Há 40 anos o Vietcong ocupava Saigon e os ianques eram derrotados no Vietnã
| Mercedes Petit*
Em 30 de abril de 1975, o governo do Vietnam do Sul, um títere sustentado no país pelo imperialismo norte americano, se rendeu ante as tropas das heroicas guerrilhas de vietcongues, apoiadas pelo Vietnam do Norte, que o enfrentaram durante mais de 10 anos. Pela primeira vez em toda sua historia os ianques sofriam uma derrota militar que os marcou desde então.
Distintos imperialismos dominaram a península da Indochina desde o século XIX. E com um heroísmo incrível, o povo vietnamita resistiu e os foi expulsando. Na década de 1950, logo depois da divisão do país (Vietnam do Norte e Vietnam do Sul), os ianques eram o principal financiador da odiada ditadura de Ngo Dinh Diem, no sul. A resistência foi fortalecendo uma guerrilha de massas, o Vietcongue ou Frente de Libertação Nacional (FLN), que contava com apoio do Vietnam do Norte, limítrofe com a China, sendo ambos países o que os trotskistas denominávamos estados operários burocráticos. A medida que foi crescendo a resistência popular à ditadura, o exército do Vietnam do Sul mostrou sua incapacidade para sustentar o governo títere no poder. Os ianques tiveram que passar do envio de assessores e a ajuda militar, para bombardeios e a intervenção direta de suas tropas invasoras, entre 1964 e 1965, sob o governo de Lyndon B. Johnson.
Bombas, tropas e napalm
Durante oito anos, o todo poderoso imperialismo ianque empreendeu um massacre intenso contra um povo que resistiu com incalculáveis sacrifícios. Chegou ao enviar mais de 500 mil soldados, teve cerca de 50 mil mortos e gastou mais de 15 bilhões de dólares (o que influenciou na crise econômica mundial de 1973-74). Fizeram conhecer em todo o mundo uma palavra sinistra: napalm. Era uma espécie de gelatina incendiária que jogavam de seus aviões, que em terra se alastrava em chamas duradouras. Jogavam toneladas de bombas, de napalm e de químicos esfoliantes, que arrasavam os cultivos e todo tipo de vegetação. Os soldados ianques tiveram que lutar corpo a corpo com os heroicos camponeses, transformados em guerrilheiros.
Um heroísmo sem limites
A imprensa mundial começou a publicar diante dos olhos do mundo todas essas atrocidades. A guerra começou a ser transmitida cotidianamente pela televisão e todo tipo de jornalistas e repórteres fotográficos divulgavam a infinita crueldade da invasão ianque, mostrando os efeitos do napalm, os assassinatos civis e outras monstruosidades. Começou a ganhar espaço entre os lutadores a solidariedade com o povo vietnamita. De sua parte, as burocracias chinesa e soviética apenas ajudavam a “conta-gotas”, sem envolver-se de forma contundente junto ao povo agredido. Em 1965, a delegação do PC cubano fez no 23º Congresso dos PCUS uma proposta fundamental: exigiu das direções dos partidos comunistas da URSS e China que declarassem o Vietnam como parte inviolável de seus próprios territórios, para derrotar contundentemente a invasão. O Che fez seu chamado: “façamos dois, três, muitos Vietnam´s…”. Os burocratas se fizeram de surdos.
1968: um ponto de inflexão
As massas vietnamitas começaram a inclinar a balança a seu favor no que se denominou “a ofensiva do TET”, quando em fevereiro de 1968 se produziram levantes nas principais cidades do sul. E com o Maio Francês e o ascenso das mobilizações em todo o mundo, a solidariedade com o povo vietnamita se instalou entre a juventude estudantil e os lutadores da Europa e América. Nos Estados Unidos começou a se desenvolver um movimento contra a invasão no Vietnam cada vez mais massivo e vigoroso. Em 1970 se produziu a célebre “marcha sobre Washington”, que convocou a mais de um milhão de manifestantes na capital e marchas em centenas de cidades de todo o país. A repressão começou a dar lugar a centenas de presos, feridos e inclusive mortos. Na vida política norte americana, nas universidades, nos meios intelectuais e de imprensa, e na indústria cinematográfica, se instalou cotidianamente o tema de Vietnam.
A atriz Jane Fonda, por exemplo, teve a coragem de visitar durante 15 dias o Vietnam do Norte, em 1972. O veterano “marine” Ron Kovic, que havia viajado como voluntario entusiasta em 1967 e voltou paralítico da cintura para baixo, se somou ao repudio a invasão. Em 1974 escreveu sua auto-biografía no livro “Nascido em 4 de Julho” (publicado em 1976 e levado ao cinema em 1989 por Oliver Stone). Milhões foram saindo as ruas com a consigna “tragam os soldados para casa agora”. Em Janeiro de 1973, o governo ianque e seu títere em Saigón, Cao Ky, tiveram que firmar “acordos de paz”, que incluíam a retirada dos ianques e um conselho -que envolvia ao Vietcong – para convocar eleições. Mesmo assim os ianques começaram a retirar as tropas (mais que nunca obrigados pelo repúdio aos Estados Unidos no mundo à sua presença), no geral não se satisfizeram, porém a sorte dos ditadores do sul e seus amos imperialistas já estava dada.
Um triunfo histórico
Desde o início de 1975 o avanço da FLN era esmagador. Em março já quase não havia resposta por parte do governo de Saigón e suas tropas. Em 29 de abril entrou para a história a foto dos helicópteros salvando aos poucos funcionários que ainda fugiam pelos tetos da embaixada norte americana. Em 30 de abril, um fugaz presidente, Duong Van Minh, ordenou ao restante de seu exército suspender as hostilidades e se rendeu, transferindo o poder a um governo da FLN.
Os vietnamitas haviam triunfado, derrotando a maior potência militar, os Estados Unidos. A tremenda capacidade de luta das massas vietnamitas havia sido demostrada em anos de heroica resistência. A solidariedade mundial havia jogado um papel decisivo para apoiá-las até o triunfo. Porém, de todos os modos estava colocado com toda gravidade o problema da direção, nas mãos do FLN, aliado do Partido Comunista do Vietnam do Norte, que encabeçava Ho Chi Minh. O PST (Partido Socialista dos Trabalhadores), orientado por Nahuel Moreno, então defendia em seu jornal o caráter burocrático e inconsequente da direção comunista. Exemplo disso é que Duong Van Minh e outros altos funcionários foram postos em liberdade de imediato e convidados a formar parte do novo governo. Dizíamos que “[…] a falta de uma direção consciente e consequentemente revolucionária e da democracia operária, seguirá sendo um enorme obstáculo para a revolução vietnamita” (Avanzada Socialista Nº 146, 10/5/75).
Assim se demostrou ao produzir-se a reunificação do Vietnam sob as condições totalitárias da burocracia do norte. E muito mais ainda, quando a mesma acompanhou o curso restauracionista da burocracia chinesa, abrindo as portas ao retorno do capitalismo. Mas nada disso pode esconder a tremenda importância que teve a derrota do imperialismo ianque em 1975. Se demostrou que se podia vencer a semelhante monstro. A “síndrome de Vietnam” o levou a buscar negociações e abster-se de invadir países durante muitos anos. E quando reincidiu, as massas do Afeganistão e do Iraque retomaram os mesmo caminhos, proporcionando-lhes novas derrotas.
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30 anos de guerra
Desde fins do século XIX o imperialismo francês dominava toda a península de Indochina. Nesse período, já havia nascido o nacionalismo vietnamita. Na década de vinte se fundou e se fez forte um partido comunista, que desde os anos 30 teve uma importante ala trotskista, fundamentalmente nas cidades e no movimento operário.
Na década de 40 foi fundado o Vietminh, que impulsionou a resistência contra o ocupante japonês. Em 1945 se viveu um poderoso ascenso de massas, que pôs praticamente o poder nas mãos da resistência. Porém, os acordos de Stalin com o imperialismo nas reuniões de Yalta y Potsdam permitiram que os imperialistas franceses se reinstalassem em seu domínio colonial.
Em 1946 começou a luta, que derrotaria os franceses em 1954. Negociou-se uma independência pactuada, que permitiu aos ianques tomar a parte da França. Foi decidido uma partilha, com o norte para o partido comunista (encabeçado por Ho Chi Minh), e o sul sob um governo títere dos ianques, Ngo Dinh Diem. Em 1956 se realizariam eleições para reunificar o país.
Ante uma iminente derrota nas urnas, Diem desatou uma feroz repressão, o país ficou dividido e se reiniciou a guerra de guerrilhas nas zonas rurais do sul. Em 1960 é fundada a Frente de Libertação Nacional (o Vietcongue). Como o ditador já era um lastre para o governo títere, o assassinaram seus próprios funcionários, esse fato aprofundou a crise.
Desde 1956 os ianques mantinham milhares de assessores militares para fortalecer o exército de Vietnam do Sul. Porém, isto se debilitava cada vez mais diante da resistência de uma guerrilha de massas que ganhava o apoio crescente do campesinato.
Em meados de 1964 o presidente Johnson denunciou um suposto ataque a um dos barcos de sua Sétima Frota no Golfo de Tomkin (que logo se supôs ser praticamente colocado pelos ianques), para começar a bombardear o Vietnam do Norte e a enviar milhares e milhares de “marines”, o que pôs em marcha a invasão, que culminaria em 1973 com o início da retirada das tropas e com a derrota total em abril de 1975.
*Mercedes Petit é dirigente do partido argentino Esquerda Socialista e também da Unidade Internacional dos Trabalhadores – Quarta Internacional (UIT-QI), partido que a CST-PSOL é membro internacionalmente.