Entrevista com o revolucionário sírio Yassin al-Haj Saleh
| IDP y LI (UIT-CI), tradução Felipe Melo
Entrevista com Yassin al-Haj Saleh, escritor e ativista sírio, realizada por Luta Internacionalista (Espanha) e Partido da Democracia Operária (Turquia). Prisioneiro político de Bashar Al Assad por 16 anos, entre 1980 y 1996. Este último ano morou em Istambul, capital da Turquia.
PDO e LI.- Obama ameaça atacar ao ISIS em Síria… e o regime de Assad o parabeniza oferecendo a si mesmo como aliado do Ocidente contra o terror.
YH.- Sempre pensei que a melhor maneira de atuar contra o ISIS era ajudando aos sírios contra o regime de Assad. Não só porque o regime é tirano e sectário, como também é terrorista, pois utilizou os grupos jihadistas fascistas e os manipulou no Iraque e Líbano nos anos anteriores à revolução síria. Vejo os planos ocidentais de ataque contra o ISIS – sem ajudar aos sírios contra Assad, sem abordar as raízes políticas e sociais da luta síria – como outra traição ao nosso povo, depois de três anos em que pedimos ajuda contra este regime criminoso. Não devemos esquecer a vergonhosa reação do ocidente depois do massacre com armas químicos cometido por Assad a quase um ano. O ISIS, com suas ações desumanas, ganhou muito com essa forma de tratar um crime tão brutal.
PDO e LI.- Como podes explicar o rápido crescimento do ISIS? Que papel jogou na 5ª coluna da revolução síria?
YH.- Não há uma explicação simples para o seu crescimento. Primeiro, tem aumentado as tendências niilistas na consciência de muitos sírios (e iraquianos). Isto é resultado de grandes injustiças e a falta de confiança na instituição mundial. Segundo, o ISIS tem um projeto, uma espécie de "construção nacional", aplicada com um determinação cruel.
Terceiro, o regime de Assad se fortaleceu com a subida do ISIS, uma entidade ultra extremista que dá credibilidade a seu discurso de luta contra o terrorismo. É um fato conhecido que atualmente o regime evita o ISIS, atacando só a resistência.
O ISIS, cujo muito de seus membros eram baasistas iraquianos, é benéfico para o regime porque é uma máquina de matar, ainda que menos efetiva de que o regime de Assad, iguala-o em brutalidade e passa-o no caráter espetacular dos seus crimes. Destrói os movimentos populares, sequestra e assassina os ativistas contra o regime, e é a única coisa no mundo que se pode dizer que justificadamente é pior que o próprio regime.
PDO e LI.- Três anos depois de que começou a revolução, muitos setores políticos afirma que a luta se converteu em uma guerra civil sectária. Estás de acordo com esta ideia? Como considera a atual situação da revolução síria?
YH.- É certo que há um grande elemento sectário na luta síria, que tem crescido nos últimos dois anos. Mas o mundo das seitas não está separado do mundo das classes sociais. O sectarismo ao meu modo de ver é uma ideologia de classe e não uma ideologia de identidade.
É uma ferramenta para dividir os movimentos populares e para proteger o sistema social e político, estabelecido em base a privilégios e ao monopólio do poder e da riqueza. Isto é muito bom para o regime, mas também para certos grupos que lutam contra ele. Estes empregam o sectarismo como método para mobilizar pessoas sob sua liderança.
A situação agora é mesmo muito difícil. A estrutura nacional da luta entrou em colapso nos últimos dois anos. Temos iranianos, libaneses e iraquianos e outros lutando contra o regime, além de jihadistas de muitos países que estão lutando com o ISIS. Creio que o papel dos EUA não é menos criminoso que o da Rússia no plano de destruição do nosso país, e o papel de Israel tampouco é menos destrutivo que o do Iran. Ao mesmo tempo a oposição tradicional falhou miseravelmente na hora de transmitir nossos problemas ou ao menos para salvar a dignidade do povo e a dignidade da revolução.
PDO e LI.- Parece que a resistência está se concentrando em Alepo. É certo isto? Qual é a situação ali?
YH.- Alepo é importante porque é o lugar com as três frações de nossa luta: o regime, o ISIS, a FSA e os grupos islâmicos moderados.
Também é a maior cidade do país. Se o regime perdesse Alepo completamente perderia o argumento de que representa a unidade do país. Pareceria que se entraria em uma nova era em Síria se o ISIS ou o regime dominassem Alepo definitivamente. Há outras frentes da luta em Deera, no Sul. No leste de Ghouta, perto de Damasco, na província de Idlib, não muito distante de Alepo, mas este último é vital para o destino da revolução e para qualquer tipo de possível acordo no futuro.
PDO e LI.- Estão ainda vivas as auto-organizações como os comitês do povo sírio que emergiram com a revolução?
YH.- Sofreram muito em 2013 e 2014. Sua melhor época foi em 2011 e 2012. Havia espaço para atividades criativas nos níveis de organização, protesto, documentação, cobertura de mídia, logística, serviços médicos, conforto, e etc. Mas a dinâmica de militarização levou a uma situação em que os grupos militares controlavam essas atividades, limitando os civis ao mínimo. Isto beneficiou a luta contra a agressão do regime, mas criou estruturas de poder que não são revolucionárias.
O destino de Razan Zeitoona, a famosa e respeitada fundadora dos Comitês de Coordenação Local é exemplar para mostrar isto. Razan foi sequestrada pelo Exército Islâmico no leste de Ghouta em dezembro de 2013. Minha mulher, Samira al Khalil, o marido de Razan Wael Hammada, e o advogado e ativista Nazem Hammadi foram raptados com Razan, sem que se saiba nada sobre eles há muito tempo.
PDO e LI.- Comenta o papel dos Curdos sírios na revolução.
YH.- É um papel contraditório. O poder militar curdo é mais inimigo da Turquia que do regime sírio. Estão relacionados ao PKK de Turquia, o país que, miopemente ajudou os grupos islâmicos contra os curdos. Talvez esta política do governo do AKP em Turquía provocou a chegada de milhares de jihadistas a Síria.
Quero dizer que a luta curda em Turquia, um dos maiores aliados da oposição síria, deixou uma mal imagem do papel dos curdos sírios na revolução. Nunca houve confronte entre o PYD e o regime. Há elementos de isolamento na política do PYD durante a revolução.
O correto, na minha opinião, é fazer uma ampla aliança contra o regime e o ISIS, com os curdos, árabes e todos orientados pela libertação de Síria dos dois grupos, para construir uma nova, na qual os árabes e curdos sejam iguais, com indivíduos e etnias.
Quanto maior seja o papel dos curdos nesta luta, tanto mais compartilharam da futura Síria. O problema é que os curdos não elaboraram tampouco um plano pancurdo, que os mantivesse unidos com os curdos de Turquia e Iraque, ou um própria para Síria, para fazer uma causa comum com outros sírios.
PDO e LI.- Durante os três anos da revolução, a esquerda internacional não pôde realmente construir uma rede solidária com a revolução síria. Contudo, ao momento que a revolução continua, esta enorme tarefa ainda está pendente. Quais são as tarefas da esquerda mundial para o avanço da revolução síria, que tipo de campanhas internacionais concretas se podem construir pela revolução síria?
YH.- Creio que a esquerda política internacional sofre uma grande crise, que afeta sua visão de mundo atual, seu papel, seu autoconhecimento, sua organização… O pensamento geral da esquerda é conservador, antiquado, quando não reacionário. A maioria está satisfeito com as posições contra os EUA, com monstruosos como Putin em Russia, Assad em Síria, e o regime do Ayatolás em Teherán.
Falam muito contra o imperialismo, mas não segundo meus conhecimentos, praticamente não fazem nada para ajudar nem sequer entende a perseguida luta contra os opressores locais ou contra o imperialismo e seus clientes. O que encontro mais depreciável na esquerda internacional é que não sabem nada sobre Síria, sobre sua história, sobre nossa luta por justiça e liberdade no passado.
Sempre identificaram nosso país com o regime fascista de Assad, e sabem muito pouco sobre o regime. Sabem, por exemplo, que Bashar herdou seu posto de chefa da "república" de seu pai brutal que governou o país durante 30 anos? Se isto lhes parece bem, porque não vem a viver neste regime cruel? Em agosto de 2013 eles pensaram que seu dever era estar contra as intenções de América de castigar o regime fascista que matou a 1.466 pessoas em uma noite. Tranquilizam à administração de Obama naquele momento, em coordenação com a Rússia "imperialista", acordando que o regime criminoso seria desarmado de suas armas químicas, mas não teria licença internacional para matar sírios com qualquer outra arma. Seu problema não era contra a guerra, porque esta servia para conter a revolução desde o primeiro dia, seu problema estava com a punição do criminoso.
Não viram que a tarefa era progressiva e que os americanos buscavam qualquer pretexto para não fazê-la. Como sírio, considero esta posição tão sórdida como a da administração de Obama.
Tampouco são diferentes desta administração. Esta eliminou as armas químicas e permitiu que o regime seguisse com seu trabalho assassino, esses esquerdistas protestaram contra uma guerra imaginaria contra o criminoso Assad, e nunca viram nada de mal no regime assassino. Há, contudo, alguns indivíduos e grupos que salvaram a dignidade da esquerda internacional e que representam a dignidade da esquerda. Como sírio e como ator desta terrível luta, queria expressar meu mais profundo respeito com eles em Turquia, em Espanha e em outros países.
Entrevista realizada por PDO e LI, seções turca e do Estado Espanhol da Unidade Internacional dos Trabalhadores – Quarta Internacional (UIT-QI)