O que aconteceu no Equador?
Golpe de estado falido ou rebelião contra o ajuste de Rafael Correa? | Juan Carlos Giordano (Jornal O Socialista – Esquerda Socialista – Argentina)
Golpe de estado falido ou rebelião contra o ajuste de Rafael Correa?
Dirimir esta questão é chave. Em nossa opinião, se deu claramente a segunda variante. O oposto do que diz o presidente equatoriano, a OEA (Organização dos Estados Americanos), distintos governos latino-americanos e a imensa maioria da esquerda que chamou a “derrotar aos golpistas”. Sabemos que honestos lutadores estão com dúvidas. Porem os fatos demonstram que não houve tentativa de destituir o presidente e instaurar um governo igual ao de Honduras, mas sim uma sublevação contra o ajuste de Correa.
A sublevação de uma parte da polícia – enfrentando seu alto comando “que sempre nós traíram” segundo disse um dos manifestantes – foi contra a denominada Lei de Serviços Públicos que rebaixa osalário da categoria. Protesto a que se somaram familiares e policiais aposentados. Lei de ajuste que também prejudica aos trabalhadores estatais. Teria sido uma manobra para iniciar um golpe? Não existe nenhuma evidencia que indique isso. Em nenhum momento os policiais exigiram a destituição do presidente, muito menos tentaram assassiná-lo, como afirmou Rafael Correa. Por meio da manifestação exigiam a retirada da Lei.
O fato de Correa ter ido a unidade de Quito – foco do aquartelamento policial – para dizer “eu não vou negociar, se matem-se quiserem”, apenas jogou gasolina sobre a fogo. Diante do repudio não lhe restou outra saída a não ser simular uma ameaça de morte e alojar-se no Hospital policial. Não esteve “sequestrado”. Isso foi negado pelos médicos Gilberto Calle e Fernado Vargas, do Hospital Policial, agregando que o presidente se reuniu com seus colaboradores quantas vezes quis, sem guardas na porta que lhe impedissem de abandonar o lugar (El Nacional, Caracas). Jornalistas assinalaram que Correa rechaçou a passagem protegida que lhe prepararam os sublevados para que se retirasse. “Estava melhor que a gente” disseram alguns dos doentes.
Correa se negou a sair para simular que sua vida corria perigo, tratar de mobilizar aos seus seguidores e ganhar tempo para ver se a políciadesistia. Se tivesse ido embora teria evitado mortes e derramamento de sangue. O final se conheceu horas depois. O exercito reprimiu e Correa fugiu para a Casa de governo.
O mar de fundo
Correa apresentou outras leis a Assembléia Nacional (Parlamento). As mesmas foram modificadas por 20 legisladores de seu próprio partido (Alianza País), gerando uma crise política. Correa vetou as modificações impondo suas características autoritárias e ameaçou fechar o congresso, algo que normalmente fazem os golpistas, não?
A lei contra os trabalhadores aprovada na quarta-feira passada – com o pretexto de atacar privilégios da “burocracia”-, fixa um piso e um teto aos salários públicos. Estendea jornada de trabalho dos médicos estatais de 4para 8 horas e prevêdemissões. “Temosque começar a reestruturar certas instituições publicas e terão que sair certos empregados”, disse recentemente Correa (Ultimas noticias.ec, Ecuador)
Ao melhor estilo dos ajustes dos anos 90, o governo de Correa oferece demissões voluntarias ou demissões com pagamento de indenizações. De uma planta com 470.000 empregados públicos (40% do total de trabalhadorescom registrados), 100.000 foram colocados pelo atual governo. Correa, além disso, tem um plano de cortar pessoal da estatal Petroecuador, com uma planta de 6417 empregados.
Por seu lado, sindicatos, estudantes e professores universitários, protestaram contra o veto da Lei de Educação Superior para que não se ataque, segundo disseram, “ a autonomiauniversitária e suas fontes de financiamento”. Os professores ameaçam se mobilizar por aumento salarial. Tempos atrás houve uma forte luta por aumento nesse setor.
Dirigentes das organizações indígenas e camponesas (CONAIE, ECUARUNARI, CONFENIAE e CONAICE)- que romperam com o governo há pouco tempo – denunciaram “a implantação da mineração em grande escala, a privatização da água e a espoliação da fronteira petroleira…. A atitude autoritária contra os setores populares e a criminalização dos movimentos sociais” e exigem que se realize a “reforma agrária”. (www.laclase.info)
Diante das lutas sociais, alguns meses atrás, Correa afirmou que o inimigo principal “não é a direita, mas sim a ultra-esquerda”, qualificando de terroristas, agentes do imperialismo e da CIA (serviço secreto dos EUA) aos setores operários e populares que lutam por seus direitos. O mesmo faz Hugo Chaves na Venezuela. Governo patronais que se autoproclamam do “socialismo do século XXI”, enquanto descarregam a crise capitalista sobre as costas dos trabalhadores, privatizam, permitem o saque dos recursos naturais e aplicam um ajuste a serviço das multinacionais.
Outro fato a destacar é que Correa, igual que Chaves e os Kirchner (argentina), vem denunciando aos meios de comunicação hostis aos governo, com o objetivo de fazer com que os monopóliosmidiáticos adeptos difundam as “bondades de seu governo”. Enquanto isso, no Equador condenaram a três anos de prisão a um prestigiado jornalista do diário O Universo de Guayaquil, pelo “delito” de acusar de corrupto a um ministro do governo.
Um golpe “distinto”?
O que desmente que houve uma tentativa de golpe foi a disciplina que as Forças Armadas sempre mantiveramem relação ao presidente Rafael Correa. Nem o fato que a Força Aérea ocupou os aeroportos serve para manter a mentira do golpe. Insistimos. Não se tratou de um plano premeditado para derrubar Correa, mas sim de uma rebelião que questionou leis de ajuste. Além do que, Barack Obama, presidente dos EUA, a OEA, os governos direitistas de Santos (Colômbia), Piñera (Chile) eSarkozy (França) entre outros, condenaram “toda tentativa Golpista”. É possível pensar em um golpe de Estado sem Forças Armadas e sem apoio do imperialismo?.
Os governos latino-americanos e seus porta vozes – incluindo Fidel Castro – falam de “golpes distintos”, que já não teriam militares, tanques e milhares de mortos. Seriam golpes sutis, inteligentes, midiáticos que socavam e minam diariamente aos governos “progressistas”, onde se colam os partidos de direita e a oposição patronal pro-imperialista. Cristina Kirchner, presidente da argentina, disse que o que aconteceu no Equador “vem ocorrendo na Argentina há bastante tempo e se mantem até o dia de hoje”. Quer dizer, que supostamente viria sendo gestado um golpe de estado….desdevários anos! Uma mentira deslavada para caluniar como golpista a todos aqueles que resistam a suas políticas entreguistas.
Ninguém desconhece que a direita existe e atua. Desde já, repudiamos que setores políticos como o do ex – presidente Lucio Gutierrez tenham pretendidose aproveitar de forma oportunista do protesto policial. Porem como bem dizem as organizações indígenas equatorianas, enquanto o governo se dedica exclusivamente a atacar o movimento indígena e sindical, “não debilitou nada das estruturas de poder da direita”, deixando áreaseconômicos fundamentais em suas mãos e criminalizando os protestos sociais.
Não há golpes de estado “distintos”. O “distinto”, em todo caso, é que estes governos acusam de direita a todo protesto operário e popular. Alan Garcia, presidente do Peru, disse claramente: “não podemos permitir que uma greve ponha em risco a democracia”. O mesmo devem estar pensando Zapatero (Espanha) e Sarkozy diante da onda de greves contra suas medidas anti-operárias!. E se Fidel se solidarizou com o ajuste de Correa, é porque junto com seu irmão, Raul Castro, está disposto a demitir 500.000 trabalhadores Cubanos.
A maioria da esquerda engoliu o duplo discurso
Partidos de esquerda se mobilizaram rapidamente “contra o golpe”. Por exemplo, O MST (ligado ao reagrupamento internacional e ao MES/PSOL) se mobilizou no dia seguinte junto ao “vencedor” da fraudulenta eleição da CTA, Pablo Micheli… quando já havia atuado o exercito reprimindo e sufocando aos policiais! Quer dizer, marcharam em apoio a Correa e a democracia burguesa. Outros setores da esquerda por sua vez, chamaram a derrotar aos golpistas assinalando que a principal preocupação de Obama é remover do poder “governos que incomodam” … Também dizem que “a polícia parece atuar com a cumplicidade das Forças armadas” (?!) e convocam a pressionar desde as bases os governos de Chaves, Morales e Kirchner exigindo que convoquem medidas de mobilização efetivas. Derrapagens de esquerda poucas vezes vistas. Concordam com o dito por Atilio Borón (porta voz de intelectuais chavistas e castristas vinculados ao PC argentino – Centro Cultural Cooperación), que sustentou que isto é parte de “uma conspiração dos oligopóliosmidiáticos, a oligarquia e o imperialismo para derrubar governos que não se curvem aos seus interesses” (Pagina 12, 3/10).
Se fosse uma tentativa de golpe, os socialistas revolucionários deveriam estar entre os primeiros a chamar a mobilizar, sem sectarismo, aos trabalhadores e ao povo e a todos as organizações políticas, incluindo partido patronais e governos de turno, para “derrotar aos golpistas”. Assim o fizemos durante toda a trajetória de nossa corrente. Nossos dirigentes classistas e revolucionários na Venezuela – encabeçados por Orlando Chirino e Jose Bodas (CCURA e USI) – chamaram a mobilizar-se e encabeçaram as marchas em 2002, quando a direita quis dar um golpe, processo que terminou restituindo finalmente o presidente Chaves. Porem este não é o caso.
Como não se tratou de um golpe, chamar a mobilizar-se contra os golpistas é ser funcional ao ajuste de Correa, a todos os governos patronais, a UNASUR (União de Nações Sul – Americanas) e ao regime democrático burguês.
Abaixo o ajuste de Correa
Outra prova de que não houve intentona golpista – se ainda fizesse falta mais alguma -, foi a liberação dos três coronéis da policia acusados de golpistas (quando, se fossem golpistas de verdade, mereceriam a prisão). Correa chamou a “seguir respaldando a policia… a imensa maioria são extraordinários seres humanos que arriscam sua vida dia após dia por todos nós” (La Nación, 3-10). Atentos a isso, a pergunta que o povo equatorianose faz hoje, sentindo que a versão oficial é mentirosa, é por que o presidente provocou semelhante show, ocasionando mortes e centenas de feridos.
Chamamos aos trabalhadores e ao povo da Argentina e da América Latina a não se deixar enganar. A combater o duplo discurso desses governos que transformaram essa crise em um intento golpista para conseguir impacto internacional, com o objetivo de ir contra as exigências operárias e populares. Uma mentira absurda para esconder não só sua debilidade e aventureirismo, mas fundamentalmente para não ceder diante de nenhuma manifestação que enfrente sua política de ajuste.
Os protestos atuais, tanto para o Equador como para a America Latina, passam por exigir: Abaixo as leis de ajuste de Correa! Não as demissões e rebaixamento salarial. Pleno apoio a todos os protestos operários, estudantis, populares e indígenas. Combater a direita é expulsar as multinacionais, reestatizar as empresas privatizadas e deixar de pagar a infame divida externa. Fora a corrupta cúpula policial, direitos sindicais e políticos para a policia. Liberdade aos presos por lutar e basta de criminalizar os movimentos sociais. Unidade dos povos latino-americanos para enfrentar o imperialismo e aos governos que aplicam planos pro-imperialistas. Que a crise seja paga pelos capitalistas, não pelos trabalhadores. Nesse marco seguir lutando por governo dos trabalhadores e do povo, no caminho para o socialismo.