Declaração sobre a Europa diante da crise e da greve geral de 14N
| UIT-QI – Tradução Priscila Guedes
1- A crise do capitalismo mundial se concentra especialmente na Europa. A ameaça de quebra dos estados sob o peso da dívida acumulada, os planos de austeridade contra os trabalhadores e a resistência dos/as trabalhadores/as contra essas medidas terão consequências decisivas no próximo período.
2 – A crise, longe de estar a caminho de se resolver, se agrava numa espiral vertiginosa. Se na primeira etapa 2007-2008 se expressou como quebra do sistema financeiro, hoje se transformou na ameaça de quebra dos estados. Enormes somas de dinheiro público foram entregues aos bancos, um dinheiro que hoje se pretende que seja pago pelos/as trabalhadores/as por meio de políticas de austeridade, com o corte de gasto público e demissões massivas no setor público. Essas medidas, por sua vez mergulham a economia na recessão ao aumentar o desemprego e reduzir ainda mais o consumo.
3 – As consequências para os trabalhadores são graves: na UE (União Europeia) há 25 milhões de desempregados/as, 11% da população trabalhadora. Na Grécia e Espanha essa cifra já alcança 25% e atinge quase metade da juventude. Há uma queda de salários e pensões, aumento generalizado da jornada de trabalho, corte nos serviços públicos essenciais como saúde e educação. Milhares de famílias trabalhadoras são expulsas de suas casas, cresce a pobreza, os suicídios e retiram-se direitos trabalhistas que foram conquistados com décadas de luta operária. Esta situação é especialmente dura para o trabalhador imigrante contra quem se endurecem as leis de “imigração” que criminalizam seu mais elementar direito a buscar trabalho, e contra quem se desenvolvem políticas xenófobas para provocar a divisão e enfrentamento entre a classe trabalhadora.
4 – Três países estão sob planos de “resgate” com a intervenção direta da chamada Troika (UE, BCE, FMI): Grécia, Irlanda e Portugal. Em troca de receber uma quantidade de dinheiro para evitar a quebra, os estados estão obrigados a aplicar duríssimos ataques aos trabalhadores. Longe de aliviar a situação, os planos de resgate têm efeitos demolidores para a economia e não só não reduzem, mas aumentam a dívida pública. O estado espanhol está perto do resgate, com um plano de novas ajudas ao setor bancário. O objetivo destes planos não é melhorar a situação do país senão evitar o não pagamento dos empréstimos aos bancos credores, especialmente alemães e franceses.
5 – Diante do temor da reação popular, setores da burguesia começam a falar que tem que combinar a austeridade com políticas de crescimento da atividade produtiva. O porta-voz dessa posição é o presidente social-democrata francês F. Hollande, que discutira a política rigorosa de redução do déficit da presidente alemã A. Merkel. Na realidade discutem ritmos e prazos, mas as políticas são duas caras da mesma moeda, a que quer jogar o peso da crise aos trabalhadores. O próprio Hollande acaba de apresentar um plano de cortes.
6 – A dívida pública, como já ocorreu na América Latina nos anos 90, não para de crescer e não só é injusta como também impagável. Há quem responda que tem que analisar a composição da dívida pública, com auditorias, tentando determinar que parte da dívida foi para pagar salários e serviços públicos, a chamada dívida legítima, da outra parte que se destinou às ajudas aos bancos ou a pagar políticas que não estão à serviço das classes populares, que seria a dívida ilegítima. Mas essa orientação até a auditoria e a discriminação entre dívida legítima e ilegítima paralisa o movimento contra a dívida e não leva em conta que o problema da dívida pública se gerou como consequência das políticas neoliberais dos anos 90 que baixaram a carga fiscal a empresas e setores da burguesia, ao que se somam as entregas massivas de dinheiro público já no desenvolvimento da crise. Os trabalhadores não são responsáveis pela dívida pública, por isso exigimos o não pagamento da dívida. Os bancos devem ser nacionalizados sem indenização para coloca-los sob o controle dos trabalhadores, a serviço de um plano de urgência contra o desemprego e a precariedade, que gere emprego público e estável.
7 – A crise atual nos coloca ante um dilema: aceitar a destruição massiva de forças produtivas em todas suas formas (fechamentos massivos de empresas, desemprego, miséria crescente e retrocessos generalizados) que o capitalismo exige para recuperar a taxa de lucro ou a luta para acabar com o capitalismo e construir um sistema econômico sob o controle e a serviço da maioria operária e popular. É preciso expropriar as indústrias estratégicas, é preciso avançar até o socialismo.
8 – A crise tem mostrado a essência do projeto da União Europeia, uma Europa a serviço do capital, particularmente do capital financeiro, em competência com outras potências imperialistas. Hoje é um instrumento para impor em toda Europa uma ofensiva contra os trabalhadores/as sem precedentes. A União Europeia é uma frente de estados claramente hierarquizados. Não há um enfraquecimento dos estados nacionais em vias de construção de um supraestado europeu; ao contrário a cessão de soberania no terreno econômico para melhor coordená-la desde os interesses capitalistas, tem sido combinada com o fortalecimento do estado como forma de dominação de classe, uma tendência ao bonapartismo, um retrocesso nas liberdades democráticas, um aumento da repressão, o retorno de políticas reacionárias contra a mulher com a recuperação do protagonismo de instituições reacionárias como a Igreja Católica. Na política externa há uma crescente intervenção do gendarme norte-americano contra os povos. A União Europeia não exporta democracia, mas imperialismo e opressão. É por isso e pelo fortalecimento dos estados, que neste marco tampouco há lugar para as legítimas e históricas reivindicações dos povos oprimidos dentre os estados europeus à autodeterminação nacional.
9 – Do mesmo modo que o capital financeiro predomina sobre os outros setores capitalistas, Alemanha e França, em menor medida, impõem seus interesses sobre os países periféricos. As diferenças entre estados e condições de vida crescem. A política imposta pelo BCE favorece os movimentos especulativos contra as finanças dos estados mais débeis. As exigências que se impõem em nome de defender o euro supõem uma carga impossível de suportar para os países mais atingidos pela crise. Não há reforma possível da União Europeia favorável aos trabalhadores, é preciso exigir a ruptura. Não fazemos essa denúncia a partir da reivindicação da soberania de cada estado, mas da luta pelo internacionalismo operário, porque queremos uma verdadeira unidade entre os trabalhadores e os povos da Europa, uma unidade baseada em colocar a economia a serviço da classe trabalhadora, uma unidade baseada na igualdade entre povos e nações. Nosso objetivo são estados unidos socialistas da Europa.
10 – A reação dos trabalhadores e setores populares à estes planos da patronal, dos governos e da União Europeia tem sido limitada pela ação da burocracia sindical. O discurso das cúpulas sindicais e particularmente da CES tem sido a passividade, a desmobilização a busca de pactos que vão consolidando o retrocesso dos trabalhadores. Não tem havido uma política sindical para estender e coordenar as lutas de resistência, ao contrário se isolam evitando que possam se desenvolver e escapar dos seu controle. Contudo, e apesar dessas políticas da burocracia, cresce a resistência dos trabalhadores aos planos. Grécia encabeça essa resistência com 19 greves gerais, também têm ocorrido mobilizações gerais em outros países europeus. É urgente o desenvolvimento de correntes de esquerda nos sindicatos e sua coordenação a serviço das lutas.
11 – A juventude tem tido grande protagonismo em mobilizações como os Indignados/15M, refletindo a influência internacional do ascenso revolucionário do Norte da África e Oriente Médio. As exigências de rechaço a toda forma burocrática, unida à mobilização tem se combinado com a dificuldade de organização e continuidade. É necessário orientar esses esforços de milhares de jovens para sua confluência com a luta da classe trabalhadora.
12 – Os planos são coordenados centralmente pelos governos e a troika; a resistência a estes planos deve ser internacional. Este caráter internacionalista cresce na consciência operária. A aprovação pelo parlamento grego do “memorando” é o seguinte passo para a aplicação das medidas. Os sindicatos gregos convocaram duas jornadas de greve geral para os próximos dias 6 e 7 de novembro. A primeira responsabilidade dos sindicatos europeus é converter essa luta dos trabalhadores gregos em uma mobilização de classe trabalhadora europeia. Uma derrota dos planos da troika seria crucial para o futuro de toda luta de resistência operária na Europa e abriria uma crise política profunda na Grécia e no conjunto da UE. Chamamos a manifestar solidariedade com a luta dos trabalhadores/as gregos/as.
13 – É importante a convocatória da jornada de luta em toda a União Europeia com greve de 24 horas em Portugal, Grécia, Chipre, França, Bélgica e Espanha. É a maior convocatória em décadas com essa extensão. É necessário apoiar essa jornada de luta e greve com todos os meios possíveis, exigindo às direções sindicais convocantes que não caia em uma demonstração isolada de força do movimento operário europeu e tenha continuidade em um plano europeu de luta.
14 – Construir uma alternativa não é só um processo sindical, mas essencialmente político. Uma alternativa operária que rompa com o capitalismo a partir do internacionalismo. Hoje nos países mais castigados pela crise, o trabalhador começou a buscar uma alternativa à esquerda da socialdemocracia, especialmente castigada nos últimas eleições, com distintas expressões de voto. Nosso compromisso é contribuir nessa confluência de forças para fazer possível uma Internacional operária revolucionária, para nós é necessário reconstruir a IV Internacional.
Lucha Internacionalista, da Espanha
Frente Obrero, da Turquia.
Unidade Internacional dos Trabalhadores – Quarta Internacional (UIT-QI)
Grupo Socialista Internacionalista (GSI), da França.
Istambul, 4 de Novembro de 2012