NÃO É “ONDA CONSERVADORA”!
É VOTO CASTIGO CONTRA O PT QUE VIROU CONSERVADOR | Combate Socialista, nº60
por Silvia Santos – Executiva do PSOL e da CST
Para o governo, para a maioria dos setores de esquerda da “academia” e, infelizmente, para grande parte dos parlamentares e dirigentes do PSOL, o que aconteceu no 1º turno da eleição foi o crescimento de uma chamada “onda conservadora”. Alguns até falam de avanços nazistas, quando nem Alckmin nem o PSDB são nazistas nem o PT é a Socialdemocracia alemã. Como não concordamos com esta definição, queremos demonstrar que o fenômeno fundamental que aconteceu neste processo eleitoral é o retrocesso do PT, castigado por um setor da população que depois de 12 anos de Lula/Dilma visualiza com frustração que o partido deixou de ser de esquerda, abandonando as bandeiras que defendeu durante décadas para governar com os corruptos de sempre a serviço do grande capital. Nesta eleição não foi reeditada uma polarização de projetos diferentes como foi a disputa de 1989 entre Lula e Collor. Pelo contrário, vimos Collor apoiando Dilma! O giro conservador foi do PT durante estes doze anos, que agora levou seu troco da forma como o movimento podia fazê-lo, uma vez que não existe ainda um forte partido de esquerda alternativo, independente do apertado resultado do segundo turno favorável a Dilma.
As jornadas de Junho fortaleceram a direita?
Estes mesmos setores são os que desde as jornadas de junho atribuem a essas mobilizações um caráter de “direita” pelo fato delas não terem deixado levantar as bandeiras vermelhas do PSTU, do PCdoB, do PT, do PCB ou as do PSOL. Para eles, os milhões que saíram as ruas e foram contra os palácios exigindo saúde, educação e transporte de qualidade enquanto rejeitavam os gastos exorbitantes com a Copa da Fifa, eram de direita ou manipulados por ela.
Esta análise os levou a formar o “bloco vermelho”, unindo em algumas passeatas os governistas do PT e PCdoB, ao PCB e ao PSTU, para se defender da “direita” que queria abaixar suas bandeiras.
Essa visão que reduz a realidade de forma maniqueísta, considerando de “esquerda” quem levanta bandeiras vermelhas e de “direita” os que são contra, não consegue ver o fundamental de Junho: tratou-se de uma revolta espontânea com participação massiva da juventude que se insurgiu a partir de um fato mínimo – o aumento dos 20 centavos – mas que expressou a revolta contra a repressão, o sucateamento dos serviços públicos, contra os podres poderes que roubam enquanto o povo passa penúrias. Sua rejeição aos partidos no geral foi progressiva, pois visualizaram o afastamento da sua realidade quotidiana, a traição e/ou o aparelhamento da absoluta maioria dos partidos que pretenderam se apropriar de sua justíssima revolta.
Logicamente que no meio desses milhões abriu-se uma disputa entre setores da direita e da esquerda que buscaram e pretenderam capitalizar esse colossal movimento! Mas, do que se tratava não era de agitar ou não bandeiras de pano, mas de apoiar e fortalecer as bandeiras de luta exigidas, ajudar a dar continuidade e formas organizativas para que essa espontaneidade se transformasse em luta consciente contra o governo e o regime, de fato em luta anticapitalista.
Não podemos esquecer que Junho é parte de um processo que não fechou e que se iniciou em Jirau e Santo Antônio, com as revoltas anti patronais e anti burocráticas de milhares de operários da construção civil pelo salário e condições de trabalho. Onda de greves repetidas por diversas categorias e que teve sua máxima expressão na dos Garis do RJ em março de 2014, quando em meio ao carnaval paralisaram suas atividades enfrentando Paes e a burocracia do seu sindicato, obrigando finalmente o governo a reconhecer a comissão eleita pela base e a negociar o aumento.
Onda conservadora significa giro à direita do movimento de massas
Isto é o que defendem a maioria dos governistas e seu séquito de esquerda. Ou seja, no período que o movimento de massas mais vem lutando nos últimos anos, em momentos que a crise econômica se manifesta no país com força, em momentos em que fica a nu o verdadeiro caráter do governo e avança a ruptura com o PT, e a juventude se rebela, os trabalhadores passam por cima dos burocratas sindicais e o povo cansando de tanta mentira busca castigar o governo da forma que pode nas urnas… a conclusão que tiram estes setores é que o movimento gira à direita fortalecendo setores fascistóides!
Agora com o triunfo de Dilma no segundo turno, significa que as massas voltaram para à esquerda e a onda conservadora foi derrotada? Essa deveria ser a conclusão de todos os que defendem esta tese. Do contrário como explicam? Tanto os processos de lutas que vivemos quanto os números do resultado eleitoral indicam, do nosso ponto de vista, outro fenômeno.
A relação eleições e luta de classes
Não podemos esquecer que as eleições burguesas sempre expressam de forma distorcida a real relação entre as classes. As eleições são dominadas pelas maquinas eleitorais azeitadas pelo poder econômico, pelos marqueteiros, pela mídia a seu serviço, se trata, enfim, de uma luta no terreno da burguesia. Por esse motivo não se pode colocar um signo igual entre uma votação e a situação e as perspectivas da luta de classes. Mas, inclusive neste próprio terreno, Junho conseguiu se expressar na eleição do PSOL e da Luciana. Outros exemplos foram a renúncia de Cabral na disputa ao Senado e seu sumiço da campanha de Pezão, a derrota dos Sarney no MA ou Helder escondendo o sobrenome Barbalho no Pará! Também nos votos de Marina, de Eduardo Jorge, e também nos de Aécio, pois franjas do movimento de massas, de forma equivocada, procuraram o instrumento que consideravam mais útil para derrotar o PT votando por exemplo nos tucanos.
Se for verdade que há um giro à direita das massas, que abraçam as privatizações, a corrupção, o arrocho e as demissões e todo o programa tucano (mas também petista) devemos concluir que no próximo período não haverá luta. Do nosso ponto de vista, ao contrário, devemos nos preparar para muitos confrontos, pois com Dilma no governo, e ainda se houvesse triunfado Aécio, o que vem por aí é mais crise econômica e ajuste, ao contrário das mentiras propagadas na campanha eleitoral. E o povo sairá à luta como já o está fazendo em inúmeros locais do país.
ALERTAR SOBRE O FANTASMA DA DIREITA É UM ATALHO PARA O ELEITORALISMO
Na plenária do PSOL/RJ o companheiro Milton Temer, defensor da onda conservadora e do voto na Dilma, explicitou que, ao menos nos próximos 70 anos, não haverá nenhuma revolução no Brasil. Agita-se equivocadamente o perigo da “direita” quando não há nenhum golpe militar em curso. Mesmo que existam os velhinhos do clube militar criticando a limitada comissão da verdade, eles sabem que com o PT nenhum torturador será julgado ou punido. O ato para reeditar a "marcha da família e da propriedade privada" foi um fiasco. O pior é que o PP de Bolsonaro – um parlamentar que defende os crimes da ditadura – compõe a base de apoio de Dilma. Fala-se também do avanço do fundamentalismo evangélico, mas esquecem de dizer que Lula e Dilma selaram pactos para garantir uma governabilidade conservadora com a bancada da Universal.
Portanto, concluímos que todas estas análises, sem base real, servem para justificar a política de uma parte dos parlamentares, dirigentes e correntes do PSOL, de que se deve prevalecer a luta institucional na atividade do partido, e nessa luta buscar algum “parceiro”, esquecendo das belas campanhas contra as “alianças espúrias” e apostando nas eleições de 2016 e as que virão, talvez tendo como sócio o PT, que seria o setor progressivo e do “campo” da esquerda.
Sem dúvida existem partidos e parlamentares de direita e também um setor do eleitorado que votou massivamente em figuras claramente conservadoras. Mas, isso é fruto da polarização da luta de classes, onde também a velha direita disputa espaço. Desde que chegou ao poder o lulopetismo fez retroceder a consciência de classe dos trabalhadores para cooptar e degenerar lideranças dos movimentos, para se aliar com o mais podre da política brasileira e para ressuscitar cadáveres da política que ganharam sobrevida graças ao PT. A continuidade do PT no governo não significa nenhum fato progressista, nenhuma ajuda para o avanço dos trabalhadores e da juventude que queremos representar, como também não será com um governo tucano. Por isso é errado procurar atalhos. Nosso caminho é fortalecer e apostar nas lutas quotidianas para derrotar os governos, sejam petistas ou tucanos, e seus planos de ajuste, e nesse caminho postular o PSOL como uma esquerda coerente, que como disse Luciana Genro no primeiro turno, repudia os tucanos, mas não é roda auxiliar do PT.
O PT e os números do seu retrocesso eleitoral
No primeiro turno Dilma obteve cerca de 43 milhões de votos, perdendo 4,383 milhões. Aécio obteve 34 milhões, crescendo 1,764 milhão. Marina conquistou 22 milhões de votos ganhando 2,540 milhões, ou seja, o PSDB e Marina cresceram com a perda de votos do PT. A maior parte do eleitorado votou contra o PT e na ausência de uma alternativa utilizou o que achou mais conveniente.
O PT perdeu em bastiões operários importantes: No ABC, São Bernardo, Santo André e São Caetano e em Mauá, Osasco e Guarulhos, além de Campinas. Em São Jose dos Campos e Taubaté, Dilma ficou em 3ª, atrás de Aécio e Marina, resultado que se repete em vários municípios do Vale do Paraíba. Dilma também foi derrotada nas concentrações operárias de Minas, em Belo Horizonte e Contagem, mesmo tendo vencido no estado, e derrotada na concentração metalúrgica de São José dos Pinhais no Paraná ou em Volta Redonda no Rio de Janeiro. Não por acaso a bancada dos burocratas sindicais perdeu peso, indo de 83 para 47 deputados! Do ponto de vista do Congresso Nacional o PT reduziu sua bancada, a do PMDB e dos partidos da coligação de Dilma. Numericamente eles passam de 339 para 304, perdendo 35 cadeiras.
Teve uma derrota histórica na sua chapa de deputados federais, perdendo 18 parlamentares. Perdeu no Senado em São Paulo e Rio Grande do Sul (Suplicy e Olívio), derrotado no DF, e derrotados seus governadores como Tarso Genro no RS ou Lindberg no RJ.
Nos locais onde as jornadas de junho foram maiores o PT sofreu mais. No estado do Rio de Janeiro Dilma cai 8,14%, mesmo se mantendo em primeiro lugar, já na cidade do Rio de Janeiro o PT despenca para o terceiro (perde 13,55%). Em São Paulo Dilma cai 11.49% e na Capital perde 12.06%. Em Porto Alegre, Aécio, Dilma e Marina perderam votos e o PSOL deu um salto com Luciana fazendo 6,52%, crescendo nulos/brancos e abstenção. Além do voto de protesto temos que considerar que o processo de degeneração do PT produziu uma mudança da base social desse partido, perdendo amplos setores organizados da classe trabalhadora e da juventude, avançando nos setores mais desorganizados e carentes do povo.
No 1º turno cresceu o número de eleitores aptos em cerca de 7 milhões, mas os votos válidos cresceram 2 milhões apenas. A dinâmica de crescimento da abstenção, votos brancos e nulos é lenta, mas inexorável desde 2006. Em números absolutos foram 38 milhões 797 mil pessoas que não escolheram nenhum candidato. Esse dado indica que são a segunda "força política" nacional. Um processo que reflete ceticismo com a degeneração do PT e de Lula, ruptura com o conjunto dos partidos, desencanto, despolitização e falta de vontade de participar. Sem dúvida, grande parte deles, que não se sente representada por nada, esteve nas jornadas de junho e nas greves de maio e refletem essencialmente um fenômeno progressivo.