AJUSTE A CUBANA
Por Mercedes Petit – Correspondência internacional | Novembro de 2010
A melhor prova do que dizemos a deu Che Guevara, quem em todo momento combateu a burocratização e a denunciou publicamente, com seu visceral e genuíno igualitarismo.
Repetindo a liturgia habitual sobre a “defesa da revolução” e do “socialismo”, dia 1º de agosto o Parlamento cubano aprovou a ampliação do trabalho por conta própria, negociar a construção de 16 campos de golfe e descongelar a venda de casas aos estrangeiros, reduzir as retenções bancárias às multinacionais, entre outras medidas, e anunciou o objetivo de suprimir mais de um milhão de empregos estatais. É verdade que assim “atualiza o socialismo”? Não. A má notícia é que, pelo contrário, estas medidas são parte de um plano de ajuste capitalista para que os trabalhadores cubanos paguem pela crise.
Milhões de pessoas no mundo simpatizam com a revolução cubana e repudiam o bloqueio yanqui. As notícias sobre quedas na economia, fracassos na produção agrícola, furacões e outras penúrias para o povo cubano são motivo de preocupação e solidariedade para muitíssimos lutadores. Neste contexto, os recentes anúncios do Parlamento e de Raúl Castro são parte de um debate de longa data. São medidas de emergência, em defesa do “socialismo”, ante a crise econômica mundial e o bloqueio, como diz a direção do Partido Comunista (PC) cubano? Em nossa opinião, não é assim.
Lamentavelmente, estas médias são continuidade e conseqüência de uma política de restauração do capitalismo em Cuba. Por isso se reinstalou a desigualdade social e a miséria que tinham sido desterradas pela revolução socialista. Os recentes anúncios antecipam um plano de ajuste em benefício das milhares de empresas privadas estrangeiras estabelecidas há pouco tempo na ilha.
Uma rede de mentiras
No Parlamento, Raúl Castro repetiu uma vez mais a frase de sempre: “o socialismo é irrevogável” (Granma, 2/8). O ministro de Economia afirmou que não estão copiando nem a China nem a Vietnã: “O modelo econômico cubano tem que ter uma característica, a defesa da revolução e a ratificação do socialismo”, e que “se descartou qualquer reforma capitalista” (Página 12, 2/8).
Estas são mentiras que vêm sustentando os irmãos Castro e o PC cubano desde quase duas décadas. Seu duplo discurso é abençoado sem problemas pelos governos da Espanha ou do Brasil, e inclusive por altos servidores públicos norte-americanos. Vejamos alguns exemplos recentes.
O chanceler espanhol fez pedidos junto à cúpula da igreja cubana ante o governo, que culminaram com a libertação de presos políticos em julho. Então declarou que “ele não lhe sugeriu a Raúl Castro avançar num processo de reformas sociais, senão que foi o próprio presidente cubano quem mencionou sua vontade de seguir avançando num processo de reformas econômicas e sociais, e tem as idéias muito claras a respeito” (Clarín, 9/7).
O chanceler do Brasil, Celso Amorín, dizia numa reportagem pouco depois: “Cuba é um estado em evolução, e seu sistema político também irá evoluir para acompanhar as mudanças econômicas que já estão em marcha segundo testemunham nossas empresas que fazem investimentos nesse país.” (Clarín, 1/8).
A estadounidense Sarah Stephens, diretora do Centro para a Democracia nas Américas, estava em Havana em julho com um grupo de legisladores e especialistas yanquis, para falar de energia e problemas ambientais. Criticando o bloqueio de seu país contra Cuba, assinalou que não se vê o “panorama mais geral”. Segundo ela, ao liberar aos presos, e com a mediação da Igreja, Raúl Castro está enviando uma mensagem ao governo dos EE.UU. Sobre como vai seguir avançando nas mudanças, e que está decidido a fazer as reformas econômicas (Clarín, 22/7).
A Câmara de Comércio dos EE.UU. e outros grupos que vêm exigindo o levantamento total do bloqueio (com representantes como The New York Times e o Washington Post) redobraram sua pressão. O vice-presidente Myron Brillant disse no Congresso: “O isolamento não ajuda à renovação política. O caminho mais rápido para melhorar a forma de vida na ilha é ter relações comerciais, turísticas e políticas” (La Nación, 9/7). Acrescentou dramaticamente: “Estamos perdendo fontes de trabalho”, pelos negócios perdidos com empresários canadenses e brasileiros. E com a insolência própria do império, disse: “O governo cubano é uma relíquia” (Clarín, 11/7).
Em síntese, enquanto nos discursos nunca faltam os juramentos pelo socialismo (que são repetidos pelos castro-chavistas de todos lados), a vida real transcorre por outros caminhos. Governos e empresários discutem com naturalidade a marcha de suas relações comerciais e investimentos em Cuba. E muitos empresários e parlamentares yanquis cobram de Obama poder participar amplamente nesses negócios. Nenhum questiona nem se preocupa pelas declarações oficiais de rejeição ao capitalismo e reafirmação do “socialismo”.
Por que ocultar do povo cubano e da vanguarda lutadora e de esquerda de todo mundo a rede de mentiras montada desde o PC cubano e reafirmada pelos governos e empresários com os quais fazem negócios? Porque o governo de Fidel e Raúl Castro, essa ditadura estalinista de partido único, fez um giro de 180 graus desde a década dos noventa, restaurando o capitalismo que se tinha desterrado com o triunfo da revolução.
O “modelo econômico cubano” é, há certo tempo, um capitalismo de multinacionais, empresas mistas e super exploração de seus trabalhadores, controlado por uma burocracia corrupta, ditatorial e mentirosa. Por isso o povo cubano vem perdendo suas conquistas, e apareceu uma galopante desigualdade social e os flagelos do ajuste, desemprego e salários miseráveis característicos do capitalismo. Enquanto as novas medidas anunciam demissões de empregados públicos e a ampliação do trabalho por conta , não devemos esquecer que os grandes negócios estão, há tempos, nas mãos das multinacionais e das empresas mistas com os burocratas. E que todos eles mentem para escondê-los.
Trabalho por conta e ajuste
Nos dias prévios vinham-se instalando questionamentos e expectativas pela reunião semestral do Parlamento, ligadas ao deterioro da situação econômica de Cuba desde 2008. Uma queda do turismo pela crise mundial, a queda do preço do níquel, assim como o fracasso da safra do açúcar e do plano de desenvolvimento agrícola (ver ‘A crise de…’), agravaram as penúrias pelos salários de fome (em média, dez ou quinze dólares por mês) da maioria da população.
Segundo Raúl Castro, foram aprovadas “importantes decisões que constituem em si mesmas uma mudança estrutural e de conceito na intenção de preservar e desenvolver nosso sistema social e fazer dele sustentável no futuro”. Como sempre, não se esqueceu de agregar que “o socialismo é irrevogável” (Granma, 2/8).
Os titulares dos diários destacam a ampliação dos pequenos negócios por conta própria, que já existiam faz tempo, por exemplo, na gastronomia (os “paladares”), as feiras artesanais para o turismo ou as quitandas que vendem diretamente seus produtos vegetais. Também num estendido mercado negro ou atividades clandestinas de todo tipo (táxis ilegais, compra e venda de repostos, gravação de CDs ou filmes, e um longo etcétera). Agora se legalizam mais atividades que poderão contratar empregados e lhes pagar seus salários, pagando um aluguel e impostos ao Estado. Autorizou-se o funcionamento de táxis privados. Neste ano já se tinha legalizado os cabeleireiros.
Também se anunciou o início de negociações para construir 16 campos de golfe (agora há só duas) com capitais internacionais e para retomar a venda de casas a estrangeiros, aberta nos anos 90 e depois congelada (ver “Mais golfe…”). Isto está acompanhado por uma renegociação das obrigações da dívida externa com credores internacionais (que somam entre 600 e 1 bilhão de dólares) e a redução das retenções bancárias à empresas estrangeiras.
Mas, sem dúvida, o mais chamativo foi o anúncio de que terá uma redução paulatina do emprego público a mais de um milhão de trabalhadores (dados Granma, Página 12, Clarín, A Nação, 2/8). A reaparição pública de Fidel Castro desde os dias prévios serviu para instalar com firmeza seu apoio a Raúl, quem descartou que haja qualquer luta entre ortodoxos e reformistas, e que “sua unidade é mais sólida que nunca” (Granma, 2/8).
Suprimir mais de um milhão de postos de trabalho
Desde abril de 2009, o governo revisou o orçamento e começou uma política de ajuste. Atrasaram-se ou suspenderam pagamentos a provedores, voltaram medidas de racionamento de energia (que não se davam desde o “período especial”, depois da queda da URSS). Em relação aos empregados do Estado, Raúl Castro tinha feito em março de 2010 um importante alerta em seu discurso no Congresso da União das Juventudes Comunistas, pronunciado dia 4 de abril deste ano. Disse então que havia um “excesso de empregos” de mais de um milhão e que “este é um assunto muito sensível que estamos no dever de enfrentar com firmeza e sentido político”. Ao mesmo tempo, se queixou de que existia uma falta crônica de “construtores, operários agrícolas e industriais, professores, policiais e outros ofícios indispensáveis que pouco a pouco vão desaparecendo”.
No Parlamento, Raúl Castro disse que “depois de meses de estudo no marco da atualização do modelo econômico cubano, o Conselho de Ministros em sua última reunião […] acordou um conjunto de medidas para acometer, por etapas, a redução dos funcionários consideravelmente excessivos no setor estatal”. Será um processo paulatino, cuja primeira fase concluirá no primeiro trimestre de 2011, para despedir mais de um milhão de trabalhadores estatais “desnecessários” ou “improdutivos”.
A fundamentação de Raúl foi brutal: “Há que apagar para sempre a noção de que Cuba é o único país do mundo no qual se pode viver sem trabalhar” (Granma, 2/8). É outra de suas cínicas mentiras. Cuba é o único país do mundo onde se trabalha quase de graça.
Trabalhadores especialistas, médicos, professores ou enfermeiras recebem salários que oscilam entre 10 ou 15 dólares (a maioria) e 35 ou 40 (os mais altos postos de direção nos hospitais ou escolas). São os dados oficiais, e por isso cada vez há menos “empregos indispensáveis”, como se queixava Raúl Castro em seu discurso de abril. Para ministrar as aulas apelaram para que os professores aposentados retornem. Os médicos saem para trabalhar no estrangeiro, para enviar dinheiro para suas famílias e economizar algo, enquanto se esvaziam os hospitais e os pacientes, para ser atendidos, têm que dar dinheiro ao pessoal mal remunerado.
A prova mais contundente de que em Cuba se instalou a miséria capitalista a expressa o economista oficial Omar Everleny Pérez Villanueva, que diz: “não se consegue dar a solução necessária às receitas da maioria das famílias cubanas (existem segmentos da população que não chegam a cobrir seus gastos com os ingressos formais que recebem, o que os obriga a recorrer a fontes alternativas ou dispensar de um conjunto de bens e/ou serviços)” e que, “no final de 2008, o salário real equivalia a 45 pesos do ano de 1989, quer dizer, representava 24%.”Dito de outra maneira, os trabalhadores cubanos perderam em 20 anos 76% do valor de seus salários. Esse é o verdadeiro rosto da Cuba capitalista dos irmãos Castro.
O Estado cubano, agência de trabalho para as multinacionais
Ninguém põe em dúvida que aproximadamente 95% dos assalariados são empregados públicos. São dados oficiais. Mas, significa isto que 95% dos meios de produção e serviços são estatais? Não, tudo o contrário. Esta é uma das perversas particularidades do capitalismo cubano, onde quase o único que resta estatal é o emprego.
A maior parte da produção, serviços e o turismo são privados, sob a forma de empresas mistas (ver ‘As empresas mistas…’). Os empresários se associam com o Estado, que lhes brinda essa mão de obra estatal, qualificada e super explorada, e assim garante altos lucros a espanhóis, canadenses, chineses, russos, brasileiros ou venezuelanos.
A todos esses trabalhadores lhes paga salários miseráveis, como dissemos antes, na desvalorizada moeda nacional, enquanto que a maior parte dos produtos se compra em cucs, equivalentes a um dólar (24 pesos = 1 cuc = 1 dólar).
No turismo e em La Habana há mais rebusques. No interior, a situação é muito pior. Por isso, se generaliza o roubo, a corrupção e o mercado negro, que são formas de resistência a miséria. Vejamos um exemplo prático. Um guia bilíngüe de turismo, que trabalha 12 ou 14 horas por dia, recebe um salário estatal mensal de 400 pesos (17 dólares). A multinacional que o usa lhe paga ao estado cubano 150 dólares, que embolsa a diferença. Por isso o povo cubano vive “inventando” como conseguir um pouco mais de cucs, para conseguir uma receita apenas digna.
Agora, desses mais de quatro milhões de trabalhadores estatais com salários miseráveis, pretende “relocalizar”, como dizem os funcionários e os sindicalistas corruptos, a mais de um milhão, quer dizer, entre 20 e 30 por cento. São demissões encobertas, já que lhes obrigaria a relocalizar-se na agricultura ou na construção, setores já em crises e que não conseguem decolar (na construção não há planos de moradias populares, só se constroem hotéis de luxo). E já antes se anunciou a limitação do seguro de desemprego, reduzido a só seis semanas.
Há dados de que esta reforma trabalhista já arrancou este ano de forma incipiente, ao calor das dificuldades econômicas. No turismo, já houve trabalhadores que perderam seus empregos na temporada baixa ou foram transladados a granjas ainda administradas pelo Estado. Na verdade houve denúncias de empregados suspensos sem salários por vários meses. Enquanto tudo isso ocorre, a ministra do Trabalho e Segurança Social, Margarita González, com rabo preso, recitava sua mentira correspondente: “Cuba não aplicará demissões massivas ao estilo dos ajustes neoliberais” (Clarín, 19/8).
Ofensiva capitalista sem direito de greve nem liberdade sindical
O projeto de redução de mais de um milhão de empregos estatais é totalmente funcional a favorecer os lucros do esquema capitalista que pratica o governo de Raúl Castro e o PC cubano. É parte de outras medidas que vêm implementando, como a redução ou diretamente o fechamento de restaurantes operários, a revisão e retirada de subsídios e gratuidades nas atividades da cultura, do esporte ou da alimentação de estudantes (que já se mobilizaram protestando pela péssima qualidade da comida). E vem se anunciando a desaparição definitiva da tradicional “carteira de distribuição de alimentos ”, que há tempo já quase deixou de ser efetiva.
Estes ajustes vêm provocando um crescente mal-estar popular. Mas em Cuba os trabalhadores não têm para se defender o elementar direito de greve que existe na maior parte dos países capitalistas. Os sindicatos não são outra coisa que “escritórios” do ministério do Trabalho, sucursais da ditadura do partido único.
Não existe o direito de se organizar, discutir, fazer assembléias que debatam livremente toda esta situação que está atravessando o povo cubano e como enfrentar as demissões e os baixos salários. Com o argumento mentiroso de não servir “a contrarrevolução” e “não fazer o jogo do inimigo”, se impede a democracia obreira, é proibido fazer greve ou simplesmente uma mobilização de rua pedindo aumento de salário. Enquanto isso, opositores que são acusados de “contrarrevolucionários” pelo governo, como por exemplo o economista dissidente (do grupo dos 75) Omar Espinoza Chepe, saúdam como positivos os anúncios econômicos do Parlamento (Clarín, 3/8)
Uma panela de pressão
Em fevereiro deste ano, a morte do preso em greve de fome Orlando Zapata foi um terremoto que instalou uma crise política no país. No dia seguinte, um jornalista também dissidente, Guillermo Fariñas, começou em sua casa outra greve de fome. Houve expressões de artistas e intelectuais de outros países que repudiam o bloqueio e se solidarizam com o povo cubano. Pablo Milanés atreveu-se a dizer que “há que condenar a Fidel Castro, desde o ponto de vista humano, se o dissidente Fariñas morre de fome”, e qualificou de “farsa” as eleições que se fizeram em abril. A escritora Luzia Portela, integrante da União Nacional de Escritores e Artistas de Cuba, alçou sua voz solitária e crítica, dizendo “Basta já… que venha o que venha”. O mal-estar social é crescente, não só pela falta de liberdades, mas também pelo nível de vida cada vez mais baixo, ainda que a repressão sufoca a expressão de protestos. Mas em outubro de 2009 foram vistos protestos e reivindicações estudantis no Instituto Superior de Arte de La Habana, pela péssima comida e a falta de higiene. Antes se haviam surgido denúncias pela falta de direitos de viajar livremente ao exterior. E a cada vez mais se vão dando expressões de rebeldia juvenil, em grande parte clandestinas. Como grupos musicais do tipo do roqueiro Gorki Aguila, os rapeiros Los Aldeanos, Escuadrón Patriota, entre outros, com canções contra o regime, a burocracia, de denúncia social e por liberdades. Correm escondidas milhares e milhares de cópias de CDs que se vão reproduzindo. Um acesso um pouco maior na internet (os cubanos foram autorizados a usá-la nos hotéis, mas é muito cara), também amplia a difusão de informação e reivindicações. Assim surgiu a agora famosa blogueira Yoani Sánchez, que comenta criticamente as dificuldades cotidianas e o burocratismo, mantendo certa distância com a gusanería.
Este é o marco no qual no mês de julho o governo aceitou a mediação da Igreja Católica e o chanceller espanhol para começar a liberar 52 presos políticos, dos quais já vários viajaram para Espanha. É uma conquista importante no terreno dos direitos humanos. Mas não esqueçamos que o espanhol e outros governos que reclamam por liberdades, são os representantes das multinacionais que estão fazendo suculentos negócios com a atual ditadura, que consegue o milagre de que milhões de pessoas trabalhem quase grátis.
Tanto prova que depois dos anúncios do Parlamento, quase todos os comentaristas, incluindo aos yanquis, fizeram questão de insistir que são passos encaminhados a fortalecer o investimento de capitais na ilha. E, agregamos, também são parte do grande objetivo do governo: fortalecer seu controle político da situação, que lhes complica pelas dificuldades econômicas e sociais que lhes vem acumulando.
Por uma nova revolução socialista
Numa de suas canções, Viva Cuba Libre, os rapeiros Los Aldeanos dizem que “com Ernesto Che Guevara, comandante de verdade, estou firme”. Nunca mais oportuna e necessária a apelação a Guevara. Recordar a batalha contra a burocracia e os privilégios que caracterizava sua gestão dentro dos primeiros anos de governo. Suas críticas a crescente subordinação de Cuba e do castrismo a burocracia do Partido Comunista da União Soviética. E sua frase tão célebre: “revolução socialista ou caricatura de revolução”. Fidel a foi negando nos fatos e nas palavras. Recordemos, por exemplo, quando disse aos sandinistas em 1979 que não fizessem de Nicaragua outra Cuba, que não avançassem rumo a ruptura com a burguesia e a revolução socialista. E a negou definitivamente quando, na década de noventa, iniciou o caminho direto da restauração capitalista.
Por isso, já não basta somente o rechaço ao bloqueio e com a imprescindível solidariedade com o povo cubano. É necessária a luta por uma nova revolução socialista, para reverter a transformação econômico-social rumo ao capitalismo imposto pelos Castro, junto a luta política, a uma revolução contra o regime ditatorial para impor liberdades políticas para todo o povo.
Apoiamos a mobilização obreira, popular, estudantil e campesina para exigir um salário digno, terminando com os 10 ou 15 dólares do atual salário estatal. Por um mínimo de 250 ou 300 cucs, abolindo o sistema perverso da dupla moeda. Basta de lojas e mercados para ricos e outros para pobres. Basta de salários especiais e privilégios para a burocracia governante. Mais investimento em saúde e educação. Não as empresas capitalistas, sejam mistas ou totalmente privadas. Pela reestatização das empresas sob controle e administração obreiras, no marco de um plano único centralizado.
Plenos direitos para a mobilização e organização independente dos trabalhadores, os campesinos e estudantes. Direito a discordar, protestar e fazer greve. Plena independência dos sindicatos em relação ao Estado e ao governo. Pela democracia operária, para fazer suas reivindicações e trocar os dirigentes e formar novos sindicatos.
Plenas liberdades para o povo cubano, nada para os gusanos de Miami. Basta de presos políticos; contra o regime de partido único e pela livre formação de partidos políticos. Total liberdade para entrar e sair do país a todos os cubanos. Livre uso da Internet, não a censura à música, a arte e a informação. Liberdade para os jovens, com direito a organizar centros estudantis e exigir livremente suas reivindicações.
Por um plano econômico nacional que comece por recuperar o monopólio do comércio exterior, elimine o sistema bi monetário atual e dê aumento imediato e substancial de salários. Por uma nova planificação econômica com democracia operária, que ataque a diferenciação social, a corrupção dos de cima e reverta a restauração capitalista. Recuperar as conquista na saúde e educação conquistadas nos primeiros anos da revolução. O governo dos Castros e o PC não estão a serviço do povo cubano, há que superá-los com a mobilização, por um governo dos trabalhadores, para alcançar o verdadeiro socialismo com democracia operária. Para isso, chamamos a construção de uma nova direção revolucionária, um novo partido socialista que retome as bandeiras de Che e da primeira revolução socialista.
1. Para ampliar dados, veja Correspondência internacional Nº 27, junio-set. 2009: “¿Se viene el fin del bloqueo?”, en www.uit-ci.org
2. Omar Everleny Pérez Everleny y otros: Miradas a la economía cubana. Edit. Caminos, La Habana, 2009.
3. Véase declaración de la UIT-CI en El Socialista Nº 163, 7/4/2010 en www.izquierdasocialista.org.ar
As empresas mistas em Cuba
A vanguarda em fazer negócios tem sido as multinacionais espanholas e as canadenses. Os yanquis ficaram relegados pelo bloqueio. Na última década, Venezuela cumpriu também um papel importante, junto com a China.
• Em níquel e cobalto (Cuba ocupa o primeiro e segundo lugar mundial em reservas), se destaca a empresa cubana-canadense Metalúrgica de Moa, com a multinacional Sherritt, que inclui as operações de extração e processamento do níquel, a refinaria em Alberta (Canadá) e a empresa que comercializa em Bahamas. Começou em 1992, quando já não se refinava o mineral na antiga URSS, e supera os 40% da exportação total do níquel.
• O turismo foi um dos ramos mais dinâmicos e em crescimento, a partir de sua reestruturação nos anos noventa com as empresas estrangeiras. Destacam-se as grandes corporações Cubanacan e Gaviota, com participações de capitais cubanos, privados e estatais, em primeiro lugar do exército (FAR) e as redes Gran Caribe, Horizonte, entre outras. Cerca de 48% das aproximadamente 42.000 habitações são administradas por empresas estrangeiras. Entre as empresas espanholas mais importantes estão Sol-Meliá e o grupo Barceló. Empresários privados cubanos abastecem 68% dos insumos das instalações turísticas. Neste ramo há grande expectativa para a abertura ao turismo estadunidense. Em fevereiro de 2010 se reuniram em Cancún empresários yanquis com o ministro cubano de Turismo, Manuel Marrero, para intercambiar planos ante uma futura mudança nas relações. O estadunidense Kirby Jones, presidente da companhia Alamar, destacou: “Não há limitantes para que redes hoteleiras estrangeiras, incluindo as dos Estados Unidos, possam administrar um hotel em Cuba”, disse Marrero (adn.es, março 2010).
• Em exploração petroleira, em 1999 abriram-se 112.000 km2 de sua zona de exclusão no Golfo de México para empresas estrangeiras. Participam Repsol- YPF, Petrobrás, Ocean Rig (Noruega), Petrobrás com Sherritt Gordon (Canadá, primeira em petróleo e gás). Energas (cubana-canadense) produz eletricidade com o gás dos poços da zona norte de La Habana. Além disso, intervêm empresas da França, Reino Unido, Espanha e China.
• Em telecomunicações, a primeira empresa mista começou em 1994 com a mexicana CITEL. Depois entrou a italiana STET, que se foi transformando no principal sócio estrangeiro, com 28%. Em 1997 entrou a Sherritt em telecomunicações.
• Em tabaco e produção de habanos, existe Habanos SA, fundada em 1994. Empresa mista em partes iguais, entre a estatal Cubatabaco e Altadis, empresa espanhola, propriedade do grupo inglês Imperial Tobacco Group. É uma multinacional que tem 80% do mercado mundial de charutos. Está em 5 continentes e em 150 países (dados do portal da empresa).
• Na construção se destaca a participação de capitais israelense, por exemplo, a empresa mista entre a cubana Cubalse SA e a empresa israelense Grupo GM. Além disso, desde 1992, a empresa de Israel Waknine e Beresousky controla 68% da comercialização da indústria citrícola cubana.
• Pérez Villanueva proporciona dados bastante precisos sobre os empresários privados cubanos. Vejamos dois casos. Em 1993 formou-se a Corporação Cuba Rum SA, para a produção, comercialização e exportação do tradicional Havana Clube, formada por empresários cubanos e a francesa Pernod Ricard (a do whisky Chivas Regal). Hoje, Havana Club chega a 100 países e a empresa está entre as 20 de maior venda no mundo no ramo.
A cerveja mais popular, Bucanero, pertence a Coralsa, Corporação Alimentícia SA, sócia da canadense Cerbuco. A mesma empresa privada cubana está nas indústrias da cerne com a espanhola Porvalca, de Valência. A produção e comercialização dos mais importantes refrescos e águas minerais as possuem Coralsa, associada com a multinacional suíça Nestlé. Além de abastecer ao turismo e consumo popular locais, está exportando ao Caribe e ao Mercosul.
Mais golfe e negócios
O grupo britânico Esencia Hotels&Resorts, com a empresa cubana Palmares S.A., vão ampliar seus campos de golf. Esencia Hotels&Resorts é parte de Havana Holding, que tem o controle da marca Floridita (um dos bares símbolos da Habana, onde se serve o daiquirí) em toda Europa. Dia 1º de agosto foram anunciadas negociações para a construção de 16 campos de golf novos, vendendo nessas áreas casas de luxo aos estrangeiros. Quatro estariam muito avançados e se localizam assim: dois entre La Habana e o balneário de Varadero (a 140 kilómetros dalí), na costa noroeste; em Pinar do Rio (ocidente) e outro em Holguín (oriente). Esencia Hotels&Resorts já tinha anunciado em 2008 seu projeto Carbonera Country Clube Resort, próximo de Varadero, com um investimento de 400 milhões de dólares para levantar 730 casas entorno de uma marina e um campo de golfe de 18 buracos.
Outros projetos conhecidos são os de uma sociedade britânico-espanhola na Bahia Honda, Pinar do Rio, uma empresa canadense em Jibacoa (próximo de La Habana) e uma companhia privada vietnamita, também numa zona próxima a capital. Este turismo de luxo tem grandes expectativas para o mercado yanqui.
A crise da agricultura
Cerca de 80% dos produtos alimentícios que se consomem em Cuba são importados (quase a metade vem dos EE.UU.). A reabertura do capitalismo começou no campo em 1994, com a entrega de terras a cooperativas e pessoas privadas. Como era previsível, não reverteu a baixa ou quase nula produção agropecuária que existia sob a condução burocrática e subsidiada da economia dos tempos do “socialismo real”, que permitia ao governo cubano abastecer-se de alimentos relativamente baratos.
Com o correr dos anos se foi agravando a crise do campo e a vulnerabilidade do setor externo. Desde 2008, Raúl Castro pretendeu atacar-las com uma campanha para aumentar a produtividade agrícola impulsionando a fundo a entrega de terras em usufruto à proprietários privados, de maneira individual ou como cooperativas (que já havia começado em 1994-5).
Em dois anos entregaram-se um milhão de hectares de terras ociosas, de um fundo de 1.763.000 selecionadas para cultivar, que são aproximadamente a metade da terra não utilizada. Os resultados foram mínimos e o ministério ameaçou com retroagir as concessões a quem não cumprissem com as metas fixadas. Mas teve camponeses que denunciaram que não contam com o imprescindível apoio para maquinarias ou insumos básicos, como fertilizantes ou sementes. Quer dizer, estão descrevendo o círculo vicioso que forma o capitalismo para sufocar o campesino. Obviamente, o ministro Olivera qualificou as medidas de “revolucionárias”, opostas a qualquer “abertura capitalista” (Clarín, 27/6/10). Raúl Castro e seus analistas econômicos, para justificar a crise de produtividade agrícola -que se soma a da indústria-, falam de “vacância” e do costume das “gratuidades”. Na realidade, não há produtividade porque o povo trabalhador em Cuba nunca participou dos planos da produção, sofreu o burocratismo e a falta de liberdades, nunca pode discutir democraticamente suas condições de trabalho, nem na cidade e nem no campo. Agora, a isto se soma a exploração capitalista, os salários de fome, a falta de apoios e incentivos. A baixa produção, o roubo e o mercado negro são formas de resistência das massas.
A restauração passo a passo
O governo cubano repete constantemente que “o socialismo é irrevogável”. É a mentira oficial que tenta cobrir a superexplorção capitalista do povo cubano. Há uma enorme desigualdade social, surgida desde que, nos anos 90, os Castro puseram marcha em caminho da restauração.
Desde a década de 70 tinha elementos de abertura capitalista em Cuba Socialista, seguindo os passos da direção soviética. A dissolução da antiga URSS e a restauração capitalista na Rússia e em todo o Leste europeu no início dos anos noventa levou ao PC cubano a tomar o mesmo caminho1.
Cuba sofreu o “período especial”, que foram as enormes penúrias vividas pelo povo cubano como conseqüência do fim dos generosos subsídios e vantagens comerciais que haviam recebido por quase três décadas por parte da burocracia soviética. Nesse período começaram a introduzir as grandes transformações a caminho da restauração. Mantendo as características monolíticas e repressivas do regime estalinista imperante, foram demolidos os pilares de uma economia socialista que haviam sido impulsionadas durante 30 anos, a partir da expropriação da burguesia, quando o país era o que chamamos de “um Estado operário burocrático”. Cuba também começou o regresso ao capitalismo, com características comuns com os processos da China e Vietnam.
Repassemos os três passos fundamentais.
1. Em 1991, o Quarto Congresso do PC Cubano, resolveu abandonar o monopólio do comércio exterior. Ratificaram na reforma constitucional 1992. As empresas estatais começaram a importar e exportar de forma direta e individual, e as empresas privadas ou mistas foram autorizadas para que fizesse também. O economista oficial Omar Everleny Pérez Villanueva dizia: “A eliminação do monopólio da gestão do comércio exterior de conjunto com a abertura para investimento estrangeiro, constituiu a premissa principal da gradual descentralização da gestão comercial externa”2.
2. Essa “descentralização” foi a liquidação da planificação econômica, estabelecida pela Constituição de 1992, que substituiu “o plano único de desenvolvimento econômico” por “um plano que garanta o desenvolvimento programado do país”. Com ambas medidas, o mercado começava a ser o principal mecanismo de funcionamento do intercâmbio econômico.
3. Foi restabelecida a propriedade privada dos meios de produção, base fundamental do capitalismo. A Constituição de 1992 suprimiu o “caráter irreversível” que tinham “os bens de propriedade estatal socialista”. A lei Nº 77 de investimentos estrangeiros de 1995 garantiu a não expropriação, a livre remessa de lucros e outras medidas que dinamizaram ou inauguraram a penetração capitalista em áreas chaves como o turismo, o níquel, petróleo e gás, telecomunicações, alimentação e construção. Só ficaram de fora, como monopólio estatal, saúde, educação e defesa no aspecto militar. A desestatização da terra começou e 1994, através da UBPC (Unidade Básica de Propiedade Cooperativa). Desde então, com ida e vindas, com o apoio direto do imperialismo europeu, fundamentalmente Espanha e Canadá, e crescentes expectativas de setores burgueses yanquis, vem-se reconstruindo o capitalismo em Cuba. Isso significou uma mudança colossal no país. Quem, pela direita ou pela esquerda, sustenta que segue o “mesmo modelo econômico”, que continua aquele “socialismo real” inaugurado pela Revolução com mais ou menos reformas e transformações, se equivoca. Na Cuba capitalista atual, o que não é mudado é a ditadura do partido único.
1. Uma excelente pesquisa do processo cubano é De Martí a Fidel – La Revolución Cubana y América Latina, por Luiz Alberto Moniz Bandeira, Norma, 2008.
2. Reflexiones sobre la economía cubana. Edit. de Ciencias Sociales, La Habana, 2006.
“Tudo é estatal”
Estranhamente, ainda que não seja assim, desde os mais diversos setores se diz que em Cuba “tudo é estatal”. Para os Castros e seu governo, é parte da lógica de mentiras cotidianas de que o “socialismo é irreversível” e não há “apertura” ou reformas capitalistas. Intelectuais e acadêmicos castro/chavistas o repetem ou o deixam correr.
Desde a direita e os setores “críticos” do próprio PC, que levantam uma opção explicitamente social-democrata, se somam. Nesse caso, é funcional a seu programa de abertura total, para que avance ainda mais a propriedade privada, para que as empresas mistas deixem a cada vez mais lugar às empresas privadas cubanas ou das multinacionais .
Esta é outra colossal mentira. O único que atualmente se aproxima de ser “tudo estatal” é o emprego dos trabalhadores cubanos. Já descrevemos o papel do empregador absoluto do Estado, para beneficio dos empresários capitalistas. Mas esta mentira tem conseqüências nefastas para os trabalhadores. Como eles sentem na própria carne seus miseráveis salários públicos, ainda que trabalhem no meio dos luxos do turismo em Varadero, renegam cada vez mais a propriedade estatal e crescem suas expectativas de que seja melhor que haja cada vez mais empresários e proprietários privados de todo tipo na ilha. A crescente desigualdade social que existe em todos os lados é atribuída por muitos cubanos a essa suposta presença generalizada do “estado”, e caem na armadilha mortal de depositar esperanças nas privatizações. A mentira oficial de que vivem no “socialismo” aponta no mesmo sentido. Obviamente, os burocratas e todos os empresários, agradecem.
Fracassou o “estatismo” ou a “utopia igualitária”?
O castrismo, da revolução à traição
A crítica situação que vive o povo cubano reabre velhos debates ou instala outros novos sobre o que foi e o que é o castrismo.
Defensores atuais do governo cubano, em primeiro lugar o castro-chavismo, somam-se às versões de direita e social-democratas dizendo que em Cuba, como na ex URSS, teria fracassado o “estatismo”. São os que abandonaram o ponto chave do triunfo de 1959-60: a expropriação da burguesia. São os que seguem apoiando a ditadura estalinista dos Castro e escondem com mentiras a transformação capitalista que impuseram em Cuba. Na Venezuela defendem o capitalismo de economia mista com as multinacionais que proclama o presidente Chávez com seu falso “Socialismo do Século XXI”.
Outra versão a dão alguns “progressistas” ex castristas. Há meio século eram fanáticos incondicionais de Fidel e acusavam de “contra revolucionário” todo aquele que, como nossa corrente morenista, pretendiam apontar qualquer crítica desde a esquerda. Tardiamente foram descobrindo que em Cuba não havia liberdades, tudo era monolítico, havia problemas. Alguns, inclusive, definem corretamente agora que existe uma ditadura estalinista, mas reescrevem falsamente a história1. Reconhecem que houve um longo período de avanços da revolução e grande melhoramento das condições de vida dos trabalhadores (este é um fato que nunca ninguém pode negar, reconhecido até pela Madre Teresa de Calcuta). Mas desenham-no como uma “utopia igualitária”, condenada a fracassar porque já continha uma fatal centralização, unida ao estatismo, que a condenava a ser repressiva. Quando eram castristas, não detectaram que existia uma ditadura que controlava monoliticamente aquele Estado.
A verdadeira história é que Cuba Socialista nunca foi “igualitária”, porque nasceu com um aparato burocrático totalitário, seu partido-exército, que deu lugar ao PC cubano e as Forças Armadas Revolucionárias, dirigidos pelos irmãos Castro. Eram burocratas privilegiados, ao estilo estalinista, com a diferença que encabeçaram uma revolução e tinham recursos infinitamente menores, inclusive para os privilégios. Sempre tiveram melhores salários, mercados especiais, nunca tiveram que usar a carteira de distribuição de alimentos.
Estes ex castristas agora fazem campanha política dizendo que não pode ser tudo estatal, que não há que expropriar, que há que privatizar tudo. Em relação a Cuba atual, não questionam para nada o retorno ao capitalismo. Pelo contrário, querem liberar a fundo, rumo a um “novo socialismo democrático”, que se conseguiria se se incorporasse um “diálogo de transição” com a gusanería de Miami. Equivocaram-se na década de 60, sendo furibundos castristas, e se equivocam na atualidade, criticando pela direita o curso capitalista protagonizado pelos Castros.
O grande da revolução cubana foi seu avanço para a ruptura com a burguesia e o imperialismo, ao calor da mobilização dos trabalhadores e do povo. Foi essa revolução que empurrou aos Castro a radicalizar a reforma agrária, congelar tarifas e aluguéis, expropriar as destilarias, engenhos açucareiros e bancos e romper com os yanquis. Aquela “centralização” foi uma conquista histórica: a posta em marcha do plano econômico nacional baseado na propiedade estatal, com o monopólio do comércio exterior e as nacionalizações. E assim se conquistaram saúde e educação que puseram Cuba Socialista num dos primeiros lugares da América Latina.
Aquelas conquistas se alcançaram apesar de que existia a burocracia privilegiada e repressiva. A melhor prova do que dizemos a deu Che Guevara, quien em todo momento combateu a burocratização e a denunciou publicamente com seu visceral e genuíno igualitarismo.
Os Castros se subordinaram a burocracia maior, o colossal aparato do Partido Comunista da União Soviética. Da sua mão, foram-se apartando do caminho revolucionário e internacionalista dos primeiros anos e do Che.
Nunca mais impulsionaram novos triunfos socialistas na América latina, apoiando a “coexistência pacífica” e o pacto dos burocratas russos com o imperialismo. Apoiaram a derrota da revolução dos operários checos em 1968. Somaram-se a reacionária e suicida “via pacífica ao socialismo” dos partidos comunista e socialista do Chile, que abriu caminho a Pinochet em 1972. Em 1979, Castro chamou aos sandinistas a não fazer em Nicaragua uma nova Cuba. Em 1981 apoiaram o golpe de Jaruselsky contra os operários polacos.
Outra seria a realidade de Cuba e da América Latina se todo o prestígio e poderio do castrismo tivesse estado a serviço de conquistar novos países socialistas no continente. Pondo a riqueza latinoamericana ao serviço de seus povos, não das multinacionais e do imperialismo. E sem monolitismo e partido único, com democracia e liberdades para que as massas na luta se organizassem, discutissem, retificassem erros e fortalecessem os acertos.
Inclusive aí, ante golpes ou retrocessos, a moral e consciência dos povos poderia ter seguido avançando, construindo uma alternativa socialista e revolucionária. Houve muitas oportunidades arruinadas. Por tudo isso, nossa corrente, a para de defender incondicionalmente Cuba Socialista, denunciou sempre as traições de Fidel Castro.
Hoje em Cuba cresce a bronca e o desencanto no povo. E assim se instala o perigo de que se reproduza os retrocessos na consciência que se deram na ex URSS e Leste Europeu, onde os avanços restauracionistas, da mão da própria burocracia, não fizeram outra coisa que criar entre as massas fatais ilusões no capitalismo. O grande desafio é lutar por uma nova revolução socialista.
1. Veja, por exemplo, o estudo da ex castrista e atual radical de “esquerda” Claudia Hilb: La izquierda democrática frente al régimen de la Revolución Cubana. Edhasa, Buenos Aires, 2010.