40 anos depois do Golpe: O fim da “via pacifica ao socialismo”
Introdução ao livro de mesmo nome publicado na Argentina por Izquierda Socialista (UIT-QI). | La Clase, tradução Eduardo Rodrigues
Por: Abelardo Pardales
Em 11 de setembro de 1973 triunfava o golpe de estado que deram as forças armadas chilenas contra o governo da Unidade Popular (UP), liderado por Salvador Allende. Passadas várias décadas, segue sendo ainda válido perguntar-se: era possível vencer contra Pinochet? Poderiam os trabalhadores ter tomado o poder? A leitura dos artigos reunidos no livro que apresentamos, escritos entre 1970 e 1973, permitiria dar uma resposta afirmativa. Pinochet triunfou, mas poderia ter sido diferente. O processo histórico não está fatalmente determinado, como se estivesse seguindo um roteiro. Pelo contrário, depende da combinação das lutas e organizações e direções que se desenvolvem em defesa dos interesses das diferentes classes em luta. As variações nesta complexa combinação produzem resultados completamente diversos. Ver o que faltou ou esteve debilmente desenvolvido é a obrigação que temos os revolucionários de aprender com as experiências vividas – vitoriosas ou derrotadas -, e fazer com que as revoluções triunfem, em um período em que o mundo está cheio delas.
O Partido Socialista (PS) e o Partido Comunista (PC) dizem que não se poderia derrotar Pinochet
Socialistas e Comunistas foram os principais partidos operários com base operária e popular que integravam ao governo da UP. Eles tem dado uma resposta negativa a essas perguntas.
O PS tem um balanço claro: o governo da UP fracassou porque foi muito rápido. Se tivesse ido mais devagar, não assustando a burguesia, educando-a sobre os benefícios do socialismo como um sistema mais racional, então as coisas poderiam ter sido de outra forma. O argumento é uma justificativa para ocultar a responsabilidade que teve o PS no triunfo do golpe. Toda a reacionária renovação deste partido, que culminou com a “transição” pactuada com a Democracia Cristina e o próprio Pinochet, se justificou sob este verdadeiro mea culpa. E tão fiéis foram ao preceito de não ir tão rápido que no período pós-Pinochet, os governos socialistas de Lagos e Bachelet tem sido os mais pró-imperialista da história do Chile, totalmente à serviço dos lucros dos conglomerados econômicos.
Para o PC em vez disso, não foi possível derrotar o golpe por causa da “traição das Forças Armadas” ao governo de Salvador Allende. Falar de “traição” é imprescindível para sustentar a farsa de que houvera nas instituições armadas uma conduta oposta, ou seja, a lealdade ao governo da UP, as chamadas Forças Armadas “patrióticas”. E assim, durante todo o período da Unidade Popular este partido se dedicou sistematicamente a incutir a ideia contrarrevolucionária de que as forças armadas eram patriotas, ou pelo menos neutras, e que elas estariam ali se a direita ou o fascismo atacassem. Não está descartado que em um processo revolucionário conjunturalmente hajam divisões e que até mesmo algum general possa cumprir pontualmente algum papel em favor da revolução. Mas é um erro fatal confundir essa possibilidade excepcional e passageira com a definição marxista das forças armadas burguesas. Como disseram Engels e Lenin, sua razão de existir é a defesa da classe burguesa dominante e seu estado.
Em junho de 1973, o general Carlos Prats cumpriu um papel importante na derrota do “Tanquetazo”, a primeira tentativa de golpe de estado. Após ele evitar esta ação golpista, o PC lançou em seu jornal El Siglo “Forças Armadas, puro povo”. Assim, o PC reforçou falsas expectativas nas alegadas “Forças Armadas patrióticas” que levaria a Unidade Popular à derrota. O próprio general Prats, que agora encontra-se na imensa lista de vítimas da repressão, reafirmou o seu caráter solidário à ordem burguesa, já que não fez nada quando começaram as ações diretas que prepararam o golpe. Quando foram detidos e torturados os marinheiros de Valparaiso, que denunciaram estas preparações. Confrontado com a iminência do golpe antes preferiu dar um passo ao lado, do que combatê-lo. Na véspera do triunfo de Pinochet o PC acusava de “traidores” aqueles que denunciavam a detenção dos marinheiros e o golpe que estava por vir. E isso foi crucial para o resultado do golpe de Pinochet, como veremos adiante.
O Poder dos trabalhadores
Mas se o tema da política quanto às Forças Armadas foi tão crucial deve-se a que a luta entre a burguesia e o imperialismo, por uma parte, e os trabalhadores e o povo, por outra, se fazia cada vez mais aguda. Por fora do governo da UP começou a surgir um crescente poder operário, nos chamados Cordões Industriais, que se unificavam não por ramos de produção, mas territorialmente. Esta organização alternativa da classe trabalhadora deu um salto e se generalizou diante do bloqueio patronal de outubro de 1972. Em essência foi a resposta exitosa à “greve da burguesia”. Diante do perigo que significava esta bloqueio à UP, as massas deflagraram toda sua energia revolucionária, fazendo por sua própria conta funcionar a sociedade. Na vanguarda desta iniciativa estiveram os trabalhadores dos cordões, que generalizaram sua organização aos centros industriais mais importantes do país. Emergiram como o verdadeiro poder dos trabalhadores, dirigiram as fábricas expropriadas para evitar o boicote econômico e a sabotagem, mantiveram a produção e a distribuição. Em coordenação com as distintas fábricas, compartilharam o transporte, trocaram matérias-primas, combustíveis, etc. Em suma, surgiram como os organismos que centralizavam e dirigiam a luta. Assim foram vistos por moradores e camponeses que recorriam a eles em busca de orientação. Os Corões Industriais demonstraram na prática não só que desempenharam um papel central na derrota do bloqueio patronal, mas também que eram capazes de colocar em funcionamento a produção e sua distribuição sem a tutela patronal. Comprovaram desta maneira que a burguesia não era necessária no processo produtivo e que constituía só uma classe parasitária
Sem dúvida, este poder dos trabalhadores onde estava a chave do triunfo da revolução chilena, foi boicotado e combatido pelo Governo da UP e especialmente pelos ministros comunistas que constituíam sua ala direita. Foi assim como Orlando Millas, ministro de economia, e Mireya Baltra, ministra do trabalho, insistiram para conseguir que as fábricas fossem devolvidas aos seus antigos donos. Por sua parte a CUT, transformada de fato em parte do governo e dirigida pelo comunista Figueroa, quis submeter os cordões industriais a suas diretivas burocráticas. O PS nunca os apoiou como partido, se bem a título individual, heroicos militantes cumpriram trabalhos de direção nos cordões, mas em conflito com as diretivas de seu partido. Da parte do MIR, não se deu importância a este fenômeno por sua concepção popular e não operária da revolução, pela qual apostavam em trabalhar sobre os camponeses e povoados como seu lugar preferencial. Em suma, a maioria das forças de esquerda não colocaram no centro de sua política o apoio aos cordões industriais e seu desenvolvimento.
O Enfrentamento Armado
A burguesia estava cada vez mais alarmada, pois via que as massas haviam derrotado o bloqueio patronal, que surgia um poderoso poder operário nos Cordões Industriais, que expropriava as industriais e as fazia funcionar. O governo da UP, que o imperialismo e a burguesia haviam tolerado para ganhar tempo, conter e desviar as lutas, estava sendo transbordado pelas demandas cada vez mais radicais dos trabalhadores e do povo. Todos estes elementos combinados produziu na burguesia uma mudança radical no ano de 1973: sem renunciar a travar o funcionamento do governo desde a Justiça e especialmente desde o Parlamento, se lançou de cheio à preparação do golpe de estado. Para isso contou com a condução e financiamento do imperialismo norte americano que, através da CIA, de seus diplomatas, as multinacionais e altos funcionários do próprio governo ianque, lhe deu seu pleno apoio. Todos recordarão o famoso “Comitê dos 40”, dirigido pessoalmente por Henry Kissinger, que levou a cabo o plano concreto para assessorar as forças armadas na derrubada de Allende.
Sem dúvida, paralelamente a esta realidade, que se fez cada vez mais evidente, surgiram dentro das próprias forças armadas, desde baixo e espontaneamente, sem que nenhum partido o propusesse, numerosos grupos de suboficiais e soldados que se organizavam e denunciavam aos oficiais golpistas. Foi um crime político que ninguém tomara essas denuncias como ponto de partida para organizar os soldados e os suboficiais contra o golpe com a clássica política leninista de levar a luta de classes ao seio das forças armadas para dividi-las, para quebrar a verticalidade do comando, para destruir a conspiração, e para organizarem-se e unirem-se aos cordões industriais.
Allende, o PC e o PS, fizeram tudo ao contrário. Ante as numerosas denúncias que realizavam suboficiais e soldados sobre os golpistas, Allende as subestimava, o que levou a que a oficialidade se encarregasse dos denunciantes. O PC, como já vimos, seguia proclamando aos quatro ventos que as forças armadas eram “patrióticas” e que defendiam o governo de Allende, enquanto os preparativos do golpe se faziam mais palpáveis. O PS, por sua vez, trazia ao palco o verborrágico esquerdista Carlos Altamirano para dizer que se havia que realizar a ditadura do proletariado, que havia que superar o parlamentarismo burguês, que havia que tomar o poder, etc, no entanto, não dizia concretamente como fazê-lo e terminava apoiando Allende, que seguia na direção oposta. O MIR teve em alguns momentos consignas corretas como “soldado denuncie o oficial golpista”, mas que não tinham consequências organizativas práticas pois as suas se davam em uma orientação conspirativa distante do verdadeiro poder centralizador que surgia nos Cordões Industriais.
Este foi um grande crime político, que impediu o triunfo da revolução chilena, já que as direções majoritárias não se apoiaram nessa divisão horizontal que se dava massiçamente nas Forças Armadas, não a aproveitaram para derrotar os golpistas. A simples orientação de organizar aos soldados quando saíam gratuitamente a apoiá-los e organizá-los em sua luta no interior das forças armadas, teria criado à alta oficialidade dificuldades insuperáveis para levar a cabo seu plano. Se aproveitassem esta oportunidade, tendo a política correta para dividir as forças repressivas e para mobilizar e armar os trabalhadores, o golpe não teria triunfado.
Faltou uma política revolucionária de independência de classe
Então a conclusão é clara: se podia derrotar a Pinochet, e estaria colocada a luta pela tomada do poder e avanço na revolução socialista. O golpe triunfou porque Allende, o PC e o PS durante anos destilaram o veneno da conciliação de classes e a confiança nas forças repressivas burguesas, própria de todos os reformistas, sejam comunistas stalinistas ou socialdemocratas. Eles disseram aos trabalhadores e ao povo chileno que avançariam até o socialismo pactuando com a burguesia progressista que tinha contradições com o imperialismo ou de mãos com as forças armadas patrióticas e neutras. Estes partidos se dedicaram a molhar a pólvora, ao tirar o pavio revolucionário das massas, que demonstraram uma e outra vez, especialmente desde seus Cordões Industriais, a força e a organização necessária para fazer a revolução socialista. Faltou uma política de independência de classe e a busca clara de avançar até a conquista do poder, como fez na experiência vitoriosa de 1917 o partido bolchevique, com Lenin e Trotsky na Revolução Russa.
Recorrendo aos artigos deste livro, o leitor encontrará as caracterizações e propostas políticas que foram desenvolvendo a corrente trotskista que encabeçava Nahuel Moreno, e que se foi expressando em suas publicações de então.
O PRT-A Verdade e o PST, sendo consequentemente internacionalistas, iam seguindo os processos revolucionários de Bolívia, Uruguai, Argentina e Chile, ao calor da situação revolucionária aberta em todo o mundo desde 1968 com o maio francês. Polemizavam com a maioria das forças de esquerda latino americana, que defendiam a política equivocada defendida pelos partidos comunistas encabeçados por Fidel Castro, de apoiar aos distintos governos burguesas nacionalistas, em lugar de desenvolver a mobilização independente das massas por seu próprio poder.
O “Socialismo do Século XXI” não é uma política revolucionária
Passadas várias décadas, o “Socialismo do Século XXI” de Hugo Chávez ou o “Socialismo Andino” de Evo Morales, assessorados por Fidel Casto, reeditam a fracassada e trágica experiência da Unidade Popular chilena na utópica e reacionária política de que é possível conseguir um progresso para os povos, e, inclusive, o “socialismo”, convivendo com o imperialismo, com uma economia mista capitalista com as multinacionais estrangeiras, e com setores das burguesias “nacionais” ou “progressivas”.
Na Venezuela longe de se avançar ao socialismo, o que fez o presidente Chávez durante mais de uma década de governo, e agora seu assessor Maduro, é manter salários miseráveis, desabastecimento, violar e desvalidar os contratos coletivos, enfraquecer a autonomia das organizações sindicais, criminalizar os protestos, levar as empresas estatais a um verdadeiro desastre, e entregar a indústria petroleira às transnacionais através das empresas mistas. No caso boliviano, as frequentes paralisações, greves e mobilizações por pensões e salários dignos ou dos indígenas do Tipnis pela integridade de seu território, tem demonstrado que Evo Morales, longe de governar para seu povo, o faz para as multinacionais que dominam os grandes negócios de gás e de petróleo. As penúrias que seguem sofrendo esses povos em seu suposto avanço ao “socialismo” demonstram mais uma vez que para conseguir um progresso duradouro, um autêntico bem estar para as maiorias populares e de trabalhadores, não há outro caminho senão romper com a burguesia e o imperialismo, expropriar as grandes empresas exploradoras, e reorganizar o conjunto da economia, para que passe a ser dirigida democraticamente pelos trabalhadores. Os governos do suposto “socialismo do século XXI” não só mantém a exploração capitalista-imperialista, como também, com uma linguagem de esquerda, são o maior obstáculo para que as massas tomem o caminho da revolução e conquistem autênticos governos dos trabalhadores, camponeses e do povo.
O mundo segue mostrando processos revolucionários por todos os lados, incendiados pela contínua crise do sistema capitalista e os ascensos de massas. Em um momento, é América Latina, em outro a queda das ditaduras dos países árabes, ou as greves e mobilizações dos trabalhadores europeus. Depois que foi derrubado pelas mobilizações de massas o aparato ditatorial e burocrático dos partidos comunistas, na ex-URSS e o leste europeu, surgem novas organizações. Se abrem novas oportunidades para avançar nas lutas e para retomar o caminho até a construção de partidos revolucionários que retomem a tradição e a política de um autêntico socialismo, e que vá conquistando os triunfos que permitam a derrota definitiva do capitalismo imperialista em todo o planeta. O socialismo será com democracia e mundial ou não será.