Impactos ambientais e sociais com Usina de Belo Monte
| Entrevista com Dion Monteiro – Mov Xingu Vivo para Sempre
O governo Lula pretende realizar o leilão para construção da Usina Hidrelétrica de Belo Monte, no rio xingu, no estado do Pará, no mês de abril. Para saber a posição dos movimentos sociais a respeito desse tema conversamos com Dion Monteiro, um dos articuladores do Comitê Metropolitano do Movimento Xingu Vivo para Sempre, com sede em Belém. O companheiro destinou parte de seu tempo, tomado por atividades contra a construção da Usina, para responder nossas perguntas. A entrevista foi publicada parcialemente no jornal Combate Socialista por razões de espaço. Agora, aqui em nossa página, disponibilizamos a versão na íntegral.
COMBATE SOCIALISTA: Quais os impactos sociais e ambientais da Usina Hidrelétrica de Belo Monte?
Dion Monteiro:
São diversos os impactos, porém 02 chamam mais atenção, o primeiro deles refere-se à estimativa feita pelo governo federal de que aproximadamente 100 mil pessoas migrarão para a região, principalmente para a cidade de Altamira. Alguns especialistas falam que este número será de no mínimo 150 mil pessoas. A Eletrobrás observa no EIA/RIMA que 18 mil empregos diretos serão gerados no pico da obra, durante 02 anos (entre o 3º e o 4º ano), e 23 mil empregos indiretos serão obtidos, totalizando 41 mil postos de trabalho, ou seja, nas contas do próprio governo aproximadamente 60 mil pessoas que migrarão não terão emprego em nenhum momento. A obra está prevista para durar 10 anos. No final da construção a quantidade de empregos estimados é de apenas 700 diretos e 2.700 indiretos. O EIA/RIMA avalia que 32 mil migrantes deverão ficar na região após o termino da obra. A outra situação refere-se a construção da barragem principal da usina de Belo Monte, pois com esse barramento, uma área de aproximadamente 100 Km da chamada Volta Grande do Xingu terá a sua vazão de água reduzida, ficando apenas em torno de 30% do que ocorre hoje. O parecer técnico nº114/2009, assinado por 06 analistas ambientais do IBAMA, e um dos documentos base para a emissão da Licença Prévia foi categórico em afirmar que “o estudo sobre o hidrograma de consenso não apresenta informações que concluam acerca da manutenção da biodiversidade, a navegabilidade e as condições de vida das populações do TVR [Trecho de Vazão Reduzida]”.
CS: Qual a avaliação do Comitê em relação aos outras Usinas construídas na Amazônia?
DM:
A experiência de todas essas décadas tem mostrado que a grande maioria dessas usinas não trouxe desenvolvimento para a região onde ela foi construída, pelo contrário, foram responsáveis pelo aumento da concentração urbana, violência, número de pessoas desempregadas, expulsas de suas terras, e aumento nas taxas de desmatamento, causada principalmente pela intensa migração. Tucuruí é um bom exemplo disso, pois mesmo já tendo se passado quase 30 anos da construção desta hidrelétrica, milhares de pessoas até hoje não receberam indenização, e outras milhares não conseguiram sequer ter energia em suas residências, mesmo morando em baixo do linhão, além da ausência de infra-estrutura que o município de Tucuruí, e municípios vizinhos, até hoje apresentam.
CS: Propaga-se a idéia que a Usina beneficiará o povo do Pará. Na visão do comitê quem será beneficiado?
DM:
O principal objetivo da UHE Belo Monte, é atender com energia barata as empresas do eixo centro-sul do país. Assim, aproximadamente 80% será para atender as empresas deste eixo, e até 20%, caso a negociação realizada entre o governo federal e o governo do Pará se concretizem, ficará para atender as empresas eletro-intensivas deste estado, principalmente as transnacionais VALE e ALCOA, gerando vantagens competitivas para estes grupos no cenário internacional, mas não prevendo nem 1 quilowatt (KW) para atender as comunidades amazônicas que até hoje não possuem energia elétrica.
CS: Há alguma relação com projetos para Amazônia, ao estilo da IIRSA (Iniciativa para a Integração da Infra-estrutura Sulamericana)?
DM:
O Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) representa a própria IIRSA no Brasil, e a UHE Belo Monte é o maior investimento do PAC no país, fazendo assim parte de um projeto de integração energética Sulamericana. Esse é um dos motivos que faz com que essa obra receba atenção especial do governo do presidente Lula. Isto ficou particularmente evidente no fato ocorrido no mês de fevereiro de 2010, quando expressando uma ação de governo, defendida pelo próprio presidente, a Advocacia-Geral da União (AGU) ameaçou processar membros do MPF que se contraporem ao processo de licenciamento e construção da Usina Hidrelétrica de Belo Monte, alegando que as ações do MPF são “sem fundamento, destinadas exclusivamente a tumultuar a consecução de políticas públicas relevantes para o país”.
CS: Recentemente foi liberada a licença prévia pelo IBAMA e a direção da Fundação Nacional do Índio (Funai) já havia dado um parecer positivo. Como tu vês a atuação do governo Lula?
DM:
Em uma reunião realizada no dia 22 de julho de 2009, com religiosos, representantes de movimentos e organizações sociais, Ministério Público, e pesquisadores, o presidente Lula afirmou categoricamente que Belo Monte não seria “enfiada goela abaixo de quem vive no Xingu”, porém de lá para cá é exatamente isso que tem ocorrido. Todas as questões apresentadas continuam sem respostas, o MPF foi ameaçado pela Advocacia Geral da União, a Licença Prévia foi dada, e já está marcado para o dia 20 de abril o leilão de Belo Monte. Esquecendo a sua própria experiência de retirante nordestino, o presidente Lula trata a Amazônia de forma autoritária, da mesma maneira como essa região historicamente vem sendo tratada, implementando um projeto pensado no período da ditadura militar, seguindo a mesma lógica que sempre oprimiu os povos amazônicos, e que está levando o planeta Terra ao seu declínio. Só por esses elementos o governo Lula já pode ser considerado uma das maiores decepções da história desse país.
CS: O ministro do Meio Ambiente, Carlos Minc, declarou que para fazer a barragem os povos indígenas não precisam deixar seus territórios. Isso é verdade?
DM:
O EIA/RIMA apresentado pela Eletrobrás afirma que serão afetadas diretamente pela usina de Belo Monte a Terra Indígena Paquiçamba (do povo Juruna), Terra Indígena Arara da Volta Grande do Xingu (do povo Arara) e a Área Indígena Juruna do Quilômetro 17 (também do povo Juruna). O Conselho Indigenista Missionário (CIMI) afirma que também será afetada diretamente a Terra Indígena Trincheira Bacajá (dos povos Kayapó e Xicrin). Porém, mesmo reconhecendo este impacto direto, o governo do Brasil se recusa a realizar as oitivas indígenas, conforme determina o artigo 231 da constituição brasileira, e a convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), da qual o Brasil é signatário. O governo federal alega que as terras indígenas não serão inundadas pelo lago, mas não fala que o rio irá secar nesses trechos, por conta do barramento do Xingu, submetendo os indígenas a uma situação que impedirá a sua permanência nestes territórios.
CS: Na tua avaliação, qual a postura do governo Ana Júlia?
DM:
A governadora Ana Júlia tem defendido de forma intransigente a UHE Belo Monte. Alega que ocorrerão muitos ganhos para o Estado do Pará. Porém a experiência histórica em relação a Tucuruí e Curuá-Una, ambas no Pará, ou mesmo Balbina no Amazonas, ou Samuel em Rondônia, para citar apenas algumas hidrelétricas, mostra exatamente o contrário. No caso de Belo Monte os maiores beneficiados serão as empresas eletro-intensivas, como já observado, que não geram tantos empregos, além de demandarem mão de obra especializada. Nem mesmos os royalties pagos tem se mostrado um instrumento que realmente compensem os problemas advindos destes grandes projetos. Dessa forma, a governadora continua beneficiando os grandes grupos econômicos que sempre foram privilegiados neste estado.
CS: Há setores do movimento popular que não são contrários a Belo Monte. Lutam apenas por mitigação dos impactos. Qual a visão do comitê a esse respeito?
DM:
O Comitê Metropolitano do Movimento Xingu Vivo, composto por quase trinta entidades, e o próprio Movimento Xingu vivo para Sempre, com aproximadamente uma centena e meia de entidades, tem a compreensão que o projeto da UHE Belo Monte está inserido em um modelo de desenvolvimento que não tem como ser mitigado, pois esse mesmo modelo já exauriu, só nos últimos 40 anos, mais de um terço de todos os recursos naturais do planeta. Porém, mesmo os setores que lutam por mitigação entendem que a forma como o projeto esta sendo implementado, “goela abaixo de quem vive no Xingu”, é equivocada, e tem desenvolvido ações conosco para que o processo de licenciamento não prossiga, pelo menos não dessa maneira. Nesse momento precisamos unir forças com quem temos algum tipo de convergência, pois lutamos contra oponentes muito poderosos.
CS: Como foi a organização para resistir ao longo das últimas décadas?
DM:
A mais de vinte anos os povos do Xingu resistem a construção da UHE Belo Monte. O projeto inicial previa a construção de sete barragens ao longo do rio Xingu, e um lago de 1.225 km², atingindo sete mil índios de 12 Terras Indígenas, além dos grupos isolados da região. O ano de 1989 foi um marco neste processo de resistência, é quando foi realizado o 1º Encontro dos Povos Indígenas do Xingu, em Altamira (PA). Seu objetivo era protestar contra as decisões tomadas na Amazônia sem a participação dos índios e contra a construção do Complexo Hidrelétrico do Xingu. O encontro acaba ganhando imprevista notoriedade, com a maciça presença de grupos indígenas, movimentos e organizações sócias, mídia nacional, estrangeira, e ambientalistas. De lá para cá a resistência nunca mais parou de crescer, com a criação do Movimento Xingu Vivo para Sempre, em Altamira, ela se fortaleceu mais ainda, hoje ele conta com mais de 150 entidades, que se reúnem e deliberam coletivamente. Atualmente já existem vários comitês de apoio ao movimento, como na região metropolitana de Belém, no Rio de Janeiro, no Mato Grosso, e até fora do país.
CS: Qual sua avaliação sobre as iniciativas recentes do comitê?
DM: A mobilização das entidades que compõem o Comitê começou em setembro de 2009, por ocasião da audiência pública (privada) que aconteceu aqui em Belém. Houve muita repressão contra agricultores e indígenas, que foram impedidos de entrar no auditório onde estava ocorrendo a audiência pelos soldados da Força Nacional, chamada para garantir a segurança dos representantes do governo e das empresas. Em outubro o Comitê Metropolitano do Movimento Xingu Vivo para Sempre foi formalmente criado. Em dezembro nos fizemos uma manifestação que terminou com a ocupação da sede da Eletronorte, em fevereiro de 2010 fizemos uma vigília em frente ao IBAMA, e agora em março reunimos com o MPF para discutir algumas estratégias. Alem disso fazemos permanente debates em rádios comunitárias e educativas, televisão, nas universidades, e agora queremos fazer este trabalho nas escolas municipais e estaduais. Essas iniciativas mostram que o Comitê tem conseguido atingir seus objetivos, que é trazer o debate para a região metropolitana, sensibilizar as pessoas, e lutar contra Belo Monte e o modelo de desenvolvimento imposto para a Amazônia.
CS: Por fim, deixe uma mensagem aos nossos leitores.
DM:
O resultado dos séculos de autoritarismo e exploração dos recursos naturais na Amazônia brasileira, desde o final do século XVI, inicio do século XVII, ou em seu período de exploração mais recente, exploração “moderna”, a partir do final dos anos 30, início dos anos 40 do século XX, tem demonstrado a insustentabilidade do atual modelo de desenvolvimento, bem como a urgência de sua substituição por outras propostas, saídas que estejam pautadas na geração de uma energia verdadeira limpa, como por exemplo, a energia solar, energia eólica, e a energia a partir dos resíduos da biomassa, sem que para isso se desenvolvam monoculturas, entre outras possibilidades; a consolidação de relações concretamente sustentáveis, onde os elementos econômicos não se sobreponham aos elementos ambientais, sociais ou culturais; e finalmente a implementação de relações sócio-ambientais pautadas em paradigmas que totalizem a harmonia entre a natureza e os seres humanos, garantindo a existência primeira do planeta, em seu conjunto. Esta deve ser a nossa busca. A insistência em padrões como esse expresso por Belo Monte, inevitavelmente levará a incrementação dos desastres climáticos e ambientais que já se encontram em estágio avançado, fazendo certamente com que a vida e o planeta Terra logo tenham o seu epitáfio.