É NULA a Reforma da Previdência de Lula

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Por Maria Lucia Fattorelli1

No início de seu governo Lula assinou Carta de Intenção com o Fundo Monetário Internacional – FMI2, comprometendo-se a encaminhar ao Congresso Nacional, entre outros projetos, a Reforma da Previdência.

O teor da reforma seguia os mesmos moldes exigidos pelo FMI há muitos anos, conforme já havia sido tentado por FHC por meio do PL-9/99, rejeitado à época devido à oposição então exercida pelo PT.

Ampla cobertura de mídia registrou a atitude de Lula, que não deixou a menor dúvida quanto ao seu empenho em obedecer ao FMI quando solenemente subiu a rampa do Congresso e entregou ao Legislativo a proposta de Emenda Constitucional nº 40, cujos principais objetivos eram:

• Privatizar a Previdência do setor público;
• Transformar o Regime de Solidariedade para um Regime de Financeirização sujeito a regras de mercado;
• Instituir imposto para os inativos – aposentados e pensionistas – sob a roupagem de “Contribuição”;
• Estabelecer idade mínima para aposentadoria;
• Reduzir o valor das pensões;
• Quebrar a paridade e a integralidade.

A fim de convencer a opinião pública sobre a necessidade de tal reforma, Lula e seus ministros lançaram mão de falsos argumentos, reiteradamente repetidos também pela grande mídia. Alardearam verdadeiro terrorismo acerca de “insustentável déficit” que estaria comprometendo as contas públicas, a capacidade de investimento, a geração de empregos e a solução de problemas sociais em nosso país. Paralelamente, a campanha cuidou de desmoralizar servidores públicos, acusados de “privilegiados” e maiores responsáveis pelo falacioso “déficit”.

Apesar da comprovação da inconsistência de tais argumentos e dos diversos indícios de inconstitucionalidade de várias medidas embutidas na PEC 40, a reforma acabou sendo aprovada, promovendo extensa retirada de direitos dos trabalhadores do setor público, além de criar mecanismos que prejudicam toda a sociedade, isto é: a privatização da previdência do setor público mediante a criação de Fundo de Pensão de natureza privada – FUNPRESP; uma das mais nefastas criaturas dessa reforma. Além de custar mais ao país3, pois o Tesouro terá que pagar aos bancos a sua parcela de contribuição, além de taxas de administração e diversos outros encargos, o Funpresp poderá se transformar em veículo de transferência da crise financeira internacional para o Brasil, inclusive para os estados e municípios4

DECORRIDOS 9 ANOS da aprovação da PEC 40, assistimos ao julgamento do “Mensalão” pelo Supremo Tribunal Federal, restando cabalmente comprovada a ocorrência de fraude caracterizada pela compra de votos para a aprovação da PEC 40, o que torna aquele processo legislativo nulo.
Esse foi o entendimento do MM. Juiz Geraldo Claret de Arantes, da 1ª Vara da Fazenda de Belo Horizonte, em sentença proferida em 03.10.2012, quando determinou o reestabelecimento do valor integral da pensão da viúva de um servidor público morto em 2004, tendo em vista que o valor havia sido significativamente reduzido com a Reforma da Previdência de 2003, que foi aprovada por meio da compra de votos de parlamentares, no esquema denominado como “Mensalão”, conforme comprovou o Supremo Tribunal Federal.

Esse precedente é muito importante, pois comprova a construção de entendimento no âmbito do Judiciário acerca da nulidade do processo legislativo contaminado por fraude.

Outro fato recente relevante foi a ação impetrada por entidades representativas de magistrados – AMB e ANAMATRA – junto ao STF, na qual defendem a tese de "vício de inconstitucionalidade formal" na aprovação da proposta porque, conforme mostrou o julgamento do Mensalão pelo próprio STF, houve a compra de apoio político "perpetrado por integrantes do Poder Executivo em face de membros do Poder Legislativo”. "Tornou-se público e notório, a partir do julgamento da ação penal 470, realizado por esse egrégio Supremo Tribunal Federal, que o processo legislativo da PEC 40/2003 que resultou na promulgação da EC 41/2003, decorreu de ato criminoso (corrupção) perpetrado por integrantes do Poder Executivo em face de membros do Poder Legislativo, sem o qual não teria sido possível aprovar a Reforma da Previdência número 2", afirmou o advogado Alberto Pavie Ribeiro, na ação.

Por meio dessa importante ação, as associações dos magistrados pedem a concessão de liminar para suspender os efeitos da Emenda Constitucional 41/2003 e, no mérito, a anulação da reforma da previdência. A medida, por tabela, barraria a entrada em vigor do Funpresp.

É preciso divulgar amplamente essas iniciativas para o reconhecimento da nulidade da Reforma da Previdência de Lula, pois alguns magistrados estão se manifestando de forma diferente, afirmando que seria necessário provar que teria havido compra de votos em número suficiente para que a PEC-40 não fosse aprovada. Cabe ressaltar o equívoco dessas opiniões, na medida em que estão aplicando dois critérios distintos e conflitantes à situação em exame, senão vejamos:

– Quando ocorre uma votação normal, regular, o critério para proclamar se o objeto da votação foi ou não aprovado é sem dúvida a contagem dos votos favoráveis ou contrários;
– Quando se comprova documentalmente – inclusive por decisão transitada em julgado no STF – que aquela votação se deu em ambiente doloso, permeado por comprovada compra de votos de distintos partidos, estamos lidando com processo fraudulento que é nulo como um todo, não cabendo aplicar o critério de contagem de votos a essa situação.

No caso em questão, o voto do Ministro Relator Joaquim Barbosa (que foi acompanhado pela maioria dos Ministros do STF) mostrou que o “Mensalão” corrompeu líderes de partidos, que por sua vez orientaram a votação de dezenas de parlamentares de suas respectivas agremiações. Dessa forma, eventual “contagem de votos nulos” necessariamente deve levar em conta todos os votos dos partidos corrompidos.

Assim, ainda que adotado o critério de "número de votos", o resultado seria a anulação da reforma da previdência. A anulação dos votos do Partido Trabalhista Brasileiro (então presidido por Roberto Jefferson), e do extinto Partido Liberal (então presidido por Valdemar Costa Neto), já seria suficiente para aferir que a reforma não teria sido aprovada sem a compra de votos. Juntos, os dois partidos deram 82 votos favoráveis à aprovação da reforma. Sem estes, o resultado da votação seria de 275 votos favoráveis e 123 contrários, não sendo atingido o quórum necessário (equivalente a dois terços, ou 342 votos) para a aprovação da emenda pela Câmara dos Deputados. Se considerados os demais partidos envolvidos no Mensalão (PP, PMDB, PT) ficará evidente que a aprovação dessa contra-reforma na Câmara só se deu em razão da fraudulenta compra de votos, o que torna NULO e viciado aquele processo legislativo.

Nesse sentido, é fundamental avançar na construção de estratégias tanto em âmbito judicial, mas também em âmbito legislativo e político, pois aquela votação é nula e não pode continuar vigorando e gerando nefastos efeitos.

Alguns “especialistas” no tema estão dizendo que seria “impraticável”anular hoje a reforma da Previdência, sem contudo, precisar em que aspecto residiria tal impossibilidade, e sem ao menos assumir que essa anulação frustraria apenas interesses do mercado financeiro privado e daqueles que compraram os votos. Na realidade, “impraticável” é conviver com os efeitos de atos resultantes de processo legislativo comprovadamente nulo.

Além da nulidade da votação, o conteúdo da reforma aprovada leva ao enfraquecimento do Estado brasileiro ao mesmo tempo em que favorece ao setor financeiro privado, e contém uma série de inconsistências e até mesmo ofensas à Constituição brasileira, tais como:

– A cobrança de “contribuição” dos inativos é flagrantemente inconstitucional, sendo importante recordar que ao julgar a ADIN apresentada por uma série de entidades de servidores, o STF se baseou em argumentos de caráter meramente econômico, pois se fosse considerar os argumentos jurídicos e constitucionais, não poderia manter tal cobrança.
– A criação do FUNPRESP também é altamente questionável, conforme argumentos seguintes, que incluímos em Carta Aberta apresentada à presidenta Dilma Rousseff, quando solicitamos o veto ao texto aprovado no Congresso:

1. O projeto aprovado apresenta diversos vícios de inconstitucionalidade e antijuridicidade (segundo Voto em Separado do Senador Pedro Taques):

a. Utilizou instrumento inadequado (lei ordinária, quando há necessidade de lei complementar específica para regulamentar a previdência complementar pública;
b. Inconstitucionalidade de conceder “natureza privada” ao ente responsável pela previdência complementar pública;
c. Inconstitucionalidade de atribuir à PREVIC a deliberação sobre a extinção da entidade de previdência complementar pública.

2. O projeto aprovado na Câmara e Senado não respeitou a necessária revisão jurídica, pois além de carecer de elementos essenciais exigidos pelo ordenamento jurídico pátrio para uma proposição desta natureza, passou com graves omissões que o tornam peça obscura e temerária, pois remete para futura regulamentação: o patamar da contribuição que se sabe “DEFINIDA”; forma de cálculo, concessão, pagamento e todas as regras relacionadas aos benefícios; restrições, entre outros – ou seja, foi aprovado um cheque em branco para os bancos, colocando em risco a velhice dos servidores públicos brasileiros.

3. O projeto aprovado na Câmara e Senado não respeitou o processo democrático, pois não houve o necessário debate, tendo percorrido a galope, especialmente no Senado, passando pela Comissão de Assuntos Sociais, Comissão de Constituição e Justiça e Comissão de Assuntos Econômicos como um relâmpago, ignorando argumentos sólidos apresentados por diversos senadores minoritários, e sendo aprovado por “votação simbólica” em uma mesma tarde.

4. O projeto aprovado na Câmara e Senado não respeitou a necessária RESPONSABILIDADE FISCAL, pois significará aumento de despesas efetivas para a União (fato reconhecido inclusive por autoridades governamentais) sem a sua estimativa e compensação. Nota técnica da Consultoria de Orçamento e Fiscalização Financeira da Câmara dos Deputados concluiu com argumentos contundentes pela inadequação financeira do projeto, ferindo as normas gerais de finanças públicas, inclusive a Lei de Responsabilidade Fiscal. Adicionalmente, o projeto não quantifica gastos imprevisíveis da FUNPRESP, com Taxa de Administração e Contratação de Auditoria Externa, Empresas especializadas em estudos atuariais, Assessoria ou Consultoria Técnica e Financeira, Garantidores das reservas técnicas, custódia de títulos e valores mobiliários, Serviços de análise de concessão de benefícios, folha de pagamentos, avaliação atuarial, cadastro social e financeiro dos segurados e beneficiários, além de outros serviços necessários para gestão do regime ou dos recursos. A que preço? O projeto não impõe sequer limites ou regras para tais gastos.

5. O projeto só interessa aos bancos e ao setor financeiro nacional e internacional –o mesmo setor que tem especulado com os títulos da dívida brasileira (dealers), que exigem os maiores juros do mundo. Apesar da Selic de 7,25%, o custo médio da dívida pública federal se encontra em cerca de 11% ao ano, o que está trazendo tsunamis de moeda estrangeira para trocar por títulos da dívida nas operações de mercado aberto realizadas pelo Banco Central, entre outras operações desinteressantes para a Nação, mas que lhes garante os maiores lucros de todos os tempos no País.

6. O projeto padece de motivação e justificativa, tendo em vista que o RPPS tem sido perfeitamente sustentável, apesar da redução do número de contratações e apesar de históricos desvios de recursos dos servidores para diversos fins, quando o número de aposentados do setor público era reduzido e as contribuições se acumulavam. O falacioso déficit decorre principalmente de benefícios pagos a militares que sequer serão atingidos pelo Funpresp.

7. O projeto enfraquecerá o serviço público e dividirá a categoria dos servidores públicos. Não temos dúvida alguma de que representará danos para todos – inclusive para todos os atuais servidores da ativa e os já aposentados.Por tudo isso, o reconhecimento da nulidade da Reforma da Previdência de Lula é urgente e necessário.

A fim de apoiar as diversas campanhas iniciadas por categorias representativas de servidores e ampliar para toda a sociedade a possibilidade de participação na campanha pelo reconhecimento da nulidade da EC-41/2003, a Auditoria Cidadã da Dívida está propondo abaixo-assinado aberto à participação de todas as pessoas, com o objetivo de reivindicar o restabelecimento dos direitos fraudulentamente retirados dos servidores públicos, bem como interromper a transferência dos papéis podres que provocaram a crise financeira nos Estados Unidos e Europa para o Brasil por meio do Funpresp.

Segundo David Harvey, “O capital nunca resolve seus problemas, apenas muda de lugar”.
Vamos barrar a transferência dos papéis podres para o Brasil e reparar os danos causados pela contra-reforma de Lula.

Acesse www.auditoriacidada.org.br e assine o ABAIXO ASSINADO pelo reconhecimento da nulidade da EC-41/2003.

NOTAS:

1 Coordenadora da Auditoria Cidadã da Dívida: www.auditoriacidada.org.br
2 Carta de Intenção de 28 de fevereiro de 2003:
http://www.fazenda.gov.br/portugues/fmi/cartafmi_030317.asp
3 A exposição de motivos apresentada pelo próprio governo admitiu que o Funpresp causará prejuízo às contas públicas, o que não afetará somente aos servidores, mas a todos os cidadãos: Isoladamente, a mudança de regime terá um impacto negativo nas contas públicas no curto prazo, na medida em que o governo deixará de receber a contribuição sobre a parcela da remuneração do servidor entrante que ultrapassar o teto, e terá um gasto adicional, na medida em que passará a contribuir para o regime complementar, capitalizando reservas individuais para os servidores.”
4Ver Caderno de Estudos “A Dívida Pública em Debate: saiba o que ela tem a ver com a sua vida”, páginas 54 e 55. Disponível em www.inoveeditora.com.br