para a classe operária em nível mundial. Ali surgiu a IV Internacional, que Trotsky afirmou que foi “a mais importante obra de sua vida.”
Infelizmente, diversas organizações de esquerda que afirmam reivindicar o legado de Leon Trotsky e da IV internacional, acabaram apoiando governos de conciliação de classes. E temos exemplos recentes. Na Venezuela chavista, enquanto um setor burguês enriquecia a cada dia mais, formando a chamada “boliburguesia” e as greves operárias sofriam dura repressão, correntes da esquerda, que estão junto conosco no PSOL, como o MES, ou a seção brasileira do Secretariado Unificado da IV Internacional, que atualmente se chama Insurgência, colocavam sempre a necessidade de apoiar este governo ou então suas medidas, ou ainda se limitando a críticas parciais ou focadas em determinados setores do governo, se negando permanentemente a debater seu caráter de classe. O que foi um erro. A tragédia da política e da estratégia do chavismo já era esperada, após 16 anos de chavismo no poder, a classe trabalhadora venezuelana amarga uma dura situação econômica, com a política do governo descarregando a conta da crise econômica sobre suas costas.
Hoje em dia surgem “novos” fenômenos políticos que apontam “saídas” para a classe trabalhadora sem apontar a necessidade de ruptura com o sistema capitalista. Vimos onde foi parar o projeto de Chávez do “Socialismo do Século XXI”, que em nenhum momento se propôs a romper com o capitalismo e hoje a crise venezuelana é exemplo disso. Nahuel Moreno, fundador da corrente histórica da qual nós da CST-PSOL somos parte, e dirigente trotskistas latino-americano que melhor seguiu o legado de Trotsky ao longo do século XX colocou em um debate com as organizações que expressavam apoio aos governos de FP: “Sempre os reformistas esconderam seu apoio ao governo burguês frentepopulista atrás da máscara de apoio às “medidas/passos progressivos”. Não foram poucos os textos em que inúmeras correntes defenderam com unhas e dentes as medidas “progressivas” do governo burguês bolivariano na Venezuela e por essa via lhe destinavam apoio político, apesar de seu caráter burguês global. O caso venezuelano é emblemático, pois há menos de uma década cruzava todos os principais debates da esquerda latino-americana, mas poderíamos obviamente citar outros fenômenos relativamente recentes como o Zapatismo, o governo Lula/Dilma, Correa, Evo Morales, Ollanta Humala, etc.
O debate sobre governos de conciliação de classes tem enorme atualidade quando verificamos o governo grego de Alexis Tsipras e do Syriza. Formando um governo em comum com um partido burguês (ANEL), e não tendo em seu programa nenhum elemento que apontasse para a ruptura com o atual sistema, o Syriza, partido que comanda o governo, se transformou em seis meses do partido que encabeçou o descontentamento anti-austeridade no terreno eleitoral, a ser o partido que aplica diretamente as medidas de austeridade que arrebentam com o nível de vida dos trabalhadores gregos para manter os astronômicos lucros dos banqueiros. A disjuntiva de ferro de ruptura ou continuidade esteve mais uma vez colocada. Ao tomar a covarde opção política da continuidade, Tsipras mostrou a falência completa de sua estratégia. Os que lhe prestaram apoio político, mais uma vez mostraram que o apoio a determinado governo sem ter um critério claro de classe, só serve para pavimentar o caminho das derrotas e da capitulação. Não temos expectativas que correntes declaradamente frente-populistas como a US mudem sua estratégia. Porem fazemos um chamado à reflexão as correntes que afirmam reivindicar o legado de Leon Trotsky e da IV internacional perante esses fatos gigantescos para que revejam sua política na Grécia e, principalmente perante Pablo Iglesias e Podemos na Espanha, evitando novos erros.
Seguimos o legado de Leon Trotsky
De nossa parte, aos 75 anos da morte do dirigente do exército vermelho, temos certeza de que sua obra é de imenso valor para os revolucionários do século XXI que buscam uma saída para a barbárie capitalista. O trotskismo foi a corrente mais perseguida do movimento operário mundial. Nossos antepassados tiveram que enfrentar duramente não apenas a perseguição da burguesia capitalista, mas também a repressão vinda da burocracia soviética, que desde suas salas no Kremlin, tramou o assassinato de dezenas de milhares dos que, como nós, seguiram a obra de Leon Trotsky. Mesmo com toda essa perseguição, a realidade objetiva de decadência do capitalismo e a burocratização do primeiro estado operário surgido na URSS, foram as bases para que as novas gerações de revolucionários fossem dando continuidade a imensa batalha que Leon Trotsky deu em vida.Em seu testamento ele afirmou: Não preciso mais uma vez refutar aqui a calúnia vil de Stalin e seus agentes: não há uma só mancha sobre minha honra revolucionária. Não entrei, nem direta nem indiretamente, em nenhum acordo, ou mesmo em nenhuma negociação de bastidores, com os inimigos da classe operária. Milhares de adversários de Stálin tombaram, vítimas de falsas acusações. As novas gerações revolucionárias reabilitarão sua honra política e tratarão seus carrascos do Kremlin como eles merecem.” Temos orgulho de colaborar, ainda que muito menos do que mereceram devido às nossas imensas debilidades, a reabilitar a honra política dos que tombaram assassinados a mando de Stalin e sobretudo do seu maior opositor, que nos deixou grandes ensinamentos, Leon Trotsky.