Argentina: o que mostrou a grande marcha em “homenagem” ao promotor Nisman?

| Juan Carlos Giordano (Dirigente Nacional de Esquerda Socialista* e Deputado Nacional de Arg

A marcha teve uma grande participação de pessoas em Buenos Aires com em outros pontos da Argentina. Há um mês da duvidosa morte do promotor público Alberto Nisman, a mobilização foi convocada por vários promotores opositores do governo e apoiada pela ex-esposa de Nisman, políticos patronais (os candidatos presidenciais Macri, Massa, Sanz, Binner, Carrió, Solanas) e alguns dirigentes sindicais (Piumato de la CGT Moyano). Falaremos abaixo porquê nosso partido, Esquerda Socialista, não participou do protesto e sobre as pautas que seguem pendentes.

A grande marcha que ocorreu debaixo de uma forte chuva na capital federal e na grande Buenos Aires mostrou que grandes setores da população seguem comovidos pela morte do promotor público Nisman. Refletiu o aumento da bronca de setores populares e da classe média com Cristina e seu "modelo" de corrupção e impunidade, bastante além do que estavam propondo os organizadores do protesto.

O kirchnerismo (setor político que governa o país) montou um ato em Zárate com sua militância, no mesmo dia, ainda que algumas horas antes, tentando mostrar que o caso não tem atrapalhado o governo e com a intenção de combater o repúdio popular. A presidente criticou a mobilização dias antes, dizendo "prefiro a alegria, não o silêncio". E também a condenou como "golpista" e "que buscava tirá-la do cargo" ( ver "Um golpe brando?"). No entanto, Cristina não conseguiu seu objetivo. Foi uma grande manifestação que reclamou "nunca mais" e "justiça".

Os setores populares se mobilizaram espontaneamente para que o fato se esclareça e não volte a ocorrer. "Se ocorreu a um promotor, o que nós trabalhadores podemos esperar", dizem. Milhares também marcharam como uma crítica ao governo que não repudiou o assassinato de Nisman e nem sequer enviou condolências aos seus familiares. Coisa que não estava contemplada na convocatória.
Porém, para alcançarmos o esclarecimento da morte de Nisman, castigar os culpados e obter justiça, necessita-se mobilizar para enfrentar o aparato repressivos dos Kirchner e para mudar pela raiz esta Justiça.

Por isso Esquerda Socialista não participou da marcha – como também não participaram os partidos da Frente de Esquerda e dos Trabalhadores-, ainda que tenhamos exigido desde o primeiro momento o esclarecimento da morte do promotor e denunciado que existe uma responsabilidade direta ou indireta do governo.

Os objetivos da marcha

Respeitamos o sentimento popular de marchar contra este grave fato e a exigência de justiça. Mas o objetivo dos impulsionadores (parte da atual Justiça, acompanha de políticas patronais) era só fazer uma "homenagem a Nisman", convocando uma "marcha do silêncio", "contra nada" e sem bandeiras políticas. Inclusive, com a consigna "eu sou Nisman", por exemplo, pode-se esconder uma reivindicação da ação política judicial do promotor no caso AMIA ( associação judia, que sofreu atentado em 1994, com a morte de 84 pessoas, que Nisman investigava), que não compartilhamos. Ou uma defesa firme de promotores que agora marcham, mas que estão longe de "lutar por uma justiça independente", com alguns deles dizem.
Os promotores organizadores da marcha, que estão em uma disputa com o governo, são parte de uma poder judicial que se acomoda aos governantes de turno. Alguns estão envolvidos em atos de impunidade. E está claro que não haverá justiça independente com os Macri, Massa ou com Binner. Os políticos PJ anti-Cristina, PRO, Frente Renovador e a UCR (partidos patronais) acompanharam a marcha para lavar sua cara, reclamando "que atue a justiça", quando esses mesmos políticos manipulam os juízes onde governam e estão de acordo em espionar opositores e lutadores sociais.

Os organizadores da marcha tampouco têm alguma resposta ao atual debate sobre o que fazer com a ex SIDE (antiga agência de inteligência argentina) e os serviços de inteligência. Não levantam nenhuma consigna pela dissolução destes organismo, nem sequer para que se abram os seus arquivos ou contra o genocida Milani (chefe do exército, sobre quem pesa ao menos um desaparecimento). Em síntese, tanto os promotores como os partidos patronais – que usaram a marcha para seus projetos eleitorais – não marcharam para garantir justiça, quer dizer, para que se acabe com a casta judicial que vem garantido impunidade em todos esses anos.

Esclarecimento da morte e que se desmantele o aparato repressivo

Nosso partido repudia a atitude do governo de classificar a marcha de golpista, como vem fazendo os setores políticos ligados a Cristina com toda manifestação opositora. Com esse mesmo discurso ataca os lutadores sociais e de esquerda. A não participação de nosso partido na marcha não é porque há se tratado de uma mobilização "golpista" (apesar do uso que fizeram dela os políticos burgueses), mas pelos motivos que expusemos antes.

Esquerda Socialista faz um chamado aos organismos de direitos humanos independentes do governo, organizações sindicais, de bairro, estudantis, e a todas as forças de esquerda e da Frente de Esquerda e dos Trabalhadores, a impulsionar uma mobilização com outros objetivos. Denunciando que o governo é responsável direto ou direto do ocorrido com Nisman; pela dissolução de todos os serviços de inteligência; abertura dos arquivos secretos; Não à nova super agência de inteligência do governo; Fora Milani; Abaixo o Projeto X (esquema de espionagem e vigilância que o governo argentino de Cristina Kirchner montou contra os trabalhadores das fábricas Kraft e Pepsico); basta de perseguir aos que lutam; não à criminalização dos protestos sociais; fim dos processos de 5 mil lutadores sociais. Avaliamos que a voz desta mobilização deve ser sentida já na marcha do dia 24 de março ( dia do golpe militar em Argentina, que se tornou o Dia Nacional da Memória pela Verdade e a Justiça). Só assim podemos evitar mais mortes duvidosas e terminar com a impunidade e a repressão.

"Um golpe brando"?

O kirchnerismo sempre inventa algo para tentar proteger seu "modelo" de corrupção e entrega. Seus representantes falam que há em um curso um "golpe brando". Seria uma versão distinta, "moderna", do século XXI, dos antigos golpes de estado "duros" que executavam as forças armadas, com mortos e desaparecidos. Agora se estaria ante golpes executados pela mídia, juízes ou empresários opositores para tentar tirar o governo e trazes os ajustes clássicos dos anos 1990. Nada mais falso!
Que existem atritos entre o governo e Clarín (maior grupo midiático da Argentina), ou desentendimentos entre o executivo e o judiciário ou empresários que não querem se "disciplinar", é certo. Mas daí esses setores, hoje, quererem derrubar o governo com um golpe não é certo. A mídia não alinhada ao governo, alguns empresários, Clarín e Macra, Massa e demais políticos da oposição patronal, querem que este governo "chegue bem" às eleições de outubro. Eles têm repetido isso até cansar. Querem também que logo de produza uma mudança de governo para que se siga garantindo as ganâncias capitalistas através de "outro discurso".

Hoje, apesar de existir uma luta em curso entre o governo e a oposição, nenhum setor patronal (banqueiros, multinacionais ou latifundiários) querem que o governo seja derrubado abruptamente, deixando uma vazio de poder. Toda a patronal sabe muito bem os ensinamentos do Argentinazo. Aquela rebelião popular de 2001 trouxe abaixo um governo pelas mobilizações de milhões e durante uma semana caíram vários governos a mais. Só depois de um longo e tortuoso tempo, o regime pode recompor a institucionalidade dos poderosos. Eles, os patrões, têm terror que volte a ocorrer o mesmo.
O que quer a oposição (e a maioria da burocracia sindical) é ir desgastando o governo para depois trocar de governante patronal. Mas não querem tirar Cristina. Além do mais, nenhum golpe (seja brando ou duro) se dá sem o aval do imperialismo norte-americano que, via Obama, aposta que este governo siga garantindo os lucros das suas multinacionais e banqueiros até o último dia como tem feito até agora.
Não podemos nos deixar enganar. O golpe "brando" é uma cortina de fumaça, a mesma que usam todos os governos latino-americanos (Dilma e o PT, o chavismo, Evo, Correa) para seguir governando para as multinacionais e grandes empresários imperialistas.

É uma tentativa desesperada do kirchnerismo para não perder base social, e para que estes sigam apoiando a este governo, ainda que esteja aplicando um duro ajuste e governando de forma corrupta. Ademais, a teoria do golpe é muito perigosa, já que classifica todo opositor de direitista, golpista, desestabilizador ou sabotador. Cruzada que não só vai contra os jornalistas ou promotores (além de que estejamos de acordo ou não com suas opiniões), como também contra os lutadores operários e populares. Campanha essa que chamamos a repudiar!

*partido irmão da CST na Argentina, também ligada à Unidade Internacional dos Trabalhadores – Quarta Internacional (UIT-QI)
**frente política e eleitoral na Argentina que tem como grupos principais Partido Operário (PO), Partido dos Trabalhadores Socialistas (PTS) e Esquerda Socialista.