Repercussões do "Gasolinazo" neoliberal de Evo Morales

Bolívia – dezembro de 2010 | CEP – Centro de Estudos Populares

As repercussões do “gasolinaço” neoliberal de Evo Morales
Bolívia, 29 dezembro 2010 –  (Centro de Estudos Populares-CEP) –  O aumento do preço das passagens em até 100%, longas fileiras de donas de casa para comprar alimentos baratos, aparição espontânea  de protestos frente à inércia dos dirigentes e dos sindicatos cooptados pelo governo, sindicalistas oportunistas colocados em evidencia frente ao povo, os novos ingressos para as multinacionais petroleiras… Muitas são as repercussões imediatas do gasolinaço de Evo Morales, mas ainda não são as principais e definitivas.

Longas filas para comprar alimentos Como ser fosse humor negro, o governo anunciou que a Empresa de Apoio à produção de Alimentos (EMAPA) com suas 800 lojas em todo o pais, proveria de quatro produtos (arroz, trigo, açúcar e óleo) à população. Mas os preços da EMAPA aumentaram em 15%  e no segundo dia após o gasolinaço apenas tinha dois dos quatro produtos (dizem que está sendo importado açúcar). As pessoas dormem sob o frio e a chuva nas portas das lojas da EMAPA para conseguir no dia seguinte a ficha que lhe permitirá comprar. A demanda supera a oferta diária destes negócios governamentais.  A esperança das pessoas é comprar mercadoria mais barata que no comercio comum, antes que o aumento dos preços impacte com sua verdadeira dimensão em todos os produtos.

A desvalorização da moeda é iminente porque de agora em mais todos compraremos
muito menos com o mesmo salário. Somente como um dado: a gasolina na Bolívia custa U$S 0,91 e o salário mínimo é de U$S 95.75, enquanto que na Argentina a gasolina custa U$S 0,95 e o salário é de U$S 438,00.

Protestos espontâneos Frente a letargia e o adormecimento dos dirigentes sindicais (cooptados e anulados pelo governo) surgem alguns protestos espontâneos nas ruas de todas as cidades do país. Em Cochabamba, os desempregados que se concentram diariamente na rua a aguardar trabalho protestaram e foram repelidos pela Polícia; os motoristas do transporte de carga também marcharam anunciando um aumento do frete. Em La Paz e El Alto surgem a cada momento protestos rápidos de vizinhos, passageiros do transporte público e mulheres em mercados expressam sua impotência pela situação. Em diferentes lugares do país, vários setores convocaram a “cabildos” (assembléias), marchas e protestos que acontecerão nos próximos dias.

Mecanismos neoliberais intactos Os militantes do MAS foram os mais surpresos pela medida. O masista (do MAS)  ex. cônsul da Bolívia no Chile e ex representante frente a OEA, Coco Pinelo,  afirma na sua coluna jornalística que a medida foi uma surpresa para
dirigentes, vereadores, deputados e senadores do partido de governo.  Pinelo pede uma mudança de rumo no govenro: “No MAS não existe a possibilidade de discutir. Não existe espaço para a crítica e a autocrítica. Não existe instrumento organizado para avaliar o rumo das políticas adotadas ou por adotar. Os dirigentes não contam com informação e obviamente as bases também não. Não se trata de um problema do “entorno” do presidente. O problema é outro. Os mecanismos “neoliberais” para a tomada de decisões estão intactos. Continuam funcionando os regulamentos das leis de planejamento e investimento. A centralidade da tomada de decisões é a mesma. O poder  de decidir o  destino dos recursos continua em poucas mãos. Não há descentralização real, as bases não decidem o destino dos recursos locais. Os ministros se queixam de pouca execução orçamentária? Eles, os que centralizam as decisões sabem que não pode ser de outra maneira, enquanto não se adotem efetivamente políticas de descentralização que fortaleçam a autonomia dos povos indígenas, regiões e municípios”.

Jornalistas pagos defendem a medida
Os jornalistas da Radio Patria Nueva, a agencia de noticias ABI, o jrnal Cambio, a trintena de rádios comunitárias e o canal TV7 continuam sua propaganda, chamando “nivelação de preços” o gasolinaço. Mas não são os únicos; nessa tarefa estão também outro grupo de jornalistas que gozam da publicidade do governo, em troca de propaganda aparentemente saída da boca de “profissionais imparciais”. Um deles é Ricardo Bajo, jornalista cultural, deportivo e político quando precisa Evo Morales, colunista de Cambio e do jornal digital Erbol, que tem também um espaço em Patria Nueva e é um dos responsáveis do Le Monde Diplomatique – Bolívia. Em síntese, Ricardo Bajo tem a tarefa de fixar na mente dos  leitores e radio escutas que o golpe econômico somente afetará as acomodadas classes medias, porque os “mais desfavorecidos”  “não tem problemas com o aumento pois (sic) não tem carro, porque pela sua comunidade não passa nenhum micro ônibus”.

Mas abaixo se informou que os camponeses foram os primeiros a sofrer o impacto da
medida pois as tarifas do transporte inter estadual não estão controladas pelas autoridades e aumentaram imediatamente 100%. Ademais os camponeses já antes do
gasolinaço tinham que pagar altos preços por um botijão de gás (22,5 bolivianos nas cidades, e 45 pesos bolivianos na área rural!) pelos efeitos do transporte.

Outro jornalista de Le Monde, Pablo Stefanoni, pese a intentar ser crítico, afirma que
Evo tem “legitimidade revolucionária” para impor sua medida, enquanto que o editor de conteúdos de canal 9, Jaime Iturri minimizou inclusive o imediato aumento dos preços em 15% da Estatal EMAPA.

O pasquim do governo
O jornal Cambio, pasquim governamental, ressume bem a posição oficialista ao relativizar o termo gasolinaço dos neoliberais porque o faziam para enfrentar o déficit fiscal, contra o poder aquisitivo dos salários e para preservar os privilégios de uma elite política e econômica que lucrava graças ao Estado.

Cambio insiste em que se trata de uma “nivelação de preços” e não “gasolinaço” porque atualmente há superávit econômico e capacidade de endividamento. O jornalista de base Ivan Canelas, agora  porta voz do Palácio de Governo, insiste em que a medida de Evo Morales não é neoliberal  mas “patriótica” e “valente”.

A verdade é que em 2006, quando Carlos Mesa fez um gasolinaço de 10% todos
qualificaram a medida de neoliberal. Agora que o governo impõe um de mais de 80% é uma medida “patriótica”, “necessária” e “progressista”!                       

O argumento do contrabando 
Evo Morales justificou o gasolinaço como necessário porque o subsidio aos hidrocarbonetos, de 380 milhões de dólares anuais beneficiava os contrabandistas e a pessoas de países vizinhos (note-se o chauvinismo). Mas, não estavam as Forças Armada evitando o contrabando? Não tem em suas mãos o ex ministro da Presidência eatual chefe da Agencia para o desenvolvimento das macrorregiões e fronteiras, Juan Ramon Quintana, a tarefa de evitar o contrabando? Claro, Evo saiu afirmando que os militares controlaram as grandes cisternas, mas não os contrabandistas artesanais ou “formiga”. Seriam estes os beneficiários dos 150 milhões e dólares em subsídios? Ainda que provoque vergonha alheia reproduzimos esta explicação de Evo Morales “(…) Com as Forças Armadas temos intentado controlar o contrabando (.;..) conseguimos pegar aqueles que levavam o combustível pelas cisternas. Mas alguns deles o levam caminhando, como em Cobija, em garrafas de coca cola, com uma garrafa os contrabandistas tem para comer dois a três dias. Tenho a informação que levam o carburante em burro, llama ou mula, não da pra controlar.”¡Mentira!

Teoricamente toda a compra e venda de gasolina, diesel, etc. é  controlada, registrada, medida e autorizada pelo Vice Ministro da Defesa Social (antidrogas) devido ao problema
do narcotráfico. Nem os produtores de quinua podem trasladar livremente o combustível para seus tratores e devem apelar ao trâmite de autorização que restringe a compra a determinadas quantidades.

As empresas petrolíferas beneficiadas
Que a medida não favorece às elites econômicas? As mais beneficiadas são as empresas
petrolíferas, assim foi reconhecido pelo próprio ministro de Hidrocarbonetos, Fernando Vincenti.  As multinacionais receberão não os 27.11 dólares por barril mas terão um “estímulo” de 59 dólares. Isto é claramente privilegiar as elites econômicas, neste caso o
capital multinacional e o imperialismo; as petrolíferas verão duplicar seus ingressos, assim se “estimula a produção de líquidos” que estava decaindo pela falta de investimento das empresas imperialistas.

O governo quer se precaver
As mobilizações de diversos setores sociais se programam para quinta feira 30 de dezembro, em que pese a Central Operária Boliviana (cooptada pelo MAS) que pediu a derogação do Decreto 748 e o dialogo com o governo. Por isso o governo quer se prevenir. Evo Morales falará no daí 29 à noite, e tem boatos que anunciará cinco medidas paliativas do gasolinaço. Demagógica criação de empregos? Aumento salarial de 100%? Demissão do ministro autor intelectual do gasolinaço? Demissão  de parte do governo? Outro infrutuoso plano de moradias? Anuncio de processo jurídico as pessoas que se manifestam nas ruas, por serem neoliberais, direitistas, antipatriotas, etc.?

Construção de mais gigantescos campos esportivos em regiões isoladas e sem população? Construção de hospitais e escolas que tanta falta fazem, em que pese que as que já existem não tem médicos nem professores?

Um claro Gasolinazo
Estamos perante um gasolinaço claro, e desta vez em uma proporção que supera amplamente todos os governos do período neoliberal. O porta voz governamental declarou com certa dose de orgulho que “esta medida tentaram fazê-la todos os governos e era reclamada pelos economistas”.Evo cumpriu o sonho dos neoliberais e partidos tradicionais que sempre quiseram eliminar os subsídios mas não tinham força para fazê-lo. Evo Morales cooptou os dirigentes das organizações sociais e com eles pode golpear quantas vezes quiser os setores populares.

O gasolinaço é uma medida de ajuste estrutural recomendada sempre pelo FMI. Os investidores estrangeiros se sentem “incentivados” a investir, neste caso, em mais exploração de campos petrolíferos. O ajuste será pago pelo povo boliviano, os mais pobres, os consumidores finais, ainda que possam vir depois algumas medidas compensatórias como as que recomenda e inclusive financia o Banco Mundial.
Esta política é um sinal nítido da submissão do governo às empresas imperialistas que certamente chantageiam os países semi coloniais como a Bolívia e coloca a nu que o discurso do MAS de “estarmos construindo um novo Estado com soberania” é pura demagogia e se esfuma frente à realidade da submissão de semi colônia.
 
( Centro de Estudios Populares)
A mobilização e os protestos do povo derrotaram o gasolinaço de Evo 
Bolívia, 1º de janeiro de 2011 – CEP.  A contundente mobilização popular realizada na quinta feira 30 em quase todo o país freou o Decreto 748, conhecido como gasolinaço, que quatro dias antes havia lançado Evo Morales contra a economia dos setores mais pobres do país e em beneficio das multinacionais petrolíferas.

No final do dia 30, dia da contundente mobilização popular contra o gasolinaço, o ministro de Governo Sacha Llorenti afirmou que “Bolívia esteve quase na normalidade” falou em “pequenos grupos isolados” protestando e acusou os manifestantes de vândalos e delinqüentes. Da mesma forma, Evo Morales disse que as mobilizações foram realizadas por pequenos grupos “suspeitos”. A versão oficial do governo foi que se tratou  de uma mobilização não massiva, motivada politicamente por setores de oposição, particularmente pelo Movimento Sem Medo que haveria pago os manifestantes. Na sexta feira 31 às 22.00 horas, Evo anunciou em uma mensagem à nação que depois de escutar o povo, anulava o decreto 748 e todas as medidas complementares.

Nos fatos o governo não teve nenhum apoio da população. Evo Morales tentou impor sua
reacionária medida, mas esta foi contida pela mobilização popular que ameaçava com crescer para a semana posterior. Os dirigentes fabriles, mineiros, professores, juntas de vizinhos, setores camponeses e inclusive alguns setores cocaleiros estavam preparando protestos, entre eles uma marcha à sede do governo em La Paz para derrotar o decreto.