SAUDAMOS O TRIUNFO DO POVO BOLIVIANO
DECLARAÇÃO DA UNIDADE INTERNACIONAL DOS TRABALHADORES – QI | www.uit-ci.org
Anulado o aumento neoliberal do preço da gasolina
A Unidade Internacional dos Trabalhadores (Quarta Internacional – UIT-CI) saúda o triunfo do povo boliviano, que, saindo para as ruas, deu ao mundo o exemplo de uma impressionante mobilização, que em 5 dias obrigou o governo de Evo Morales a anular o decreto que estabelecia a “equiparação” do preço da gasolina e do diesel ao mercado internacional
Este decreto foi a verdadeira face do ajuste capitalista mundial na Bolívia, e por isto é muito importante que os trabalhadores e povos de todo o mundo tirem lições do que ocorre na Bolívia e se solidarizem com a luta do povo boliviano.
Ao expirar o ano, entre os dias 26 e 28 de dezembro, crescia na Bolívia uma gigantesca mobilização. No dia 30 de dezembro já se ouvia nas ruas o grito: “Ou retiram o decreto ou vão embora eles!” A “guerra da gasolina” estava anunciada para segunda-feira 3 de janeiro. A contundente mobilização, com a sua proposta radical que ameaçou derrocar o Governo caso este não recuasse, foi a que conseguiu assustar o Governo e obrigá-lo a retroceder.
Em 31 de dezembro, achando-se reunidas as famílias para a comemoração do Ano Novo, Evo Morales anuncia pela rede nacional de televisão a anulação do decreto 748, declarando que “mandava obedecendo” e que “essa era a vontade do povo”. Parece muito bonito, mas na Bolívia poucos acreditaram nisto. Nem Evo nem o Vice-presidente Álvaro Garcia Linera se lembravam da vontade do povo no domingo 26 de dezembro, quando ditaram a brutal medida que elevou o preço da gasolina a um dólar, num país onde o salário mínimo é de 98 dólares e pouca gente ganha mais de 300 dólares por mês.
Aproveitando-se das festas de fim de ano, o decreto ia sendo imposto como nas antigas ditaduras ou nos governos neoliberais, na expectiva de que assim não se articularia o movimento de protesto.
O decreto, afirmando que a economia era “artificial” porque o preço da gasolina tinha de ser “subsidiado”, tinha um conteúdo tipicamente neoliberal, já que tem sido este o argumento de todos os governos neoliberais, para os quais o mercado é que dita os preços.
O governo se justifica com uma desculpa esfarrapada, dizendo que tem que gastar 660 milhões de dólares importando petróleo, gasolina e diesel, e que 150 milhões são contrabandeados para países vizinhos. Segundo eles, para eliminar esse contrabando de 150 milhões de dólares é que ditaram esse aumento, o qual, “nivelando” o preço do gás ao dos mercados externos, representava para o povo pobre boliviano um brutal ajuste inflacionário.
Este acontecimento mostra que, apesar de suas origens populares, Evo Morales governa com as multinacionais e contra o povo, da mesma forma que os antigos governos neoliberais.
A medida obedecia a uma exigência pública das multinacionais do petróleo, representadas pela Câmara Boliviana de Hidrocarbonetos – que de “boliviana” só tem o nome do país saqueado por ela e é encabeçada pela Petrobrás (multinacional americana- européia – brasileira) e a espanhola Repsol, com sede principal na Argentina.
O problema é que a Bolívia, que há dez anos era auto-suficiente em hidrocarbonetos, agora exporta gás, mas é obrigada a importar petróleo cru, gasolina e diesel. No entanto, é um país que possui grandes reservas petrolíferas. A metade do seu território tem um potencial petrolífero, mas apenas 4% desse potencial é explorado. Se tivesse havido investimento em exploração haveria produção suficiente de gasolina e diesel. Se a produção baixou e o país é obrigado a importar é porque as multinacionais continuam controlando tudo e decidiram não explorar, bloqueando assim a produção de petróleo. Por outro lado, não interessa às multinacionais produzir para o mercado interno, que é pequeno, e só lhes interessa produzir gás para a exportação. Assim, investiram em poços para manter a exportação de gás não industrializado para o Brasil e Argentina – vale dizer, para a Petrobrás e a Repsol, que o industrializam em seus respectivos países e obtêm um valor sete vezes maior.
E a nacionalização?
A grande reivindicação da insurreição popular de outubro de 2003 foi a nacionalização total dos hidrocarbonetos, a expulsão das multinacionais e a industrialização do gás na Bolívia para gerar mais emprego. Este foi o centro da chamada “Agenda de Outubro”, um programa voltado contra as empresas imperialistas que historicamente dominam a Bolívia, e também um programa revolucionário que aponta a uma transição para o socialismo. Este programa foi adotado por grandes setores de massas e representa um avanço extraordinário dentro do processo revolucionário boliviano.
Evo Morales assumiu o governo em janeiro de 2006 prometendo a nacionalização. Em 1 de maio de 2006 decretou a chamada “nacionalização”, que não foi nada disto. A “nacionalização” foi parcial, isto é, para ficar com 51% das ações o estado indenizou as empresas petrolíferas com 1 bilhão e meio de dólares e aumentou os impostos. Mas a petrolífera nacional YPFB não se converteu numa empresa operacional, porque não produz nada. Tanto os seus dirigentes como os das empresas mistas, que recebem do estado enormes salários, são pessoas ligadas às multinacionais. Em fins de 2006 foram firmados com as multinacionais 44 contratos de concessão que permitem a essas empresas, por um período de 30 anos, o controle monopolístico do setor petrolífero, favorecendo sobretudo a Petrobrás e a Repsol, que ficaram com os melhores campos de exploração. Esses contratos foram, em seguida, confirmados pela Constituição aprovada em 2008 mediante um acordo com a direita. Deste modo, continuam as multinacionais levando a maior parte do excedente dos hidrocarbonetos através, principalmente, da exportação de gás para industrialização.
Em suma, a nacionalização foi em grande medida uma farsa, embora tenha trazido um aumento de ingressos para o estado e possibilitado algumas pequenas concessões às massas, fundamentalmente sob a forma de abonos para os aposentados (30 dólares mensais para os maiores de 60 anos que não tinham aposentadoria) e de uma pequena ajuda anual para crianças em idade escolar.
“Ou retiram o decreto ou vão embora”
Uma vez divulgado o decreto, a repercussão econômica e social foi imediata. No dia seguinte à sua publicação, as tarifas dos ônibus urbanos e de longa distância subiram entre 50% e 100%. O pão e a carne, frutas e verduras aumentaram uns 20%, outros alimentos até 50%. Vale lembrar que os alimentos já haviam aumentado cerca de 20% nos últimos meses.
Passada a surpresa inicial, a reação popular não se fez esperar. Na segunda-feira já começavam as primeiras mobilizações e pronunciamentos das organizações. “Fora o aumento neoliberal”, dizia o panfleto de La Protesta, organização de esquerda na qual militam os camaradas bolivianos da UIT-CI. “Abaixo o aumento”, foi a palavra de ordem unânime que se ouvia nas ruas e reuniões em família.
Pedro Montes, dirigente da COB que tem apoiado todas as decisões do governo, inclusive a lei das aposentadorias, de conteúdo neoliberal, declarou que se tratava de um “decreto maldito” que devia ser anulado.
Pronunciaram-se pela anulação do decreto a CONOMAQ (principal organização indígena do país), centrais operárias estaduais, os mineiros, os sindicatos dos professores e profissionais da saúde, a Federação Camponesa Tupac Katari de La Paz e organizações estudantis. Nas ruas, a indignação era geral. Somente as ultra-burocráticas direções da CSUTCB e da Confederação dos Professores (Pinaya, do PC), se atreveram a declarar-se a favor do decreto, mas as bases já se mobilizavam contra.
A CAO (Câmara Agropecuária do Oriente), que representa a oligarquia latifundiária, disse que a medida era necessária, mas que faltavam medidas “compensatórias” porque usam o diesel para fazer funcionar suas máquinas. Na quinta-feira 31/12, enquanto se radicalizava a mobilização popular, três ministros se reuniram durante quatro horas com a CAO para discutir as tais medidas compensatórias e lograram um comunicado amistoso, com a promessa de novas conversações em outro dia.
A mobilização cresceu em Santa Cruz, Cochabamba, Oruro e El Alto. Até em Chapare, terra de Evo Morales, que continua como presidente da sua Federação do Trópico, os camponeses de Ivirgazama iniciaram um bloqueio total da principal rodovia do país, que une as cidades Santa Cruz e Cochabamba, exigindo a anulação do decreto. Em 30 de janeiro, a mobilização tinha-se tornado maciça em quase todas as cidades do país. Em El Alto houve choques entre a Polícia e dezenas de milhares de manifestantes, que atearam fogo aos postos de pedágio e marcharam sobre La Paz, apenas sendo contidos pela repressão policial. Mas todas as organizações anunciaram mobilizações a partir de segunda-feira 3. Agrupadas na FEJUVE, as 600 associações de moradores de El Alto começaram a se pronunciar por uma “parada cívica” por tempo indefinido, ao mesmo tempo em que os combativos mineiros de Huanuni anunciavam que marchariam a La Paz. Em El Alto “parada cívica” significa um bloqueio total que inclui o aeroporto e os acessos a La Paz. Na Bolívia, isto significa uma insurreição popular. A palavra de ordem cada vez mais forte era: “Ou retiram o decreto ou saem eles”.
Isto foi o que obrigou Evo Morales a retirar o decreto, evidentemente sem muita vontade e dizendo que havia que aplicá-lo “pouco a pouco e consultando o povo”.
O de que se trata, na verdade, não é de aplicar “aos poucos” um decreto que representa um desastre para o país. O povo já disse NÃO de forma muito clara.
No dia 4 de janeiro, um novo decreto determina que o Estado boliviano pagará às multinacionais todos os investimentos realizados para a prospecção de petróleo. É um escândalo, que dará continuidade à sangria do orçamento nacional em favor das multinacionais.
A luta está apenas começando
É por isto que a luta não terminou. Como destaca o panfleto do grupo La Protesta, onde militam os companheiros da UIT-CI: “Temos que exigir agora o cumprimento de todas as reivindicações populares, centradas em uma verdadeira nacionalização, sem indenizações, das multinacionais do gás e do setor mineiro, expulsando tais empresas e os gerentes da YPFB que trabalham para elas. Sob o controle popular, a YPFB deverá produzir gás e petróleo, que na Bolívia existe em grande quantidade e será utilizado para industrializar o país e criar trabalho com salários dignos para todos, criar uma grande petroquímica e fábricas em El Alto, Oruro, Potosí, expropriar os latifundiários e entregar terras aos camponeses para que produzam alimento barato para o povo”.
Contra a inflação e a fome, lutar por aumento geral dos salários, congelamento de preços e trabalho para todos
Na Bolívia, grande parte dos trabalhadores em atividade recebem um salário mínimo de fome equivalente a 98 dólares mensais e são penalizados por uma brutal inflação, que em 2010, antes do decreto neoliberal, foi a mais de 20%. Porém, 70% da população ativa não têm trabalho formal e ganham ainda menos. Esta situação torna urgente a mobilização unitária do povo para exigir um aumento geral e o pagamento integral dos salários, anulando-se o decreto neoliberal 21060, que impede o controle de preços e afrouxou a regulamentação do mercado de trabalho. Tem que ser eliminado o IVA (imposto sobre o valor agregado) que sobrecarrega injustamente o consumo popular, e também é preciso que o Estado subsidie e congele os preços dos transportes de massas.
Esta reivindicação deverá ser acompanhada por um projeto de Plano econômico de emergência elaborado pelas organizações sindicais, camponesas, indígenas, estudantis e populares, para enfrentar e superar a grave crise econômica que afeta o país e gerar emprego produtivo e digno. A indústria de hidrocarbonetos tem que ser integralmente nacionalizada e o estado terá que investir no setor petrolífero sem intervenção das multinacionais. Serão realizadas obras de infra-estrutura, habitação, saúde e educação, e criadas linhas de crédito baratas para o setor agropecuário.
Este plano econômico alternativo, que não é outra coisa senão a continuação e aprofundamento da Agenda de Outubro, deverá ser discutido e aprovado por todo o povo, e sua imposição se dará pelo mesmo tipo de mobilização unitária que derrogou o vergonhoso aumento da gasolina.
Coordenação para a luta
Em El Alto, vanguarda da rebelião, já foram dados os primeiros passos para convocar uma coordenação geral de sindicatos, movimentos camponeses, trabalhadores do campo e da cidade, estudantes e organizações de esquerda, com a finalidade de lutar pela Agenda de Outubro, pelo salário e por um programa econômico a serviço do povo.
Queremos lançar um alerta e denunciar que o Governo de Evo Morales, ajudado por juízes pouco confiáveis, está tentando processar as lideranças populares que se opuseram ao aumento neoliberal, entre os quais a dirigente da FEJUVE de El Alto, Fanny Nina, ferida ao ser atropelada por um automóvel quando caminhava pela calçada no bairro de La Acera, no que pareceu tratar-se de um atentado. Exigimos que ninguém seja processado por apoiar o protesto popular e que o Governo assuma a sua responsabilidade, abrindo uma investigação sobre o atentado contra Fanny Nina e garantindo a segurança dos líderes populares.
O Governo acusou a velha direita de propiciar “distúrbios”, mas a realidade é que a velha direita neoliberal é rejeitada pela maioria do povo. O movimento em questão foi protagonizado pelo povo pobre, trabalhadores e camponeses.
Apoiamos a proposta da organização La Protesta, onde militam nossos camaradas bolivianos da UIT-CI.
A UIT-CI saúda o povo boliviano e suas organizações de base, as associações de moradores de El Alto, os combativos sindicatos mineiros e de trabalhadores fabris, os sindicatos de professores de La Paz, Cochabamba e Oruro, a COD de Oruro, a CONOMAQ e demais organizações indígenas, as organizações camponesas, o grupo La Protesta, os partidos de esquerda e revolucionários que, mobilizando-se contra o aumento, conseguiram esta grande vitória. E fraternalmente os chamamos a concretizar essa via da unidade que permitirá construir uma alternativa popular, operária e camponesa para enfrentar o plano capitalista de fome do governo Evo. A UIT-CI e os partidos nacionais seus afiliados se colocam ao serviço da solidariedade internacional com esta justa luta.
7 de janeiro de 2011
Unidade Internacional dos Trabalhadores – Quarta Internacional