O VI Congresso do PC ratificou a restauração capitalista
| Mercedes Petit • mpetit@izquierdasocialista.org.ar
Finalmente, em abril realizou-se o VIº Congresso do Partido Comunista governante em Cuba. Estava sendo adiado há nove anos. Seu resultado foi previsto: ratificou plenamente as medidas de restauração capitalista que estão sendo implantadas já há um tempo. Claro que repetindo uma e mil vezes que dessa forma “se atualiza o socialismo”.
Um aspecto que podemos chamar de novidade do Con¬gresso foi a realização de um gigantesco desfile em homenagem ao grande triunfo que significou o es-magamento da invasão ianque em Praia Girón há 50 anos. Esteve precedido por um desfile militar, em estilo clássico da antiga burocracia do PC da URSS. Eram anos que a burocracia não realiza¬va uma manifestação massiva. Em 1º de janeiro de 2009, foram lembrados os 50 anos da revolução em um pequeno ato em Santiago de Cuba, com ingresso es¬pecial para alguns milhares de hierarcas e funcionários e transmitido pela TV. Tal vez agora a burocracia governante quisesse mostrar um “banho de massas” para impedir comparações com o isola¬mento e derrota das ditaduras do Egito e Tunísia. Da mesma forma que em 1º de Janeiro, não participaram convida¬dos de nenhum governo ou partidos comunistas estrangeiros
Não houve nenhum debate democrático
De acordo com a direção do go¬verno e do PC cubanos, o Congresso foi precedido por meses de suposto debate democrático, “milhões” partici¬param e Raúl repetiu até cansar que “é o povo quem decide”. No fechamento do Congresso, afirmou “tudo foi in¬corporado” anunciando que o texto será “reelaborado”. Os que apóiam o presidente repetem que houve “debate democrático”.
É verdade que foram realizadas milhares de reuniões. Mas as pessoas eram obrigadas a assistir, para receber explicações e “esclarecimentos” sobre o “Projeto de lineamentos da política econômica e social”. Tudo enquanto se repetia sistematicamente a mentira so¬bre a “irreversibilidade do socialismo” e sem que existissem canais de expressão para nenhum debate. Os comentários, as inquietações e o descontentamento circulavam nas ruas, nas casas e em sussurros… Não houve autêntico de¬bate porque o milhão de demissões e a maior parte dos 291 pontos já estavam aprovados na Assembléia Nacional e sendo aplicados, como a legalização das 178 atividades para indivíduos par¬ticulares. Porque nunca foi informado nem discutido o fato de que os principais setores da economia já estão em mãos de empresas mistas com multinacionais estrangeiras (como níquel, turismo, hidrocarbonetos, tele-comunicações, entre outros). Porque as “diretrizes” estão cheias de falsidades e omissões. Um exemplo: desde a in¬trodução tem uma lista de países com “relações comerciais e financeiras” onde se omite mencionar Espanha e Canadá, de longe os principais sócios, ou os EUA com relações econômicas muito superiores as que se têm com Angola ou Argélia. Obviamente não foram dadas informações certas sobre a verdadeira situação do povo líbio, que com lutas e armas enfrenta a ditadura de Kaddafi apoiada por Fidel. Com mentiras e silêncios não existe debate democrático.
Mas a prova mais contundente foi dada por Raúl Castro. Ele mesmo, e quase toda a mídia cubana e estrangei¬ra, assinala que a decisão mais nova e importante do VI Congresso foi que será limitado a dois períodos de cinco anos a permanência em cargos de di¬reção. Esta medida nunca foi debatida no pré-congresso, não aparecia na pauta (centrada em Economia) e foi apresentada para sua aprovação com a “unanimidade” herdada do monoli¬sitmo da burocracia da antiga URSS. A condução do PC a improvisou de última hora para salvar as aparências frente a preocupação do regime pelas rebeliões das massas árabes contra suas ditaduras de 30 ou 40 anos.
Em Cuba a “informação” está total¬mente restrita e deformada em função das campanhas do governo, difundidas pelos médios monopólicos oficiais. E não existe o direito de reclamar, pro¬testar, dissentir. Quem pretenda fazê-lo será chamado de imediato de “contra-revolucionário”, “mercenário”, etc, e será perseguido.
Não foi atualizado nenhum “socialismo” e continua o capitalismo
Com previsível unanimidade, o VI Congresso avalizou mais de um milhão de demissões (mais de forma gradual…), a liquidação da carteira de alimentos (ver anexo) e o capitalismo das empresas mistas que já funciona há anos. Esta é a verdadeira síntese do que aconteceu.
Fidel Castro, na sua reflexão, insistiu com a consigna oficial “Mudar tudo o que seja necessário”. Quais mudanças aplicadas pela burocracia governante do PC cubano, foram ratificadas pelo Congresso? Há duas décadas que as mudanças significam a abertura para restaurar o capitalismo (Ver texto Ajuste à Cubana em nosso site). Desde 1991, quando se realizou o Quarto Congresso e desde 1992, com a nova Constituição, foram sendo abandonados os alicer¬ces do “modelo socialista” que havia surgido com a revolução e que leva¬ram o povo cubano, ainda que com grandes limitações e sem liberdade, a conquistas incomparáveis no terreno da saúde, da educação e dos esportes. Foi sendo abandonado o monopólio do comércio exterior, se começou a descentralização o planejamento econômico e foi reestabelecido o di¬reito das multinacionais estrangeiras a investir (expulsas desde 1960-61), através de empresas mistas, todas com funcionamento capitalista. Desde essa data, com idas e vindas, com o apoio direto do imperialismo europeu (Espanha fundamentalmente) e Canadá, vem sendo restaurado o ca¬pitalismo em Cuba. Estes são os fatos, históricos e irrefutáveis, que escondem os irmãos Castros com suas falsificações e mentiras.
É capitalismo quando se impõe impostos a milhares de cubanos pobres que tentam se transformar em peque¬nos empresários porque são demitidos. Nada é informado nem discutido sobre os impostos que pagam as multinacio¬nais, nem quanto são os lucros que enviam para suas matrizes.
Entre silêncios e mentiras, o Con¬gresso do PC aprovou novos ajustes ao castigado povo cubano, que continuarão aprofundando a desigualdade social e os privilégios de uma minoria de novos ricos, funcionários e oficiais do Exér¬cito beneficiados com a restauração capitalista.
Por isso foram aprovadas medidas como os cortes em saúde e educação com a eliminação da Carteira de Ali¬mentos. Por isso não foi discutida a miséria salarial. A ditadura chinesa enviou uma men¬sagem parabenizando em 17 de abril, onde diz que “se orgulha dos avanços que o PC cubano conseguiu desde o anterior Congresso”. As similitudes entre os “modelos” de super exploração capitalista que exis¬tem nos dois países não se podem negar. E os burocratas chineses se somam também na sua mensagem à mentira de que continua o “desenvolvimento da causa socialista cubana”.
O conhecido economista oficialis¬ta Omar Everleny Pérez Villanueva, resumiu com sinceridade a situação e as mudanças de Fidel e Raul no jornal Le Monde Diplomatique: “Sim, tem pessoas que perderão com as reformas. Sim, vão ficar pessoas desempregadas. Sim, a desigualdade vai aumentar […] Essas desigualdades já existem, o que temos hoje é uma falsa igualdade. O que deve ser definido agora é quem merece realmente estar no alto”. (Nº 142 – abril 2011).
Está colocada a luta por um verdadeiro socialismo
De acordo com Raul Castro o mais importante e “mudar a mentalidade”. Ele considera que a maior trava que existe é que o povo cubano continua amarrado a dogmas e consignas do passado.
Não consideramos dessa forma. A maior trava que tem o povo, para recuperar e melhorar o bem estar que uma vez conquistou graças à revolução, é o governo atual, a burocracia do PCC e os novos ricos. O VI Congresso demonstrou mais uma vez ser uma dita¬dura estalinista à serviço de um modelo capitalista. Por isso são reiteradas as comparações com o PC Chinês.
Como socialistas revolucionários, que sempre estivemos na primeira linha defendendo a revolução cubana e suas conquistas, contra o bloqueio ianque e contra qualquer tipo de agressão à ilha caribenha, chamamos à solidariedade com os trabalhadores, a juventude e todo o povo cubano. À difícil situação que vivem, de falta de liberdades, repressão e crescen¬te desigualdades provocadas pela restauração capitalista, soma-se o aprofundamento do ajuste iniciado no ano passado, avalizado agora pelo VIº Congresso. Será necessária a mobilização popular por aumento sa¬larial, emprego digno, defesa da saúde, da educação e do que resta ainda das conquistas da revolução. Defendemos seu direito a se organizar, ter liberda¬de para formar sindicatos e partidos políticos, centros de estudantes, fazer greves e manifestações. Derrotando as mentiras dos irmãos Castro, o PC e outros governos como o de Chávez, que os apóiam, está colocada a luta por um verdadeiro socialismo, com democracia para os trabalhadores, a juventude e o povo cubanos.
ANEXOS:
1- Acabaram com a carteira de alimentos
Entre as medidas de ajuste capi¬talista o VI Congresso ratificou o fim da carteira de Alimentos, uma antiga conquista do povo cubano que, ainda que reduzida à sua mínima expressão (visto que só alcança para 10-12 dias de consumo no mês) ajudava a mais da metade da população a sobreviver com o mísero salário de entre dez e vinte dólares.
A Carteira, chamada de Controle de vendas para Produtos Alimentares, vinha sendo liquidada de fato pela burocracia do PCC, tirando produtos e reduzindo o peso das que estavam à venda. Não se tratava de uma “gratuida¬de” mais de venda subsidiada. Mensal¬mente se compram (quando existem) quantidades que não podem alimentar uma família nem uma pessoa nem 30 nem 15 dias. São entregues, por ex. dez ovos, 250 gramas de frango, 2.700 gramas de arroz, 400 grs. de massa, 1.3 kg. De açúcar, 115 grs. de café, 0,33 litros de óleo, 557 gramas de feijão. Os produtos de higiene (sabonete, pasta dentífrica) já tinham sido retirados da carteira. Fora isto que era muito pouco, o resto devia ser pago como carne, frutas, verduras, roupa, transporte ou energia elétrica. Tão grave é a situação social do povo cubano que, em que pese à Carteira cobrir muito pouco, era uma ajuda para sobreviver. Por isso, o próprio Raul Castro teve que reconhe¬cer que foi um dos “lineamentos” mais discutidos e questionados.
Ricardo Alarcon, membro do Birô do PCC defendeu o fim da Carteira, afirmando que “havia que mudar o sistema que era igualitarista demais” e que “os preços que pagam os cubanos não tem nada a ver com o mercado mundial”. (Entrevista Tele sul) O que não disse Alarcon é que também os salários não tem nada a ver com o “mercado mundial”. Nem na China são pagos 10 ou 20 dólares de salário, visto que a ditadura do PC chinês impõe salários miseráveis, porém de 70 dólares.
Também é falso que exis¬te um sistema igualitarista. Sempre a burocracia gover-nante do PCC teve salários altos e privilégios (moradia suntuosas, carros grátis, via-gens e comércios especiais) da mesma forma que os novos ricos cubanos. Por exemplo, nunca se viu nenhum hierarca do PCC indo aos armazéns com a Carteira para recolher os 250 gramas de frango ou os dez ovos mensais. Por isso apoiamos a reivindi¬cação do povo cubano para que con¬tinue a Carteira de Alimentos e para que não sejam aumentados os preços dos produtos básicos. Pelo contrário, é necessário que seja fortalecida a Carteira, enquanto continue esta situação social, com mais produtos e em maior quantidade. Está colocado também lutar por um salário mínimo de 250 ou 300 dólares, o fim do siste¬ma de duas moedas (o peso cubano e o CUC) o fim dos mercados especiais para ricos assim como acabar com os altos salários que recebe a burocracia que governa.
2- Miséria salarial em números
O salário em Cuba é de aproxima¬damente 15 dólares mensais. Muitos dos que pretenderam responder às demissões trabalhando por conta já estão comprovando que nem isso conseguem após pagar os impostos e demais custos do empreendimento. Sobre isto não se falou no Congresso. Os dados sobre salários (Le Monde Di¬plomatique nº 142) mostram que em Cuba já está instalada a desigualdade e a miséria capitalista:
• Entre 1989 e 2009 o valor real do salário caiu de 188 para 48 pe¬sos (ainda que o salário médio passou de 188 para 247 pesos).
• Se em 1987 a diferença salarial era de 1 a 4, em 1997 é de 1 a 25