Os 80 anos da ANL e o debate entre Stalinistas e Trotskistas no Brasil
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Por Diego Silva – CST/PSOL SP
O que foi a ANL?
A Aliança Nacional Libertadora, criada oficialmente em março de 1935, foi um movimento político que continha pautas democráticas e que tinha como objetivo dos seus fundadores lutar contra a influência do fascismo no Brasil. Foi uma frente policlassista, que reuniu nas suas fileiras desde militantes do PCB até membros da burguesia. Em sua composição social, a ANL teve influência política fundamental dos tenentes descontentes com a política do Governo Vargas. Os tenentistas (movimento pequeno-burguês que reunia setores do baixo oficialato do exército pela “moralização”da política) tiveram, ao lado do PCB, um papel dirigente no interior da ANL. Como resultado disso, Herculino Cascardo, antigo líder do movimento tenentista, foi eleito o presidente do diretório nacional da ANL. Para simbolizar essa unidade dos tenentistas com o PCB, foi escolhido como presidente de honra da ANL, Luís Carlos Prestes, que no momento de sua fundação se encontrava na URSS.
Em Julho de 1935, após o lançamento de um manifesto com duras críticas ao governo Vargas, a ANL foi posta na ilegalidade. Ainda assim, funcionou até novembro de 1935. Após o desastroso levante armado de 1935, fruto de uma análise da realidade completamente equivocada que fez a direção do PCB, a ANL foi completamente desmantelada. Apesar do período de curta duração, a ANL teve um peso de massas, o que fortalece a necessidade do seu estudo. Chegou a atingir em poucos meses a marca de 50 mil filiados.
O ascenso do Integralismo no início dos anos 30
Para o estudo e debate sobre a ANL, nos ajuda precisarmos historicamente os avanços concretos do fascismo brasileiro à época. Poucos anos antes, em 1932, havia sido fundada a Ação Integralista Brasileira, organização com caráter abertamente fascista que estava influenciada diretamente pelas experiências europeias. Na Itália, Mussolini estava no poder desde 1923; e, na Alemanha, Hitler chega ao poder em 1933, no contexto de alguns anos de fortalecimento político após a crise de 29 que leva a economia do país à ruína. Aqui no Brasil, os fascistas tiveram forte ascenção nos anos 30, chegando a editar 114 jornais e 4 revistas em todo país, e contar com mais de um milhão de membros filiados na AIB. Desde sua fundação, os integralistas e seu chefe Plínio Salgado, tiveram boa relação com o governo Vargas, que os deixava atuar livremente e combater pela força o movimento operário e suas correntes políticas. Porém, em 1937, com o golpe de Vargas e criação do Estado Novo, Vargas coloca a AIB na ilegalidade, junto com diversas correntes políticas a sua direita e a sua esquerda, concentrando praticamente a totalidade do poder em suas mãos.
Os stalinistas brasileiros e a ANL
O Partido Comunista Brasileiro foi uma força política fundamental da ANL. Fundado em 1922, o PCB já contava com certa implementação na classe operária. O contexto no qual o PCB aposta suas fichas na fundação da ANL, deve ser entendido no marco internacional.
À época, o partido era filiado à Internacional Comunista, organização que centralizava a atuação dos PCs no mundo inteiro. Já completamente dominada por Stalin e pela burocracia soviética, a Internacional não passava mais de um aparato político burocrático a serviço de manter os interesses e privilégios da burocracia stalinista dominante na URSS. Foi nessa época, em seu VII Congresso, ocorrido em Moscou no ano de 1935, que a Internacional Comunista vota a política da Frente Popular. Esta orientação, em síntese, significava a unidade de todas as forças que se diziam contra o fascismo. Como havia, em todos os países capitalistas, um setor da burguesia que se autodenominava “democrático", era preciso formar Frentes Populares com estes setores, onde se agregaria também a pequena-burguesia democrática. Essa orientação levou ao completo desastre, já que os fortes partidos comunistas do mundo todo tinham como centro da sua política se aliar a um setor “democrático” da burguesia nacional.
Seguindo claramente a orientação de moscou, a política do PCB já começava a mudar em relação ao chefe militar pequeno-burguês Luis Carlos Prestes. Este mesmo esteve na URSS em 1934, de onde voltou convertido ao Stalinismo. Na fundação da ANL, Prestes se encontrava em Moscou, mas mesmo assim foi aclamado por unanimidade o Presidente de Honra da ANL. O manifesto, supostamente “radical”de Prestes de Julho de 1935, que combinava capitulações à burguesia com um palavreado “radical”, dizia claramente sua estratégia: “Só as grandes massas juntamente com a parte da burguesia nacional, não vendida ao imperialismo, serão capazes de, através de um governo popular revolucionário, acabar com esse regionalismo, com a desigualdade monstruosa que a dominação dos fazendeiros e imperialistas impôs ao país.” Ou seja, nesta curta frase, em meio a um manifesto cheio de fraseologia oca politicamente, onde se chegou a dizer “Todo Poder à ANL”, Prestes e o PCB clarificavam sua estratégia, que os trabalhadores e as grandes massas deveriam marchar ao lado do setor da burguesia nacional, “não vendido” ao imperialismo. Essa foi a expressão de uma política suicida para os trabalhadores, confiar que havia um setor da burguesia nacional que poderia ser aliada na instalação de um governo revolucionário, que retirasse o país da dominação do imperialismo.
Os trotskistas brasileiros e a ANL
Havia, no Brasil, desde o final da década de 20, um importante grupo de seguidores de Leon Trotsky. Este pequeno e seleto grupo contava com importantes intelectuais como Mário Pedrosa e Rodolfo Coutinho. Também contava com certa implementação na classe operária, com o grande dirigente operário João da Costa Pimenta e importantes dirigentes da combativa União dos Trabalhadores Gráficos, que foi um importante laboratório do trotskismo brasileiro em sua estratégia de implementação no seio da classe. Este grupo se chama à época Liga Comunista Internacionalista. Estavam armados pela teoria da revolução permanente de Trotsky, que via que somente o proletariado com o poder em mãos poderia executar as tarefas democráticas pendentes nos países de capitalismo atrasado. Aplicando a revolução permanente de Trotsky à realidade objetiva do Brasil dos anos 30, os trotskistas viam que não havia nenhuma possibilidade de uma revolução que retirasse o Brasil do domínio imperialista ao lado da burguesia nacional. Ao contrário do PCB, que via a revolução brasileira como uma revolução feita por etapas, onde primeiro era preciso o proletariado se aliar à burguesia nacional e um setor desta encabeçaria a revolução nacional e antiimperialista, desenvolvendo de forma independente o capitalismo nacional, para que um dia, num futuro incerto, fosse colocado ao proletariado a possiblidade de tomada do poder. Os trotskistas colocavam que burguesia brasileira, assim como foi a com burguesia russa na Revolução de Outubro de 1917, não era capaz de desenvolver o capitalismo de forma independente e nem conceder as grandes massas conquistas democráticas como a reforma agrária e o fim do latifúndio, para isso era preciso que o proletariado, encabeçado por um partido bolchevique, tomasse o poder em suas mãos, aliados aos camponeses pobres.
Essa profunda divergência teórica levou o PCB a durante quase toda sua trajetória buscar alianças com setores da burguesia, o que só levou a derrotas e grosseiras capitulações. Enquanto isso, os trotskistas dos anos 30 batalharam sempre pela independência política do proletariado frente a qualquer setor da burguesia nacional.
Sobre estas divergências acerca do caráter da revolução no Brasil, os trotskistas criticaram profundamente o programa da ANL. No Jornal a Luta de Classe diziam: “O programa da ANL é uma abjecta sopa ideológica na qual entram alguns detalhes do “marxismo” para lhe dar um sabor mais picante a seu nacionalismo patriota. O programa e a direção completam a receita: pois foi em favor dessa confusão, em todos os sentidos, que o chamado Partido Comunista Brasileiro abdicou de sua pretensão de dirigir a luta antiimperialista das massas. […] A força motriz principal da revolução já não é mais o proletariado, senão a pequena burguesia. O instrumento principal da revolução, da realização da aliança operária e camponesa, não é o partido da vanguarda proletária, o partido forjado por Lenin, o partido bolchevique, senão um “movimento” de pequeno- burgueses pela libertação nacional do Brasil, encabeçada pela burguesia nacional”
Um debate que segue vivo
O debate entre trotskistas e stalinistas no Brasil dos anos 30 tem tremenda atualidade.
No que diz respeito ao debate sobre o papel da burguesia nacional no enfrentamento ao imperialismo, a imensa maioria da esquerda brasileira não tirou conclusões necessárias sobre a história do PCB, marcada por capitulações fruto de uma visão etapista do processo revolucionário no Brasil. A ANL é apenas mais um capítulo dela.
Os que insistem em procurar com uma lupa algum setor progressivo da “nossa” burguesia, somente estarão pavimentando o caminho de novas derrotas. O exemplo da traição do PT, que optou por governar com a burguesia e inevitavelmente acabou governando para a burguesia e contra os trabalhadores, provavelmente é o exemplo mais próximo que temos na esquerda brasileira.
A política de “revolução por etapas” que levou a partidos o PCB a frentes permanentes com setores da burguesia e a prestar seu apoio político a governos como Vargas e João Goulart, foi um verdadeiro desastre para a esquerda. Por isso, é fundamental estudar e tirar conclusões práticas das experiências fracassadas do PCB, que foi durante décadas o principal partido de esquerda que tivemos no país.
Os trotskistas dos anos 30 foram uma corrente política que deixou um grande legado de elaboração sobre a realidade brasileira. Acreditamos que as novas gerações de revolucionários tem o dever de aprender com os escritos e a intervenção política deste agrupamento político que, sob fortíssima pressão e perseguição da burguesia, dos integralistas e também do próprio PCB, manteve viva a tradição do marxismo revolucionário no conturbado e polarizado Brasil dos anos 30.